Mídia está de cabeça inchada com cassação de Dallagnol

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Foto: Brenno Carvalho/O Globo

Saiu a enésima coluna com chororô pós cassação de Dallagnol e perspectiva de cassação de Moro, os “golden boys” da extrema-direita. Coluna de o Globo compara debacle do lavajatismo à PEC que anistiou partidos justa e injustamente, mas uma coisa nada tem que ver com a outra. A Lava Jato forjou provas, violou direitos e serviu de tapete vermelho para pseudo juízes e procuradores entrarem na política. Confira, abaixo, o chororô global

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Se houvesse um censo para esse tipo de coisa, provavelmente se constataria um recorde de taças tilintando em Brasília logo após a cassação de Deltan Dallagnol. Sem contar as mensagens, ligações e memes entre autoridades se congratulando por extirpar da política o ex-procurador da Lava-Jato de Curitiba.

Em meio à celebração, houve quem disputasse o pioneirismo na luta contra a operação que, segundo seus críticos, “criminalizou a política” e deu asas ao bolsonarismo. Para os mais ambiciosos, cassar Dallagnol foi pouco. “Só comemoro mesmo quando expulsar o Moro”, me disse uma parruda autoridade da República.

Por mais insaciável que seja o desejo de vingança, porém, o “sistema” não tem do que reclamar. Nesta semana, mais um passo foi dado contra a “criminalização da política”. Foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados a anistia para todas as irregularidades nas prestações de contas dos partidos sobre o uso do fundo eleitoral.

De compra de toneladas de carne e reforma de piscina a recibo fraudulento de gráfica, passando pela aquisição de carros de luxo e aeronaves, todo “pecado” cometido com o dinheiro público será perdoado caso a emenda constitucional passe no plenário da Câmara. Ficarão liberadas também as legendas que não cumpriram as cotas para candidaturas de mulheres e de negros.

Todo o sistema político apoiou — do PT de Lula ao PL de Bolsonaro. Só PSOL, Rede e Novo foram contra. Não precisa ser especialista para saber que essa anistia torna a Justiça Eleitoral inútil, a menos que seja para cassar políticos como Dallagnol. Ainda assim, até agora não se ouviu no TSE nenhuma objeção.

Também não foi só em Brasília que o sistema encontrou motivos para celebrar. Na Petrobras, começou a deslanchar a mudança na política de preços dos combustíveis tão cobrada por Lula. A companhia informou que abandonará a paridade internacional para se tornar competitiva — o que na prática quer dizer que ela buscará uma forma de baixar os preços para ajudar o governo a controlar artificialmente a inflação.

Nos tempos de Dilma Rousseff, essa política provocou um rombo de cerca de R$ 120 bilhões na companhia — o equivalente a quase dois anos de Bolsa Família. Levou tempo para saneá-la, até que em 2022 ela devolveu mais de R$ 350 bilhões em tributos e dividendos ao governo.

Isso, contudo, não parece importar para o CEO, Jean Paul Prates, nem para o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Eles estão empenhados em voltar ao passado, da mesma forma que parecem decididos a fazer crer que o saque promovido na petroleira pelos mesmos partidos que hoje se digladiam por cargos e verbas do governo compõe alguma fake news a ser investigada por Alexandre de Moraes no STF.

Na tarefa, estão alinhados a gente como Emílio Odebrecht, que lançou um livro só para dizer que foi torturado e coagido pela Lava-Jato a confessar o pagamento de bilhões de reais em propina e caixa dois.

É o mesmo Emílio que ri à larga no vídeo de sua delação premiada, contando como avisou a Lula que seu pessoal tinha “boca de crocodilo”. E que tinha os cem melhores advogados do Brasil a sua disposição, mas só agora, com a volta de Lula ao poder, decidiu falar em tortura e coação.

Em Brasília, porém, ninguém acha isso estranho. Há até quem ostente indignação com a “injustiça” sofrida pelo pobre empreiteiro. “Coisa de pervertidos. Claramente se tratava de prática de tortura, usando o poder de Estado”, disse Gilmar Mendes outro dia no Supremo.

Como o decano do Supremo pode ser acusado de muita coisa, menos de ser bobo ou ingênuo, faz sentido, sim, imaginar que a punição a Dallagnol é só o começo. No voto pela condenação, o ministro do TSE Benedito Gonçalves sustentou que Dallagnol deveria ser punido por renunciar ao posto no Ministério Público para escapar de Processos Administrativos Disciplinares (PADs). Só que não havia PAD algum em curso quando Dallagnol renunciou.

Numa entrevista ao Estadão, o professor da Universidade de São Paulo Rafael Mafei — um crítico da Lava-Jato — diz que há “incongruências” na decisão do TSE e reconhece que “talvez, se o personagem fosse outro, o resultado seria diferente”.

Ninguém precisa ter simpatia por Dallagnol para entender o que essa constatação significa. Aliás, bem ao contrário. Criticava-se na Lava-Jato, e com razão, justamente aquilo que acontece agora com sinal trocado. Mas a História mostra que, na política brasileira, a lei do retorno costuma valer mais que a da ficha limpa. O mesmo poder que ontem cassou Dallagnol pode, amanhã, acabar com a festa do sistema. E aí ninguém poderá reclamar se não houver quem defenda as garantias que estão indo para o espaço.

O Globo