Será que desculpas de Bolsonaro colam?

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Foto: Evaristo Sá/AFP; Reprodução; Montagem

Nesta terça, Jair Bolsonaro depõe sobre a fraude do registro de vacinas. Bem, entendo que, ao menos, isto se pode dar como inequívoco, não? Violou-se o sistema. Restará ao ex-presidente dizer que não tem nada com isso, transferindo as responsabilidades para o coronel Mauro Cid, seu ex-faz-tudo. Consta que ficou treinando com advogados as possíveis respostas? Mas quais? Imagino uma: “Ah, todos sabiam que eu não iria tomar a vacina; não teria razões para mandar adulterar coisa nenhuma; sei lá por que meu ordenança fez aquelas coisas…” E aí, vocês acham que cola? Dada a versão que estão oferecendo para as práticas, vamos dizer, heterodoxas envolvendo dinheiro, estamos diante do roteiro de uma novela escrita, assim, a quatro mãos por duas Glórias: a Perez e a Magadan. Distintas no tempo, digamos que ambas não têm lá grande compromisso com a verossimilhança. A cadeia de fatos que apresentam não resiste a algumas perguntas elementares que a lógica faria.

Os defensores de Bolsonaro já antecipam que ele teria movimentado, em dinheiro vivo, R$ 644 mil ao longo de quatro anos. A Ajudância de Ordens — Mauro Cid e seus sargentos — teriam sacado essa grana da sua conta para pagar determinados gastos e não expor o presidente. Seria por motivo de segurança. “Essa maneira de atuação perdurou durante todo o governo. Havia uma contínua preocupação com fraude na conta do presidente, com depósitos escusos, para protegê-lo de fraudes bancárias”, afirma Fabio Wajngarten, assessor do ex-presidente. Mas, então, que sentido têm o diálogo de Mauro Cid com uma assessora de Michelle, preocupado, justamente, com a movimentação em dinheiro na conta da então primeira-dama? Ele próprio chega a falar que pode remeter à “rachadinha”. Explica-se: a mulher do presidente usava um cartão de crédito de uma amiga, Rosimary Cordeiro, que trabalhava para um senador. Wajngarten explica assim a dinheirama viva empregada pela Ajudância: “Havendo CNPJ, eram pagos os boletos diretamente, saídos da conta do presidente. [Já] Uma compra de pizza, uma compra na farmácia, uma prestação de serviço pequena… era pago em dinheiro para que não se expusesse o tomador do serviço. Além disso, temos o problema de proteção e segurança, em caso de compras, pequenas compras, para proteger para qualquer tipo de ataque, envenenamento”… Vamos lá. Ainda que se quebre o sigilo bancário de Bolsonaro — e me parece que isso se torna, agora, obrigatório — e que se achem registros dos R$ 644 mil sacados, nada evidencia que só foi aquele o dinheiro movimentado pela Ajudância, não é? Digamos que se quisesse evitar o envenenamento da pizza, pergunte-se: quando eram os auxiliares de Mauro Cid a enviar dinheiro vivo para uma tia de Michelle, ainda era por motivo de segurança? E o cheque saído da conta do coronel para a da primeira-dama? E como explicar que Michelle usasse o cartão de Rosimary — que recebia a grana de Mauro Cid e da sua turma? Segundo os advogados, ela recorria a tal expediente desde 2011 porque não possuía renda própria e, vejam que coisa!, não tinha acesso a crédito bancário. Só se libertou em 2021, tendo o seu próprio cartão. Faz dois anos apenas que ela teve essa sensação adulta de independência. Mas por que ela não tinha ao menos o segundo cartão da conta de Bolsonaro? Wajngarten dá uma explicação: o marido de Michelle seria muito “pão-duro”. Entendi. O assessor anuncia: “A defesa apresentará todo o mês a mês desse reembolso (da primeira-dama à amiga). Esse cartão permaneceu vigente até agosto de 2021, quando o banco ofereceu um cartão a ela e ela não mais precisava desse cartão adicional. Não há confusão de saques. Não há cruzamento de saques. 100% do custo de vida da família do presidente Bolsonaro saiu da conta pessoal do presidente” Bem, se eles mesmos anunciam que houve saque em dinheiro de R$ 644 mil da conta de Bolsonaro, uma quebra de sigilo ou apresentação voluntária de extratos deve prová-lo, não é? Mas isso não implica, necessariamente, que esse seja o total de dinheiro movimentado.

E sim: Bolsonaro mantém uma conta do exterior. Advogados e assessor confirmam. Dizem que o então presidente enviou para US$ 135 mil para uma conta no BB Americas, filial do Banco do Brasil nos Estados Unidos. A grana estaria numa conta-poupança no Brasil e teria sido aberta, em dólares, em dezembro de 2022. Por que isso? Aí é Paulo Bueno, um de seus advogados, que explica: “Essa transferência aconteceu da conta do presidente via Banco Central para uma conta também identificada em nome do presidente nos EUA porque ele acredita que o atual governo não vai conduzir bem a economia. Todo o dinheiro teve trânsito no Banco Central”. Eita! Não deu sorte o homem! Comprou dólar quando estava no poder: a cotação, em dezembro, ficou entre R$ 5,20 e R$ 5,30. Ontem, a moeda norte americana fechou a R$ 4,88, o menor valor desde 7 de junho. Pois é… Se o Mito derrotado tivesse esperado o novo governo, teria comprado mais dólares com a mesma quantidade de reais, né? Bolsonaro foi confiar em Bolsonaro e desconfiar de Lula. Acabou perdendo dinheiro.

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