Rebelião da base pode causar sérios danos ao país
Foto: Brenno Carvalho/ Agência O Globo
Em mais uma noite conturbada para o governo na Câmara, o que tem se tornado rotina nesses cinco meses de gestão Lula 3, o Palácio do Planalto sofreu uma derrota objetiva ao ver o projeto que estabelece o marco temporal para as terras indígenas ser aprovado e viu no ar sinais de novas complicações. Deputados não analisaram o relatório elaborado a partir da Medida Provisória (MP) dos Ministérios — o texto é válido só até quinta-feira, e caso o silêncio persista, restará a Lula governar com a organização da Esplanada deixada por Jair Bolsonaro. Eram 14 pastas a menos, por exemplo, com atribuições distintas e estruturas que sequer existiam, como o Ministério dos Povos Indígenas. O Planalto agora corre contra o tempo para conter os danos e evitar aquela que pode ser a maior derrota até o momento.
No caso do marco temporal, o revés já era esperado, ainda que o posicionamento de partidos com cargos relevantes no primeiro escalão sempre provoque impacto. O texto teve o aval de 283 votos, enquanto 155 foram contrários. MDB, PSD e União Brasil, legendas que indicaram três ministros, cada, deram 95 votos de apoio ao projeto. Apenas 18 deputados dessas siglas se posicionaram como queria o governo. Isso significa que, entre os parlamentares das três legendas que compareceram, 84% ignoraram o Planalto. Já o PT entregou apoio total: os 65 deputados que foram à sessão votaram contra a proposta.
O que não foi votado é que causa maior preocupação, no entanto. Após a aprovação em comissão mista, na semana passada, do parecer da MP dos Ministérios, o governo emitiu sinais dúbios. Primeiro, deu aval ao relatório do deputado governista Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que esvaziou pastas como a do Meio Ambiente, de Marina Silva, ao deslocar atribuições para os ministérios da Gestão (Cadastro Ambiental Rural) e da Integração Nacional (Agência Nacional de Águas).
Com a repercussão, os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) foram a público defender a retomada do “conceito original” da MP, ainda que deixando uma porta aberta ao dizer que o texto mantinha a viabilidade da gestão. Depois, como mostrou O GLOBO, o relator não foi procurado para tratar de mudanças. Na manhã de terça, Padilha mudou o discurso oficial e disse que o governo havia desistido de propor alterações e trabalharia pela manutenção do texto.
A alteração de tom pode ser explicada pelo clima desfavorável na Câmara. Deputados de oposição ventilavam até a ideia de derrotar o texto, o que faria Lula governar sob o modelo Bolsonaro. Outra ala levantava a hipótese de promover novas mudanças que descaracterizariam ainda mais o desenho original da Esplanada.
Ao chegar à Câmara para a votação, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deu dois alertas ao tratar do assunto: não havia participado da articulação — ausência que, hoje, dificulta o avanço de qualquer projeto; e existia a chance de vários destaques serem votados, ou seja, possibilidades de alterações.
— A MP da reestruturação tem que ser votada (na Câmara). Se vai ser aprovada, emendada, modificada, é no plenário.A MP deve ter muitos destaques, pelo que eu acho, mas não participei diretamente da articulação. Isso tá muito a cargo da liderança do governo no Congresso — disse Lira.
O resultado de terça à noite engrossa a lista de reveses de Lula no Congresso. No início do mês, no primeiro alerta sobre a instabilidade da base, a Câmara derrubou trechos de um decreto presidencial que mudava o marco do saneamento. A medida pretendida pelo petista irritou parlamentares de diferentes partidos, pois mexia em itens que haviam sido aprovados no Congresso.