PL das fake news não abrange pequenas redes
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Uma mudança apontada como necessária no projeto de lei das Fake News, reconhecida pelo próprio relator, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), é a linha de corte sobre o número total de usuários de cada plataforma digital que será submetida à regulamentação.
O texto em trâmite na Câmara dos Deputados diz que a aplicação da “proposta legislativa incide apenas sobre provedores que ofertem serviços ao público brasileiro e exerçam atividade de forma organizada, cujo número de usuários registrados no país seja superior a dez milhões”.
Isso automaticamente deixa de fora do escopo da lei plataformas menores onde o extremismo e o discurso de ódio normalmente criam raízes e conquistam novas adeptos. Um exemplo é o Discord, rede social criada em 2015 e voltada sobretudo para gamers que passou a ser usada – no Brasil e em outros países – para promover crimes que vão da exploração sexual à apologia do nazismo.
Atentados supremacistas realizados recentemente, como em uma sinagoga na Alemanha em 2019 (com dois mortos), e outro nos Estados Unidos no ano passado contra afrodescendentes (em Buffalo, com dez mortos), tiveram alguma ligação, seja na preparação ou na divulgação dos crimes, com a plataforma.
O Brasil tem o segundo mercado global do Discord (foram mais de 19 milhões de visitantes em abril), atrás apenas do mercado americano, que registrou no mesmo período mais de 228 milhões de visitas. O número de usuários brasileiros ativos, contudo, é estimado em 3 milhões, o que deixaria o Discord de fora da regulamentação prevista no projeto das Fake News.
“Há outras pequenas, como a brasileira Rocket Chat, que vem sendo usada por extremistas do Estado Islâmico e da Al-Qaeda”, conta Michele Prado, pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), citando outro caso de plataforma que não seria abarcada pela redação atual do projeto.
Nesses redes, a moderação dos servidores privados cabe aos próprios administradores, o que dificulta o cumprimento dos protocolos de segurança.
Orlando Silva já admitiu que a linha de corte do projeto deve ser alterada, mas que isso seria discutido com os demais líderes partidários da Câmara.
Uma das legislações citadas como exemplo para a regulamentação brasileira é a alemã, de 2017, válida para plataformas que tenham pelo menos 2 milhões de usuários.
“Esse é um dos problemas do projeto de lei”, afirma Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP. “Seria preciso de um dispositivo para incluir as novas plataformas e contemplar os primeiros usuários antes dessas plataformas se tornarem hegemônicas”.
O debate, ressalta Michele Prado, não deve se restringir apenas ao papel das “big techs”, que “não são as únicas culpadas”. “O projeto vai ajudar, mas há várias lacunas nesse processo todo. As grandes plataformas não vão conseguir cobrir tudo. Existia até agora um total descaso das autoridades públicas em relação ao tema”, completa Prado.
Parte desse problema só será resolvido com a capacitação das forças de segurança para enfrentar o extremismo online e com a criação de um banco de dados, por exemplo, para facilitar o monitoramento dos casos.