Começa hoje a guerra das CPIs no Congresso
Foto: Aílton de Freitas
Em meio ao clima de desconfiança mútua entre o Palácio do Planalto e o agronegócio, o governo Lula busca uma estratégia para apagar mais um foco de atritos na relação com os ruralistas: a CPI do MST, que deve iniciar os trabalhos até o fim de maio na Câmara dos Deputados.
Conforme informou O GLOBO, a CPI criada para investigar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se encaminha para virar um “bunker” da oposição.
O objetivo dos ruralistas é investigar quem são os financiadores do MST que, junto com outros movimentos ligados à questão da terra, só nestes primeiros cinco meses de governo Lula, já promoveu ao menos 56 invasões — mais do que o ano passado inteiro, segundo levantamento Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A tese dos ruralistas é que as invasões ocorrem com a conivência do Planalto e de governos estaduais petistas, como o da Bahia – e de que dinheiro público – de emendas parlamentares, convênios e até mesmo de programas do governo Lula – tem sido desviado para financiar a ofensiva contra as propriedades privadas.
Só que, ao contrário do que acontece na CPMI dos Ataques Golpistas (o M é de mista, porque a comissão é composta por deputados e senadores), na CPI do MST os ruralistas devem ter entre 15 e 17 dos 27 titulares.
Desses, 13 já foram anunciados pela oposição, e todos com forte discurso contrário à invasão de propriedades privadas.
O governo Lula, por sua vez, deve ter até 12 representantes. Aliados do presidente da República no Congresso já encaram a CPI do MST como palco de uma espécie de terceiro turno de 2022, onde o PT será confrontado com uma “guerra de narrativas” difícil de vencer.
Para a oposição, a CPI do MST funcionará inclusive como um contraponto à CPI do golpismo, em que a direita estará na berlinda em razão dos atos de 8 de janeiro.
“Nós queremos atuar em cima de quem não respeita a Constituição e as leis. A reforma agrária é legítima, o título rural é legítimo, mas somos contrários a qualquer invasão de propriedade privada”, disse à equipe da coluna o autor do pedido de criação da CPI, o deputado Coronel Zucco (Republicanos-RS), que deve ser o presidente.
Nesse contexto, o primeiro movimento do governo para tentar reduzir danos nessa arena é simplesmente tentar postergar o início da CPI, adiando ao máximo a indicação dos parlamentares da base aliada como forma de ganhar tempo.
Enquanto isso, o Planalto torce para uma mudança no clima político que distraia a atenção do público para outros assuntos, como os escândalos que rondam Jair Bolsonaro e sua família, e esvazie a CPI.
Caso não seja possível evitar o funcionamento da comissão, os governistas já preparam o discurso de “apelo social” em defesa do MST, argumentando que o movimento promove a agricultura familiar, é “o maior produtor de arroz orgânico do Brasil” e tem consciência ambiental, como defendeu o próprio Lula em entrevista ao Jornal Nacional durante a campanha eleitoral.
Mas, dentro do próprio Congresso, a avaliação é a de que a CPI do MST tem potencial de desgastar ainda mais a imagem do governo perante uma fatia do eleitorado que já torce o nariz para Lula. O governo sabe que mais do que palavras, são necessários gestos concretos.
No início do mês, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se reuniu pela primeira vez com a bancada do setor, na sede da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em Brasília, para tentar apaziguar os ânimos e aparar arestas, em meio ao tensionamento nas relações do agro com a administração lulista justamente por causa da relação do governo com o MST.
O encontro, de cerca de quatro horas, não dissipou todos os problemas, mas foi encarado como um aceno a um setor estratégico, que representa 24,8% do PIB brasileiro.
Lideranças do setor ouvidas reservadamente pela equipe da coluna se queixam do que consideram uma “postura vingativa” do governo Lula na relação com o agro, setor tradicionalmente associado a Bolsonaro.
Desde que Lula retornou ao Planalto, o agro acumula queixas com a administração petista – francamente demonstradas no episódio em que o Fávaro foi “desconvidado” da abertura da Agrishow, da qual Bolsonaro foi convidado.
Os produtores agrícolas têm boa imagem de Fávaro, mas se queixam de que o governo passa dupla mensagem quando leva o líder do MST, João Pedro Stédile, na comitiva oficial de Lula à China ao mesmo tempo em que o ministro da Agricultura condena invasões de terra – como fez no encontro com os ruralistas.
Fávaro aproveitou a ocasião também para colher apoio para a volta da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para o Ministério da Agricultura – hoje está no Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado pelo petista Paulo Teixeira, muito mais simpático aos sem-terra. A Conab é a empresa pública que cuida de estoques públicos de grãos e do bilionário Plano Safra.
“Não existe Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) sem Conab”, disse Fávaro.
“A posição do governo é deixar a Conab no MDA”, rebateu Teixeira à equipe da coluna.
Integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária também se queixam do protagonismo cada vez maior de Stédile, convidado por Lula para fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão.
Episódios dos últimos dias indicam que a missão de pacificar as relações do governo com o agro e diminuir o potencial de fogo da CPI do MST é bastante complexa.
Na última quinta-feira, o MST e o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) acusaram o ministro da Casa Civil, Rui Costa, de vetar a participação dos sem-terra em um evento do governo federal com a presença de Lula na Bahia. Costa nega o veto.
Um dia depois, na última sexta-feira, o ministro interino da Fazenda, Gabriel Galípolo, indicado para uma diretoria do Banco Central, visitou uma feira do MST no Parque da Água Branca, localizado na zona oeste de São Paulo.
Na ocasião, disse ao G1 que “tem que normalizar o fato que eu tenha, num dia, saído de uma reunião na Faria Lima e vindo diretamente aqui no MST”.
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O duro é convencer os ruralistas a normalizar as invasões de terra.