Saúde segue demitindo militares
Foto: Reprodução
O Ministério da Saúde vai exonerar mais um coronel ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro que mantinha cargos em uma estatal da pasta no governo Lula. George da Silva Divério, um dos personagens mais controversos da gestão Eduardo Pazuello, deixará nos próximos dias a presidência do conselho fiscal da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás).
A informação foi confirmada à equipe da coluna pelo próprio ministério, que não soube especificar uma data para a exoneração porque a indicação de um substituto ainda depende de trâmites dentro da própria Hemobrás e também da Casa Civil de Rui Costa.
Divério é a segunda baixa no colegiado da Hemobrás. O primeiro a ser limado foi o coronel da reserva Elcio Franco, que foi secretário-executivo de Pazuello no Ministério da Saúde e se tornou pivô de conversas golpistas com o ex-major do Exército Ailton Barros, amigo próximo de Jair Bolsonaro, reveladas pela CNN Brasil na última segunda-feira (8).
A assessoria de imprensa do ministério admite que as exonerações foram aceleradas pela divulgação dos áudios.
Nas gravações, Elcio Franco e o ex-major Ailton Barros discutem a suposta resistência do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, em apoiar uma ruptura institucional, e ainda tramam um plano para substituí-lo, mobilizando 1.500 homens do Batalhão de Operações Especiais para uma intentona golpista que impedisse a posse de Lula.
O episódio veio à tona quase uma semana após a Operação Venire, que prendeu Barros, Mauro Cid e outras quatro pessoas acusadas de fraudarem comprovantes de vacinação contra a Covid-19 – incluindo o do ex-presidente Bolsonaro.
Divério, inclusive, reproduziu em seu LinkedIn na última quarta-feira (10) uma charge que retrata ministros do STF, em destaque Alexandre de Moraes, agredindo a estátua da deusa Têmis, monumento que representa a Justiça posicionado na Praça dos Três Poderes.
Franco e Divério já faziam parte do conselho fiscal da Hemobrás desde novembro de 2020, e foram reconduzidos ao conselho fiscal em novembro, mesmo após a derrota de Bolsonaro para Lula no segundo turno da eleição de 2022. No cargo, ganhavam um jeton de R$ 3 mil por mês, além de uma aposentadoria de R$ 28,9 mil como coronéis da reserva.
Além do vínculo com Bolsonaro e Pazuello, que atualmente é deputado federal pelo PL do Rio, pesava contra sua permanência no governo um histórico de irregularidades cometidas no governo anterior.
Ele já havia sido inclusive demitido da superintendência do Ministério da Saúde no Rio em maio de 2021, depois que veio à tona que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigava despesas sem licitação realizadas em sua gestão.
Os contratos, que totalizavam R$ 28,8 milhões, foram publicadas no Diário Oficial durante a pandemia, em novembro de 2020, pouco depois de Divério declarar publicamente que não havia recursos para a abertura de leitos emergenciais no estado por conta da Covid-19. Uma das contratações, de R$ 19,9 milhões, era para a reforma da sede do ministério no Rio de Janeiro.
A obra no prédio de 12 andares na região central da capital fluminense seria tocada por uma pequena empresa cuja experiência prévia com a União se limitava a serviços em uma fábrica de explosivos do Exército que, na ocasião, era comandada pelo próprio Divério.
Já o segundo serviço, uma reforma de galpões destinados ao arquivo da superintendência e orçado em R$ 8,9 milhões, seria feito por uma empresa envolvida em escândalos na execução de contratos da Aeronáutica.
Os contratos assinados por Divério acabaram suspensos pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Com a demissão, o então ministro Queiroga, que vivia uma tensão interna com subordinados remanescentes da era Pazuello, diminuiu a pressão sobre o Ministério da Saúde na ocasião – mas manteve o coronel da reserva na Hemobrás.
Por causa do enrosco, a cúpula da CPI da Covid chegou a convocar Divério para depor sobre o caos na rede federal de saúde no Rio, à época sob forte influência do senador Flávio Bolsonaro.
O depoimento, no entanto, jamais ocorreu após uma reorganização de estratégias do chamado “G7”, o núcleo duro da comissão, que passou a se concentrar na condução da pandemia a nível nacional.
Um grupo de trabalho da comissão chegou a responsabilizar Divério, outro ex-superintendente da pasta no Rio, Jonas Roza, e o então coordenador-geral dos hospitais federais fluminenses, Cláudio Lamberti, pelo caos na saúde do Rio.
Ainda assim, nem Divério nem os demais foram incluídos no relatório final do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL). Seu colega de Hemobrás, Elcio Franco, até foi citado no documento, mas nunca foi indiciado pela Justiça e terminou os dias no governo Bolsonaro como assessor da Casa Civil.
Ao que tudo indica, não fosse a divulgação das conversas entre Franco e o ex-major Ailton Barros, os dois coronéis da reserva ainda gozariam de mais algum tempo na rebarba remunerada da Hemobrás.