Negociador de Lula pressiona partidos por fidelidade
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Pressionado publicamente a desembaraçar a articulação política do governo após a primeira derrota sofrida no Congresso, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou que titulares de outras pastas, um deles citado nominalmente, serão cobrados a entregar os votos de que o Palácio do Planalto precisa no Legislativo. As reuniões com líderes e dirigentes partidários ocorrerão a partir desta quarta-feira, e parte delas deverá contar com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em paralelo, o Executivo iniciou uma nova fase da distribuições de espaços na máquina federal, além da liberação de emendas, com o intuito de cativar uma base fiel no Parlamento: 210 cargos de segundo e terceiro escalões serão entregues a indicados dos congressistas até a semana que vem.
Padilha veio a público após dias de intensa cobrança — o próprio Lula citou a necessidade de “organizar a base” — e recados, que partiram do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do vice da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP). O parlamentar de Alagoas lembrou as “dificuldades” que o ministro vem enfrentando. Já o integrante da sigla ligada à Igreja Universal ironizou a falta de “tempo” do responsável pela articulação política para lidar com a legenda.
O clima desfavorável ficou evidenciado na derrubada de trechos do decreto de Lula que revia o marco do saneamento legal, na última quarta-feira. PSD, União Brasil e MDB, partidos que indicaram três ministros cada, votaram em peso contra os interesses do Palácio do Planalto — dos 142 integrantes da bancada, apenas oito se alinharam ao governo.
— Certamente (os votos serão cobrados). Um dos temas da reunião é exatamente esse. Você tem, por exemplo, o ministro das Cidades (Jader Filho, do MDB), que é um dos autores do decreto do saneamento. A bancada do MDB votou contra. É o momento, inclusive, de o ministro, de a coordenação política, compreenderem quais foram os motivos. Isso vai ser feito num ambiente o mais tranquilo possível — disse Padilha, citando o MDB, legenda que deu apenas um voto para o governo em plenário.
O calendário de encontros com a base começará amanhã, com o PSB. Ainda não há uma definição se Lula participará de todas as reuniões, mas a expectativa é que esteja ao lado do vice Geraldo Alckmin e dos ministros da Justiça, Flávio Dino, e de Portos e Aeroportos, Márcio França, na cobrança aos pessebistas. Na semana que vem, será a vez do MDB, na segunda, e do União Brasil, na quarta. O PSD também está na lista, mas a data não foi fechada. Todos os partidos acumulam estresses na relação com o Planalto — no União, por exemplo, a trava à indicação de Elmar Nascimento (BA) ao Ministério da Integração Nacional deixou sequelas.
Em outra frente, um lote de 210 cargos de segundo e terceiro escalões serão direcionados para MDB, União e PSD na próxima semana — Republicanos e PP, que se dizem independentes, também devem ser contemplados. O número corresponde a aproximadamente metade dos 417 postos que o governo estima ter disponíveis em ministérios variados. Os cargos, que serão distribuídos até junho, se espalham por estatais com capilaridade e poder de execução de obras, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), além de outros órgãos, caso do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan).
Como O GLOBO mostrou no sábado, a liberação de R$ 3,2 bilhões em emendas parlamentares do Ministério da Saúde também integra esse esforço. Uma primeira leva, de metade desse valor, vai contemplar 180 parlamentares (120 deputados e 60 senadores). O Executivo vai priorizar emendas com menor valor para ampliar o número de atendidos já nessa primeira rodada. Na Câmara, os partidos com os quais o Planalto conta reúnem 283 deputados. Na Casa vizinha, onde a situação é vista como um pouco mais confortável, são 51 senadores.
A verba será usada na compra de equipamentos médicos, odontológicos e computadores, além de reformas e construção de unidades básicas de saúde. Estão no radar ainda novas levas de emendas que virão de três ministérios: Integração Nacional, Agricultura e Cidades.
Ministros também foram escalados para apaziguar os ânimos das bancadas que representam — Simone Tebet (Planejamento) e Renan Filho (Transportes), do MDB, e Juscelino Filho (Comunicações), do União Brasil, receberam o aviso na semana passada.
A movimentação ocorre em paralelo ao risco de novas derrotas no Congresso. Líderes avaliam, por exemplo, que a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), definida por medida provisória, será revertida. Da mesma forma, a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, também não deverá ter sucesso.
A Câmara se movimenta ainda para derrubar parte das restrições que o presidente impôs sobre a aquisição e o registro de armas de fogo. Até nomes da base têm agido para colocar o governo contra a parede. O líder do PSB na Casa, Felipe Carreras (PE), apresentou requerimento pedindo urgência para que um decreto de Lula seja derrubado. O deputado quer que a determinação do governo que exige visto para turistas de Japão, Austrália, Canadá e Estados Unidos não tenha mais validade.
Ontem, o ministro da Defesa, José Múcio, defendeu o colega responsável pela articulação política e minimizou o cenário turbulento diante de Câmara e Senado:
— Alexandre Padilha está à frente disso e não há pessoa mais capacitada. Talvez faltem algumas conversas, mas Lula e o ministro darão conta.
Na mira até de aliados, Padilha buscou demonstrar ontem que considera as críticas consequências naturais do cargo:
— Estou acostumado com as tarefas desse cargo, não sou marinheiro de primeira viagem. Sei que é um cargo sobre o qual as pessoas discutem o tempo todo e temos tranquilidade para seguir as prioridades estabelecidas.