Lula 3 difere dos Lulas 1 e 2, diz jornal
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Descrito há anos por apoiadores e adversários como “um animal político”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem deixado em segundo plano conversas com lideranças partidárias e personagens do mundo empresarial, setores com os quais mantinha contatos permanentes durante seus outros dois mandatos. Para antigos aliados, na prática, o petista está mais distante da política, e isso se reflete nas dificuldades que o governo está encontrando para arregimentar uma base sólida no Congresso Nacional.
Em um comportamento já visto durante a campanha eleitoral do ano passado, Lula, de acordo com auxiliares, tem escutado menos e adotado uma postura de maior isolamento, na comparação com suas outras passagens pelo Palácio do Planalto. No núcleo duro do governo, hoje, não há ministros ou auxiliares com liberdade para criticar o presidente, papel que nos primeiros mandatos era exercido por figuras como os ex-ministros José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Gushiken e Luiz Dulci e pelo ex-chefe de gabinete Gilberto Carvalho — contemporâneos do petista e cujas trajetórias se confundem com a de Lula.
Nas palavras de um parlamentar que tem relações com o atual presidente há mais de duas décadas, o “Lula 1 e 2, da conversa, simpático, que abraçava, desapareceu”. Antes, mesmo fora do Planalto, o petista nunca deixou a articulação política de lado. Ele foi a campo, por exemplo, para tentar evitar o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Em sua nova passagem pelo governo, o petista mudou hábitos. Hoje, evita jantares que avançam até a madrugada. Nos dois governos anteriores, ele ainda tinha uma rotina de almoços com líderes partidários, momentos em que, em meio a conversas informais, exercia o poder de persuasão. Para um auxiliar, diferentemente do passado, Lula até agora optou por exercer a Presidência no campo da institucionalidade.
O mundo empresarial também tem ficado distante do Planalto. Entre 2003 e 2010, o presidente costumava receber com frequência representantes dos setores financeiro, como Luiz Trabuco (Bradesco) e Emílio Botín (presidente mundial do Santander); industrial, caso de Jorge Gerdau; e do varejo, a exemplo de Abílio Diniz e Carlos Jeireissati; além de executivos de empresas instaladas no Brasil e do setor da construção civil.
Desses, apenas Abílio teve uma agenda com Lula, em fevereiro, no Planalto. Nem o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia, que nunca se afastou do petista, mesmo durante a sua prisão, tem vivido uma rotina de conversas com o presidente. Ele diz que passou os três primeiros meses do ano fora do país. Desde o começo do mandato, encontrou-se com Lula apenas na reunião do Conselho Econômico e Social (Conselhão) realizada na quinta-feira, em Brasília.
— Não tive a oportunidade de solicitar nenhum contato devido ao exíguo tempo em que estou aqui e ao meu trabalho em São Paulo e em Belo Horizonte. Mas fiquei com a melhor impressão ao encontrá-lo. Achei que ele está muito bem e superenergizado — afirmou o ex-ministro.
Hoje, Lula almoça praticamente todos os dias apenas com a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, no Planalto. Na ausência de ministros com liberdade para contestar as decisões, a grande influência sobre o presidente é, na avaliação de integrantes do governo, exercida por ela. Pessoas próximas a Janja, porém, relativizam o grau de ingerência e lembram que até agora a primeira-dama não conseguiu nem montar uma estrutura formal para a sua atuação no governo. Ela gostaria de comandar o Gabinete de Ações Estratégicas em Políticas Públicas, vinculado à Presidência. Janja não seria remunerada pela função.
De acordo com um integrante da equipe de articulação política, Lula não tem feito reuniões diretas com parlamentares porque hoje, aos 77 anos, não pode seguir uma rotina de trabalho tão intensa como a de 20 anos atrás. Ressalta ainda que a interação com o mundo político se dá com convites para que deputados e senadores o acompanhem nessas viagens, como aconteceu na visita à China.
Depois de o governo ser derrotado na Câmara na votação que derrubou pontos de um decreto sobre o marco do saneamento, o que evidenciou a necessidade de apaziguar as relações com o Congresso, Lula decidiu passar a fazer reuniões com presidentes e lideranças de partidos da base, como MDB, PSD, União Brasil e PSB. Até então, as conversas com nomes fora do PT vinham se dando quase exclusivamente com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Auxiliares alegam também que o presidente optou neste início de mandato por priorizar viagens ao exterior para tentar reconstruir a imagem do país e teve uma dedicação grande à reorganização de governo por causa da situação deixada por Jair Bolsonaro. Um outro argumento no entorno de Lula é que não se pode comparar a rotina do presidente no período de oito anos com a verificada agora em apenas quatro meses.