Livro alerta para impunidade de Bolsonaro
Foto: Adriano Machado-6.dez.22/Reuters
Se a Justiça não punir o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a democracia continuará em risco no Brasil, afirmam os autores do recém-lançado “O Caminho da Autocracia – Estratégias Atuais de Erosão Democrática”.
No livro, eles apontam práticas de Bolsonaro que podem configurar crimes comuns, sanitários e eleitorais. Argumentam que, se o ex-presidente não for responsabilizado, nada o impedirá de tentar voltar ao poder em 2026 –e, se for bem-sucedido, a escalada autoritária ganhará mais tração.
A comparação internacional reforça o ponto. Os casos de Índia, Hungria, Turquia e Polônia são analisados para mostrar como os ataques à democracia se intensificaram a partir do segundo mandato dos autocratas que governam essas nações.
“Ao jogar luz em padrões que têm ocorrido em outros países, este livro apresenta um panorama comparado para chamar a atenção para processos que afetaram a realidade política do Brasil”, afirmam.
Escrito por Adriane Sanctis de Brito, Conrado Hübner Mendes (colunista da Folha), Fernando Romani Sales, Mariana Celano de Souza Amaral e Marina Slhessarenko Barreto, o livro é resultado de pesquisas do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, do qual os cinco fazem parte.
Em uma das frentes da obra, o quinteto mostra como são semelhantes as estratégias que as lideranças políticas desses países usaram para esticar os tentáculos do autoritarismo: no controle da educação básica e do ensino superior; no sufocamento da sociedade civil; no populismo da segurança pública.
Para ficar num exemplo, a situação de escolas e faculdades ilustra como os governos de tendência autoritária retratados no livro replicam o mesmo tipo de ataque a liberdades acadêmicas.
O discurso de combate a uma suposta doutrinação de esquerda ou comunista, a deslegitimação das questões de gênero, a exaltação nacionalista e o revisionismo histórico-científico não foram exclusividade do Brasil sob Bolsonaro.
Assim como não o foram as interferências administrativas em universidades, a limitação da autonomia didático-científica, a censura e o menosprezo à comunidade científica.
Como o livro mostra, por mais que essas intervenções soem muito típicas do governo Bolsonaro, elas também ocorreram em maior ou menor medida na Hungria, na Polônia, na Índia e na Turquia.
Em outra frente, os autores recorrem à Agenda de Emergência do Laut, ferramenta desenvolvida para catalogar atos e comportamentos de autoridades que possam trazer riscos à liberdade e à democracia no Brasil.
De 2019 a 2022, eles notaram que o governo Bolsonaro teve 1.692 atos de ameaça à democracia, mais de um por dia –número que, de acordo com os autores, pode ser ainda maior, já que o levantamento não pretendeu dar conta de todos os episódios.
São cinco categorias que eles consideram: redução de mecanismos de controle, violação da autonomia institucional, construção de inimigos, ataque ao pluralismo e a minorias e legitimação da violência e do vigilantismo.
Somados, os atos bolsonaristas ajudam a explicar por que, nos últimos quatro anos, o Brasil caiu em índices internacionais que medem a qualidade da democracia (V-Dem), a qualidade das liberdades (Freedom House) e a qualidade do Estado de Direito (World Justice Project).
Os autores não se limitam a apontar os problemas. Eles também indicam os caminhos que podem levar Bolsonaro ao banco dos réus, numa ampla compilação das condutas que podem configurar crimes do ex-presidente.
Citam, entre outros, a interferência na Polícia Federal, a disseminação de fake news com o propósito de atentar contra a democracia, episódios de campanha eleitoral antecipada e uso de mecanismos econômicos para desvirtuar o voto.
Levar essas investigações até o fim é crucial na visão dos autores: “Para prevenir o avanço autoritário, tão importante quanto não ter reeleito Bolsonaro será responsabilizá-lo pelos crimes e infrações que tenha praticado durante a Presidência”.
Isso porque, de acordo com eles, a eleição de 2022 pode ter tirado “o país do caminho da autocracia que vinha sendo trilhado por Bolsonaro”, mas, ainda assim, não é possível saber se isso representou um retorno definitivo à democracia ou mero desvio numa estrada que será retomada mais à frente.