Partidos dizem que Lava Jato praticou “coação”

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Foto: Reprodução/Justiça Federal

As decisões do juiz federal Eduardo Appio — afastado de casos da Lava Jato — e uma devassa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a vara responsável por julgar processos da operação viraram munição de partidos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reforçar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra acordos de leniência do “clube VIP” de empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras.

A ação foi movida por PCdoB, PSol e Solidariedade — todos integrantes da base do governo e coligados com o PT nas eleições de 2022. As legendas usam esses documentos para afirmar que os acordos foram firmados pelo Ministério Público Federal (MPF) sem participação de órgãos da União e em uma “atmosfera de coação” — enquanto os executivos das empresas estavam presos. Por isso, segundo os partidos, os pagamentos de todas as multas deveriam ser suspensos e os valores renegociados.

Os partidos pedem a suspensão dos pagamentos de todas as multas impostas a empresas até o ano de 2020. O período abrange os principais acordos da Lava Jato, como Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa, cujos valores, somados, chegam a R$ 8,1 bilhões em multas — até hoje, somente pouco mais de R$ 1 bilhão foram pagos. Se a ação no STF obtiver êxito, estes pagamentos serão interrompidos.

Os documentos juntados pelos partidos carregam a carga simbólica de uma ofensiva, em muitas frentes, contra ex-agentes da Operação Lava Jato, como o ex-procurador e ex-deputado federal cassado Deltan Dallgnol (Podemos-PR) e o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR). “Vale mencionar que o Judiciário tem respondido vigorosamente aos abusos da Lava Jato”, dizem as próprias legendas.

Entre os documentos, está a portaria do corregedor-nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, que determinou a abertura de uma auditoria na 13ª Vara Federal do Paraná, onde atuou Sergio Moro na Lava Jato. Entre os objetos da investigação, estão supostas irregularidades nos acordos de leniência. Neste procedimento, o CNJ também inspecionou o gabinete do desembargador Marcelo Malucelli, que se afastou de processos da Lava Jato após se declarar suspeito. Ele chegou a ser questionado pela proximidade e sociedade de seu filho com o escritório da mulher de Moro, a deputada Rosângela Moro (União-SP).

Outro documento anexado pelos partidos foi uma decisão do juiz federal Eduardo Appio que determinou a instauração de inquérito para investigar grampos clandestinos na cela do doleiro Alberto Youssef, quando ele foi preso, em 2014. A história é antiga, e houve um parecer da corregedoria da Polícia Federal (PF) que confirmou a existência dos grampos. No entanto, ninguém foi punido pelo caso. A defesa de Youssef voltou a usar o caso para eventualmente anular seu acordo de delação premiada.

Enquanto esteve na 13ª Vara Federal, Appio criticou abertamente a Lava Jato e tomou decisões favoráveis a desafetos dos procuradores e juízes. Revogou, por exemplo, o decreto de prisão do advogado Rodrigo Tacla Duran — denunciado por operar dinheiro para a Odebrecht no exterior. Ele acusa um amigo de Moro de uma suposta extorsão para fechar um acordo com a força-tarefa, e chegou a assinar uma decisão em que afirmou ver indícios de ilegalidades no acordo de leniência da Odebrecht. Em seguida, tomou depoimento do advogado.

Appio acabou afastado por decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, após representação de Malucelli em que acusava o juiz de fazer uma ligação “ameaçadora” ao seu filho. O juiz é defendido pelo escritório Warde Advogados, o mesmo que defende os partidos na ação ao STF. Walfrido Warde, sócio da banca, é amigo de dirigentes partidários das legendas e autor de livro com críticas ferrenhas à Lava Jato e aos acordos de leniência.

Os partidos anexaram ainda um parecer do ex-procurador e professor de Direito, Lenio Streck, também anti-lavajatista, para reforçar a tese de que os acordos foram firmados em um ambiente de ilegalidades. No parecer, Lênio afirma que as “empresas não tinham outra atitude a tomar, diante do verdadeiro estado de exceção processual – ou estado de coisas inconstitucional – que se viveu no âmbito da Operação Lava Jato”.

A ação movida pelos partidos está nas mãos do ministro André Mendonça, que assinou, como advogado da União, parte dos acordos. Os advogados pediram, inicialmente, que o processo ficasse com o decano Gilmar Mendes, em razão da conexão com julgamentos de sua relatoria que diziam respeito a sanções do TCU sobre empreiteiras lenientes. A estratégia não obteve êxito.

Nos bastidores, advogados e conselheiros das empresas lenientes afirmam que foram surpreendidos com as ações dos partidos. As empresas devem continuar a defender os acordos nos termos em que foram feitos, ao passo que renegociam prazos para seu cumprimento com os órgãos responsáveis. Esses interlocutores das empresas, incluindo a Odebrecht, afirmam ao Metropoles ser contra a ação, e dizem que ela mais atrapalha do que ajuda as companhias no cumprimento dos acordos.

O governo Lula chegou a esboçar um movimento para que os acordos pudessem ser pagos, em parte, com a continuidade de contratos públicos para execução de obras. Até o momento, não houve mais uma sinalização do governo para levar a ideia adiante.

Metrópoles