Entenda como junho de 2013 afundou o Brasil
Foto: Fabio Braga – 17.jun.2013/Folhapress
Com marcas deixadas até hoje na política brasileira, as Jornadas de Junho de 2013 foram iniciadas a partir de manifestações contrárias ao aumento das tarifas de transporte público, mas que se transformaram em uma revolta generalizada —contra a corrupção, os gastos com a Copa do Mundo de 2014 e a falta de serviços públicos, dentre outros temas.
Os primeiros atos que evidenciaram a insatisfação tiveram início ainda no ano anterior, com os progressivos aumentos dos preços das passagens em capitais do Brasil como Natal, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Eles ganharam volume e mobilizaram a classe política em junho de 2013 —sendo alavancados após casos de violência policial contra manifestantes.
Os protestos abriram espaço para outros movimentos do cenário político nacional, como a Operação Lava Jato, a queda da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, a polarização acentuada e a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.
Relembre dez dos principais fatos que marcaram as jornadas de Junho de 2013:
VEJA OS PRINCIPAIS FATOS DAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013
Aumento das tarifas e ‘Revolta do Busão’ – ago.12 a mai.13
20 centavos, Passe Livre e black blocs – 6.jun.13
Violência policial – 13.jun.13
Não vai ter Copa? – 15.jun.13
No teto do Congresso – 17.jun.13
Revogação dos aumentos – 19.jun.13
O gigante acordou – 20.jun.13
Pronunciamento de Dilma – 21.jun.13
Pactos nacionais e propostas – 24.jun.13
Brasil campeão, movimentos com menos fôlego – 30.jun.13
Em 2012, a primeira capital com protestos marcantes depois do aumento das tarifas de ônibus foi Natal. O movimento “Revolta do Busão” articulou manifestações após a alta de R$ 2,20 para R$ 2,40, e houve a revogação do reajuste pelos vereadores.
O Rio de Janeiro tentou em 2012 elevar a passagem de R$ 2,75 para R$ 3, levando à criação do “Fórum de Lutas contra o Aumento das Passagens”. Sob pressão, o então prefeito Eduardo Paes (hoje no PSD) adiou o aumento.
Outras capitais registraram movimentos contrários ao reajuste das tarifas, como Porto Alegre, com atos após um aumento de R$ 2,85 para R$ 3,05, e Goiânia, com a criação da “Frente Contra o Aumento”, que marcou protestos contra a alta de R$ 2,70 para R$ 3.
Inspirados em Porto Alegre, o Movimento Passe Livre, criado em 2005, convoca manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público paulistano de R$ 3 para R$ 3,20.
O grupo reuniu inicialmente cerca de 2.000 manifestantes na região central. Uma das marcas foi a presença no meio dos protestos de black blocs, manifestantes com máscaras, roupas escuras e adeptos de táticas de vandalismo.
Na noite de 11 de junho, durante um dos atos em SP, um PM é agredido com socos, chutes e pedras na região da Sé. A imagem do policial com rosto ensanguentado repercute na tropa, e o então governador Geraldo Alckmin fala em ser mais duro contra o que chamou de “vândalos” e “baderneiros”.
A PM de SP reage com violência no protesto de 13 de junho, deixando dezenas de manifestantes e jornalistas feridos (sete repórteres da Folha estavam entre os agredidos) e ampliando, nos dias seguintes, a repercussão das Jornadas de Junho.
Os atos em todo o Brasil receberam respostas truculentas das polícias nos estados. No Rio, a PM usou spray de pimenta e bombas de efeito moral para dispersar um ato com milhares de pessoas.
No dia da abertura da Copa das Confederações, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, houve um ato contrário aos gastos públicos para a realização da Copa do Mundo de 2014. Algumas frases como “Copa do Mundo eu abro mão, quero dinheiro para saúde e educação” floram entoadas pelos manifestantes, recebidos com truculência pela polícia.
Os PMs utilizaram balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, e receberam pedradas dos presentes no protesto. Oito agentes de segurança e dois manifestantes ficaram feridos.
Os protestos foram perdendo o caráter inicial, de contrariedade ao aumento das taxas do transporte público, e ganhando novos contornos, com pedidos de melhoria nos serviços públicos, além de maiores investimentos em saúde e educação, o combate à corrupção e a desistência de sediar a Copa do Mundo.
Em Brasília, um protesto levou a uma invasão da Esplanada dos Ministérios e a ocupação do teto do Congresso Nacional. No Rio, houve confronto entre a polícia e os manifestantes em frente à Assembleia Legislativa.
Em São Paulo, um ato se dirigiu ao Palácio dos Bandeirantes, na capital paulista, em uma tentativa frustrada de ocupação. No dia seguinte, outro grupo tentou invadir a prefeitura.
Após a sequência de manifestações tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, ambos os governos anunciaram, no mesmo dia, a revogação do aumento das tarifas de transporte público.
Em São Paulo, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o então prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT), anunciaram a volta das passagens a R$ 3. No Rio, o aumento no valor das tarifas também foi suspenso, voltando ao valor de R$ 2,75.
As iniciativas, porém, não foram suficientes para diminuir ou esvaziar os atos, agora com outras pautas, mais difusas. Foram convocadas novas manifestações para os dias seguintes.
O ápice das Jornadas de Junho foi atingido no dia 20, quando mais de 1,2 milhão de pessoas se juntaram em mais de cem cidades brasileiras. A maioria das passeatas foi pacífica, mas houve confrontos com a polícia em várias cidades, como no Rio e em Brasília, onde os manifestantes atacaram o Palácio do Itamaraty.
Em São Paulo, o público de cerca de 100 mil pessoas ocupou a avenida Paulista e, em Ribeirão Preto, um estudante morreu atropelado.
Após uma sequência de conversas com ministros e o cancelamento de uma viagem para o Japão, Dilma fez um pronunciamento de cerca de dez minutos, buscando tranquilizar os manifestantes.
Na transmissão, a petista prometeu conversar com prefeitos e governadores para a criação de um plano de mobilidade urbana e um pacto para melhoria dos serviços públicos, além de destinar 100% do dinheiro dos royalties de petróleo para a educação, ampliar o atendimento do SUS e se encontrar com os líderes dos atos.
Ela também disse ser favorável às reivindicações e protestos, mas criticou o vandalismo.
Dilma se reuniu com os governadores e prefeitos das capitais para apresentar propostas requeridas pelos manifestantes, nos três níveis da federação. A petista apresentou cinco pactos e uma proposta de Constituinte que promovesse exclusivamente uma reforma política.
Nos pactos, foram abordadas a manutenção da responsabilidade fiscal como forma de controle da inflação, além de investimentos em saúde e contratação de médicos estrangeiros, aumento dos gastos em transporte público e valorização da educação.
Em relação à reforma política, a presidente deixou de lado a reforma constitucional e adotou a ideia de plebiscito no dia seguinte à apresentação dos planos. Em 26 de junho, também como resposta aos protestos, o Senado aprovou um projeto legislativo que tornava a corrupção, seja passiva ou ativa, um crime hediondo.
A Câmara dos Deputados, porém, recusou a realização da consulta plebiscitária, criando um grupo de trabalho para debater o tema.
A seleção brasileira venceu a Espanha por 3 a 0 e tornou-se tetracampeã da Copa das Confederações, no Maracanã. Do lado de fora do estádio, houve tumulto de um ato que se iniciou na Tijuca, na zona norte do Rio.
Os protestos perderam força —apenas 9.000 saíram às ruas em ao menos 18 cidades.
A movimentação política, porém, continuou, com o “Dia nacional de Lutas”, organizado por centrais sindicais. Manifestações aconteceram em São Paulo e no Rio.