Novas denúncias inviabilizam Michelle na política
Foto: Jorge William/Infoglobo
Conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) revelaram trocas de mensagens entre o ex-ajudante de ordens da Presidência de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e duas assessoras de Michelle Bolsonaro que apontam a existência de uma orientação para o pagamento em dinheiro em espécie das despesas da ex-primeira-dama. De acordo com a transcrição dos áudios de WhatsApp que constam na intercepção obtida pelo portal UOL, Cid demonstrava preocupação de que o mecanismo fosse descoberto.
Para ele, os gastos em dinheiro vivo poderiam vir à tona e serem interpretados como um esquema de rachadinha, a exemplo da investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no Ministério Público do Rio de Janeiro quando deputado estadual. “É a mesma coisa do Flávio”, disse Cid, preso no último dia 3 por suspeitas de fraude em cartões de vacinação, sobre os desembolsos em espécie, em áudio para a assessora Giselle dos Santos Carneiro, que trabalhava com a ex-primeira-dama.
Ainda há suspeitas de que Cid tenha usado verba pública do Palácio do Planalto para os pagamentos “de maneira ilegal”, com “saques em espécie” e depósitos em dinheiro vivo feitos “de maneira fracionada”, uma maneira de dificultar a origem das quantias. Veja, abaixo, tudo o que já se sabe sobre o caso envolvendo a ex-primeira dama
A PF apurou que Michelle usava um cartão de crédito vinculado à conta de Rosimary Cardoso Cordeiro, assessora parlamentar no Senado e amiga de longa data da ex-primeira-dama — ambas trabalharam como assessoras de deputados na Câmara. Cid pagava a fatura do cartão em dinheiro vivo, em uma agência do Banco do Brasil dentro do Palácio do Planalto.
Nos áudios, as assessoras de Michelle, Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, conversam com Cid sobre o pagamento das despesas. As duas afirmam que tentam convencê-la a parar de usar o cartão de crédito da amiga.
Giselle conta a Mauro Cid ter conversado com uma pessoa próxima a Michelle — Adriana —, e que a ex-primeira-dama ficou “pensativa”, mas que continuaria a usar o cartão de Rosimary. Mauro Cid responde o áudio de Giselle e cita o nome de Flávio Bolsonaro: “Giselle, mas ainda não é o ideal isso não tá? (o uso do cartão de Rosimary). O Cordeiro conversou com ela (Michelle), tá, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas”, respondeu.
Como publicou a colunista do GLOBO Bela Megale, a PF identificou indícios de que Mauro Cid teria usado verba pública do Palácio do Planalto “de maneira ilegal”, com “saques em espécie” e depósitos em dinheiro vivo feitos “de maneira fracionada”, o que configuraria uma possível prática de “rachadinha”.
“Ressalta, porém, que dos dados analisados, é possível identificar indícios do ‘uso do suprimento de maneira ilegal com saques em espécie dos recursos e depósitos em espécie, de maneira fracionada, fato que dificulta a identificação dos responsáveis pelas transferências’, não havendo evidência de que as pessoas beneficiárias dos pagamentos possuem relação com a Presidência da República que justifique tais recebimentos de recursos possivelmente públicos”, diz o relatório policial.
A troca de áudios demonstra também que o esquema evitava transferências bancárias e efetuava pagamentos sempre em espécie. Em um áudio de Giselle a uma pessoa identificada como Vanderlei, a assessora comenta sobre a necessidade de fazer os pagamentos “em depósito”:
“Boa noite, Vand e Cintía. PD (Primeira-dama) falou, eu perguntei para ela se ela queria transferir Pix, né? Tanto para Bia. Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito. Só que ela não falou como conseguiu o dinheiro, se o dinheiro está com ela, se a gente pega na AJO. Não falou, tá? Ela falou que assim não fica registrado nada, vamos fazer depósito. Então a gente tem que começar a ter esse hábito do depósito, então né?”, disse Giselle.
Em janeiro, reportagem do portal Metrópoles já apontava o ex-ajudante como o responsável por pagar as contas do clã presidencial em dinheiro vivo, e a tentativa de apurar se Cid operava uma espécie de “caixa paralelo” por meio de saques de recursos dos cartões corporativos. À época, o esquema foi negado por Bolsonaro.
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, defendeu descartar áudios e quebras de sigilo bancário na investigação que apura pagamentos em espécie de despesas de Michelle. Na manifestação, Lindôra ainda solicitou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a retirada desse material compartilhado com outros dois inquéritos e o arquivamento do caso.
Essas provas foram coletadas pela Polícia Federal com autorização judicial para apurar se houve irregularidades nas transações realizadas por ajudantes de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Lindôra é braço-direito do procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado para a função por Bolsonaro, e é tida como uma das integrantes da PGR mais alinhadas ao ex-presidente.
De acordo com reportagem do portal UOL, a PF aponta que a hipótese de desvios de recursos da Presidência foi reforçada com a identificação de pagamentos de boletos para um irmão da ex-primeira-dama. Em 1º de setembro de 2021, uma das assessoras envia a Cid um boleto do plano de saúde do irmão de Michelle.
O ajudante de ordens realizou o pagamento com recursos da conta bancária de Jair Bolsonaro. No fim daquele mesmo mês, entretanto, a assessora de Michelle novamente pediu o pagamento do boleto do plano de saúde do irmão, mas desta vez Cid respondeu, segundo UOL, com irritação e disse que aquela despesa não poderia ser feita pela Ajudância de Ordens.
Em resposta ao portal Uol, a defesa de Mauro Cid disse que só vai se manifestar sobre o caso nos autos do processo. Fabio Wajngarten, que tem respondido sobre casos envolvendo Bolsonaro nas últimas semanas, rebateu a publicação afirmando que “os pagamentos de fornecedores informais, pequenos prestadores de serviços, eram feitos em dinheiro a fim de proteger dados do presidente”.
“Seria bom e justo incluir na matéria os valores encontrados. Seria bom também a matéria dizer como dados não relacionados ao que resultou na quebra telemática dos envolvidos foram publicitados. Não há nada de ilegal nas transações efetuadas”, pontuou Wajngarten.