
Governo planeja recorrer o mínimo ao Congresso
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Ganha força entre os apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ideia de que, não adiante insistir, a atual gestão precisará trabalhar os quatro anos de mandato sem dispor do apoio determinado de uma maioria fixa, estável e segura no Congresso Nacional para aprovação dos projetos de interesse da governo.
O jeito, afirmam os adeptos desse entendimento, será encontrar uma forma de aprender a governar sem apoio majoritário. Pelo menos enquanto um almejado impulso da economia não servir de facilitador de adesões.
Dias atrás, Lula deu pistas de ter aderido a esse entendimento. Falando durante um evento sobre educação no Ceará, enveredou o pronunciamento para a relação com o Congresso e, implicitamente, reconheceu o desafio.
“Tem gente que pergunta para mim: ‘Ô Lula, quantos deputados você tem na sua base?’. Eu falo 513. Tenho 513 deputados e 81 senadores, e eles serão testados em cada votação. Cada votação você tem que conversar com todos os deputados. Nenhum deputado é obrigado a votar naquilo que o governo quer, do jeito que o governo quer […] E nós temos que entender que isso faz parte do jogo democrático. Não é o Congresso que precisa do governo. Do jeito que está a Constituição, é o governo que precisa do Congresso”, disse.
Um antigo apoiador de Lula com larga experiência no Executivo e no Legislativo e que preferiu falar no anonimato afirmou que “não se trata de jogar a toalha” na busca por uma maioria. “Mas assumir essa dificuldade como uma realidade e fazer uma atuação de relacionamento com o Congresso coerente com essa situação.”
Encarando a realidade, sugiro revisão [trabalhista] por pontos”
— Luiz Marinho
Uma atuação orientada pela compreensão de que o governo não tem e nem terá uma maioria fixa, explica, significa recorrer o mínimo possível ao Congresso Nacional para dar curso aos projetos do programa do PT.
Uma das orientações seria patrocinar propostas de emenda à Constituição (PECs) somente quando for absolutamente indispensável e apenas para temas que tendem ao consenso da opinião pública, como é o caso do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Pior que não apresentar o projeto é arriscar e perder, diz, pois isso mina a autoridade do governante.
Outro procedimento seria reduzir ao máximo a edição de medidas provisórias (MPs), normas que perdem a validade se não forem aprovadas em até 120 dias.
Sempre que possível, as MPs, conforme esse entendimento, devem ser substituídas por Projetos de Lei Complementar, modalidade que também precisa de maioria simples para aprovação, mas que tem tramitação mais demorada, o que oferece mais tempo para o processo de convencimento.
“Minha tese é essa aí”, afirma o deputado Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do governo na Câmara. Ele concorda que, no atual cenário, o governo precisará negociar exaustivamente para aprovar cada projeto, buscar apoios fora do Parlamento, fazer mobilização social e saber pegar embalo nas marés de conjuntura.
O pedido de urgência para o Projeto de Lei das Fake News é citado com exemplo. Ganhou impulso no momento em que aumentou a preocupação da sociedade com boatos, ameaças e notícias falsas sobre atentados em escolas. Na sequência, já inseguro em relação a chance de aprovação, o próprio relator pediu sua retirada da pauta.
A ideia de reformar a reforma trabalhista aprovada em 2017, no governo Michel Temer, é uma das que entram no rol de projetos mais difíceis de serem aprovados do que se imaginava antes da eleição. “Nesse momento, nesse tema, alterar o que foi feito de mudança na Constituição seria muito complicado mesmo”, admite Correia.
Ministro do Trabalho, Luiz Marinho expressou ideia semelhante numa entrevista recente ao portal Opera Mundi. “O essencial seria construir um nova legislação”, disse. “Mas encarando a realidade, eu sugiro fazer revisão por pontos, na construção paulatina junto às bancadas de trabalhadores e empregadores, buscando criar entendimento, que busca transformar em lei.”
Ao citar a “complexidade do Parlamento”, Marinho disse que o governo irá se frustrar se enviar um pacote trabalhista ao Congresso.
Além do crescimento das bancadas de direita e de extrema-direita na últimas eleição, Rogério Correia cita dois fatores que, segundo sua avaliação, reduziu as condições do governo de formar uma ampla maioria.
O primeiro foi o agigantamento das chamadas emendas individuais impositivas, que agora alcançam cerca de R$ 30 milhões por deputado.
Antes, o parlamentar precisava contar com a boa vontade de ministros para levar recursos para sua base. Agora, depende cada vez menos disso. Consegue produzir impacto apenas com suas próprias emendas. “Isso tirou um poder de barganha grande que qualquer governo tinha”, diz ele.
O segundo fator, afirma, foi o aumento da exposição da atuação de parlamentares do chamado baixo clero nas redes sociais por parte da direita. “Aquele deputado desconhecido do Centrão não sobrevive mais se for só fisiológico”, explica. “Hoje ele é muito vigiado e exposto pela direita. Se votar com a esquerda, perde a próxima eleição.”
Nas últimas semanas, deputados e senadores ofereceram várias amostras da fragilidade do governo no Congresso. Além da retirada da pauta do PL das Fake News, houve derrota na Câmara na votação de uma decreto legislativo sobre saneamento, criação da uma CPI para apurar atos do MST e ainda a aprovação da CPI dos atos do 8 de janeiro – iniciativa que originalmente contrariava os interesses do governo.