Universidade estadual do Rio deu R$ 2 mi a bolsonaristas

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Foto: Arte/UOL

A Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) pagou ao menos R$ 2,4 milhões a aliados dos líderes do PL, partido de Jair Bolsonaro, na Câmara e no Senado, e a um dos principais assessores de Carlos Bolsonaro (Republicanos) na Câmara do Rio. As contratações em projetos de pesquisa com folhas de pagamento secretas se concentraram às vésperas da campanha eleitoral de 2022. O UOL identificou nas folhas de pagamento sem transparência de projetos da Uerj ao menos 20 aliados de Altineu Côrtes, líder do PL na Câmara. Entre eles, estão um vendedor de churrasquinho e uma acusada de praticar “rachadinha” que fizeram campanha para Côrtes. Quinto deputado mais votado do RJ em 2022 (167.512 votos), ele tem estado na linha de frente da defesa de Bolsonaro em meio às recentes investigações.

Carlos Portinho, líder do PL no Senado, teve a mãe e um assessor de gabinete empregados pela universidade. Ele era suplente e assumiu o mandato em 2020 após a morte de Arolde de Oliveira. Rogério Cupti de Medeiros Júnior, assessor do vereador Carlos Bolsonaro desde 2021, e uma tia dele também apareceram nas planilhas de pagamento secretas da Uerj. Cupti desenvolveu o app Bolsonaro TV, que reúne postagens do ex-presidente. Contratações às vésperas das eleições com dinheiro do RJ e do governo federal. Os dados, sob sigilo, aos quais o UOL teve acesso, mostram que os pagamentos aos apadrinhados dos bolsonaristas ocorreram em 2021 e 2022, mas se concentraram no primeiro semestre do ano passado, véspera da campanha eleitoral. Eles foram contratados como bolsistas em dois projetos —um de inovação em escolas públicas e outro de educação profissional— realizados com recursos estaduais e federais transferidos a partir de órgãos do governo Cláudio Castro (PL). Procurada, a Uerj disse que “vem apurando rigorosamente todas as denúncias apresentadas de supostas irregularidades”. Assessores de Côrtes, Portinho e Carlos Bolsonaro negam que eles tenham tido influência nas contratações.

Com salário de R$ 14 mil, Rogério Cupti é considerado um dos principais assessores de Carlos Bolsonaro e já advogou para o vereador em ações na Justiça. Em um dos debates da TV Globo, no ano passado, ele acompanhou Jair Bolsonaro e Carlos, segundo reportagem do jornal O Globo. Rogério Cupti ganhou da Uerj R$ 87,4 mil brutos entre julho e novembro de 2022 —na maior parte dos meses recebeu R$ 13 mil— de um projeto de educação profissional. A tia dele Márcia Toffano Mattos recebeu R$ 91 mil nos mesmos período e programa. Por telefone, Cupti não quis dizer que serviço ele e a tia prestaram, afirmando que isso teria que ser esclarecido “pela gestão [da Uerj]”. Respeito seu trabalho como jornalista, mas não vou me pronunciar. Fique com Deus.Rogério Cupti ao ser questionado sobre o serviço prestado à Uerj Dias depois, o UOL questionou Carlos Bolsonaro, por meio do e-mail do gabinete dele, sobre possível ingerência na contratação de Cupti pela Uerj. A resposta foi dada pelo próprio assessor via WhatsApp. “O meu chefe nada tem [a ver] com trabalhos que realizo fora do gabinete e nenhum trabalho atrapalha o meu no meu gabinete […] A bolsa que recebi está declarada no meu Imposto de Renda. O senhor quer meu extrato bancário?”, disse o assessor.

O UOL localizou nas folhas de pagamentos da Uerj 20 aliados do deputado federal Altineu Côrtes. Eles receberam ao menos R$ 2 milhões do projeto ECO (Escola Criativa e de Oportunidades). Entre os contratados, está o ex-vereador de São Pedro D’Aldeia (RJ), na Região dos Lagos, Ediel Teles dos Santos, conhecido como Ediel do Espetinho. Famoso pelo churrasquinho que vende em uma praça da cidade e em municípios vizinhos, Ediel divulgou eventos de apoio a Côrtes em suas redes sociais. Segundo a Uerj, os aliados do líder do PL na Câmara atuaram em “gestão estratégica, voltada para atividades de melhoria e qualificação dos processos de gestão desenvolvidos na Secretaria Estadual de Educação”. Apesar de não demonstrar qualquer experiência nessa área, Ediel recebeu R$ 94,3 mil brutos entre janeiro e outubro de 2022. Procurado pelo UOL em sua casa, Ediel se surpreendeu quando questionado sobre os serviços prestados. Ele respondeu que tinha que resolver algo dentro da residência, fechou a porta e não apareceu mais. Pelas regras do projeto, que consumiu com pagamento de pessoal mais de R$ 100 milhões entre o início de 2021 e agosto de 2022, os contratados não eram obrigados a cumprir carga horária. A origem desse dinheiro é o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), cujos recursos vêm dos âmbitos municipal, estadual e federal. Em nota, Altineu Côrtes afastou qualquer ingerência nas contratações. O deputado disse que “não fará considerações acerca de ‘coincidências’, já que os critérios para as contratações foram estabelecidos pela Uerj”. Por sua vez, a universidade falou que “a seleção é feita por análise de currículo e entrevistas (…). As atividades realizadas são detalhadas em relatórios, além de atestadas pelos coordenadores, em documentação analisada pelos órgãos de controle interno.”

Shirlei Aparecida Martins Silva ganhou da Uerj R$ 84.815 entre agosto de 2021 e fevereiro de 2022. Ela é outra bolsista que participou de atos de apoio a Côrtes na Região dos Lagos. Shirlei e Ediel atuaram juntos pela eleição do deputado federal. O UOL apurou que ela coordenou a captação de votos para o bolsonarista na região, apesar de nem ela nem Ediel constarem na prestação de contas de campanha do líder do PL. Em 2018, Shirlei chegou a ser presa na Operação Furna da Onça, do MPF (Ministério Público Federal), por suspeita de participar de um esquema de “rachadinha” envolvendo o então deputado Edson Albertassi. “Na qualidade de chefe de gabinete de Albertassi, era a responsável por receber o dinheiro proveniente da suposta corrupção, além de ocultar e dissimular a origem da verba espúria”, disse o MPF à época. Shirlei alega inocência. A defesa dela afirmou que a bolsista não contou com indicação política para ser bolsista da Uerj, mas com suas “credenciais de assistente social e professora aposentada”. “Sobre participação em redes sociais em campanhas políticas, nas últimas eleições, praticamente todos os brasileiros se manifestaram nas redes sobre suas posições, e não receberam por isso, assim como ela”, afirmou a defesa da cabo eleitoral.

Outro aliado de Altineu Côrtes contratado pela Uerj foi o tesoureiro de campanha dele. Laércio Tavares de Andrade ganhou R$ 192 mil da universidade entre agosto de 2021 e dezembro de 2022. Procurado pelo UOL, Andrade disse que a Uerj era quem deveria esclarecer que serviços ele prestou. Côrtes disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que Andrade saiu do projeto enquanto trabalhou na campanha, “não havendo conflito de interesses”. Um grupo ligado a Altineu Côrtes na Uerj foi formado por ex-assessores de um dos principais aliados dele. Primeiro suplente do senador Romário (PL), Bruno Bonetti é atualmente funcionário do gabinete da liderança do PL na Câmara.

Ao menos cinco pessoas que trabalharam com Bonetti em 2021 na RioLuz, empresa de iluminação da Prefeitura do Rio, ganharam bolsas da Uerj. Entre elas, está a ex-chefe de gabinete da RioLuz Suely Marina Rocha, que recebeu no projeto ECO R$ 397,6 mil entre outubro de 2021 e dezembro de 2022. O UOL não conseguiu contato com Suely. Bonetti também tem um primo que foi bolsista: Julio Bierrenbach ganhou R$ 57,9 mil. O funcionário do gabinete do PL alegou que o parente trabalhou na área de gestão de documentos.

A mãe do líder do PL no Senado, Ângela Maria Teixeira de Mello, recebeu do mesmo projeto, o ECO, R$ 90 mil entre fevereiro e julho de 2022. Ela negou ter sido indicada pelo filho, alegando ter uma história bem anterior no serviço público. Ângela, que disse ser produtora rural, afirmou ter trabalhado para a Uerj em escolas da Região Serrana do RJ na implementação de hortas. A mãe de Carlos Portinho enviou ao UOL fotos do serviço. “Vale destacar também que as despesas com meu carro próprio, hospedagem e alimentação estavam todas incluídas na minha remuneração sem qualquer reembolso”, disse ela.

Além da mãe, o líder do PL no Senado tem um assessor de gabinete que foi bolsista na Uerj. Jeremias de Jesus Santos, que também é coordenador da Juventude do PL no estado do RJ, recebeu R$ 102,9 mil entre outubro de 2021 e julho de 2022. O UOL levantou que, enquanto foi bolsista, Santos participou de ao menos 21 agendas políticas, entre elas, com Carlos Portinho. Por WhatsApp, Santos disse que seu serviço para a Uerj foi participar de um projeto de gestão de música em escolas públicas, já que é “maestro de coros musicais na igreja”. Ao ser questionado em quais escolas atuou, ele não respondeu. Disse que, por não ter vínculo empregatício com a universidade, preferiu sair. Portinho afirmou, por sua vez, que não tinha conhecimento do serviço do assessor na Uerj. “A assessoria do senador Carlos Portinho informa que o parlamentar não teve nenhuma influência nestas indicações e que só é responsável por contratar profissionais para atuar no seu gabinete.” Além do assessor de Carlos Bolsonaro e de aliados da cúpula do PL, o UOL já mostrou que a universidade abrigou cabos eleitorais de outros quatro políticos do partido no RJ: o senador Romário, a deputada federal Soraya Santos e os deputados estaduais Rodrigo Bacellar e Dr. Serginho. Ao todo, a universidade gastou entre janeiro de 2021 e agosto de 2022 mais de R$ 350 milhões em projetos cujas folhas de pagamento não têm transparência. Há investigações em andamento do Tribunal de Contas do Estado, do Ministério Público do Rio e da Procuradoria Regional Eleitoral, deflagradas após reportagens do UOL.

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