Juiz de garantias evitará novos Moros
Foto: Dida Sampaio/Estadão
O juiz de garantias, caso que vai ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, 24, foi criado pela Lei nº 13.964, sancionada em dezembro de 2019, que alterou o Código Penal. Inicialmente, o projeto tratava do chamado Pacote Anticrime apresentado pelo então ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná. Ao longo da tramitação, no entanto, o texto passou por modificações.
Uma emenda sugerida por Marcelo Freixo, que era deputado pelo PSOL, tratou do juiz de garantias. Na época, Moro não escondeu a insatisfação. “Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente”, disse Moro em dezembro de 2019, quando a lei foi aprovada.
A principal mudança instituída pelo “juiz de garantias” é a divisão da jurisdição do processo criminal. Hoje, quando a polícia abre um inquérito, ele é sempre acompanhado por um juiz, que é quem autoriza diligências mais invasivas, como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário e prisão preventiva. Depois, caso a investigação se torne uma ação penal, o mesmo magistrado é quem conduz o processo, avalia provas, ouve os argumentos da defesa e interroga as testemunhas.
A proposta que vai ser discutida no Supremo, do juiz de garantias, é dividir essa jurisdição, para que o juiz que cuidou do inquérito depois não cuide do processo criminal. O juiz de garantias será responsável pela primeira etapa do processo. A advogada Carla Rahal Benedetti, doutora em Direito Penal pela PUC-SP, diz que esse modelo existe em várias legislações internacionais e em vertentes de direito criminal. Ela explica que no modelo da Lei nº 13.964, “o juiz, ao julgar uma ação, não estará contaminado pelo que decidiu ao longo do inquérito”.
Entidades de magistrados que foram ao Supremo pedir a inconstitucionalidade do juiz de garantias, argumentam, por outro lado, que a proposta viola o princípio constitucional do juiz natural e que a lei não é clara sobre como o poder público atenderá a essa nova demanda. O ministro Luiz Fux, então, suspendeu a eficácia da lei por meio de uma decisão liminar (provisória) e devolveu agora para julgamento do plenário do Supremo.
O criminalista Miguel Pereira Neto, conselheiro e diretor-adjunto do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), explica o porquê do nome. “O juiz que trata dos atos de investigação, prévios ao oferecimento da denúncia, exerce um controle de legalidade e de constitucionalidade dessas investigações. Essa divisão privilegia a imparcialidade do juiz”, afirmar o advogado.
Um exemplo que Pereira Neto lembra é o da própria Lava Jato, que teve seus métodos questionados e terminou com o seu principal magistrado, Sérgio Moro, declarado suspeito pelo Supremo, o que anulou a condenação de Lula e vários outros atos processuais. O criminalista, que também teve clientes envolvidos com a operação, comenta que vários dos atos da Lava Jato “criaram um modus operandi diverso da legislação, sem o preenchimento dos requisitos da lei”.
Em março de 2021, quando o Supremo anulou os atos da operação, o ministro Edson Fachin argumentou que “a amizade do juiz com a acusação pode ter o condão de anular todos os processos em que o mesmo fato ocorreu”, em referência a Moro e Deltan Dallagnol, ex-procurador da República que atuou no caso e deputado federal cassado na terça-feira, 17.
Ao dividir a jurisdição e cuidar da parte do inquérito penal, o juiz de garantias tem a prerrogativa de exercer todas as decisões até o recebimento da denúncia, quando formalmente se concretiza o processo criminal e o acusado se torna réu.
Veja a seguir quais são os poderes que a Lei n.º 13.964, pauta do Supremo na próxima quarta, 24, atribui a esse juiz:
Decidir sobre concessão, prorrogação ou revogação da prisão cautelar
Aumentar o prazo das investigações
Permitir quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico
Autorizar a apreensão de celular, documentos ou bens que sejam importantes para a investigação
Trancar o inquérito quando entender que não há provas suficientes contra o investigado
Julgar habeas corpus antes do oferecimento da denúncia
Decidir se recebe ou se rejeita a denúncia