Governos estaduais ampliam restrições
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Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro minimizar a dimensão do coronavírus, que já matou mais de 7 mil pessoas e causa prejuízos à economia global, governadores anunciaram ou ampliaram medidas, nesta segunda-feira, para conter a disseminação da pandemia e repudiaram o comportamento do presidente da República. No domingo, Bolsonaro interagiu com simpatizantes em Brasília que participavam de atos de apoio a seu governo. Horas depois, em entrevista, qualificou as ações tomadas por governadores como “histeria”.
Em entrevista com o comitê para a crise do coronavírus, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), criticou o presidente. “Foi uma participação inadequada e um mau exemplo do presidente da República. Mau exemplo como cidadão, mau exemplo como chefe de Estado, mau exemplo como chefe da nação. Foi lamentável, eu lamento como brasileiro, lamento como governador, que o presidente do meu país tenha dado tão mau exemplo” afirmou o tucano. Doria anunciou a restrição do serviço presencial em repartições públicas estaduais. Serviços como os do Detran, Poupatempo e Centros de Integração de Cidadania vão priorizar serviços on line e atendimento à distância.
No Rio, Wilson Witzel (PSC), ao ser questionado se o fórum dos governadores condenará a participação e o incentivo de Bolsonaro às manifestações – mesmo com recomendação do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta de se evitar aglomerações -, não respondeu diretamente. “Nosso momento agora é defender o povo, cada um dos nossos Estados, desse terrível vírus. Para evitar que num rápido momento a doença se propague e atinja os idosos. Não desafie a doença. Quem desafiou está chorando seus mortos”, afirmou.
Witzel apresentou novas medidas contra a disseminação do coronavírus, ampliando as restrições do decreto publicado na sexta-feira. A restrição a atividades atinge agora bares e restaurantes – cujo atendimento ficará reduzido a um terço das mesas -, shoppings – que reduzirão seu funcionamento para um turno – e academias de ginástica. Já estavam suspensas as aulas das redes pública e privada de ensino, pelo período de 15 dias, além de sessões de cinema e teatro, cultos religiosos, eventos esportivos e passeatas políticas. “Não estamos fazendo nenhum tipo de fantasia, briga, política ou ideológica”, disse Witzel, que se elegeu na esteira de Bolsonaro mas se tornou desafeto do presidente, assim como Doria. “A recomendação é que a comida seja comprada através de serviço de entrega”, afirmou.
O governador do Rio ressaltou que medidas serão tomadas para compensar os setores mais prejudicados, “para não agravar ainda mais a situação”, como a disponibilização de R$ 320 milhões para ajudar pequenas e microempresas e empregadores individuais”. “São as que mais sofrem. Vamos ajudar com financiamento com carência de 12 meses”, disse. Witzel, no entanto, afirmou que não há como suportar a crise do coronavírus sem que a União socorra os Estados. “O recurso de R$ 36 milhões [que chegou pelo Ministério da Saúde] é muito pouco. Estimamos um gasto da ordem de R$ 1 bilhão [no Estado]”, disse, em entrevista no Palácio Guanabara.
O governador afirmou ainda que chegou o momento de medidas “mais enérgicas”. “Eu quero pedir pelos que vão ser os mais atingidos, que são os mais velhos. No Congresso Nacional, eu disse que haveria possibilidade de internação compulsória. Chegou o momento em que, se medidas mais enérgicas tenham de ser tomadas, não serei eu sozinho. Eu e outros governadores vamos ao Supremo Tribunal Federal”, disse.
Em Minas Gerais, a expansão do coronavírus fez o governador Romeu Zema (Novo) cancelar em cima da hora sua participação numa entrevista do comitê de crise para a epidemia, no Palácio Tiradentes. Zema anunciou que vai se submeter ao teste para detectar se está contaminado, pois esteve na semana passada com uma pessoa que testou positivo para o vírus. A notícia foi dada pelo secretário-geral do Governo, Mateus Simões. Segundo ele, o governador não apresenta qualquer sintoma, assim como a pessoa com quem ele esteve. Simões disse que assim que soube da possibilidade de ter contraído o coronavírus, Zema não usou os elevadores na sede do governo e que, enquanto o resultado do teste não ficar pronto, trabalhará de casa. No domingo à noite, o governador anunciou a suspensão das aulas da rede estadual entre os dias 18 e 22. Escolas particulares estão seguindo a decisão. O governo também anunciou um plano de teletrabalho para alguns servidores, especialmente idosos, para os que padecem de doenças crônicas, gestantes e lactantes.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), pretende se reunir esta semana com representantes de empresas de vários setores para medir os impactos projetados na economia e definir a implantação de medidas para combater a covid-19, como mudança de turnos de trabalho e redução do fluxo de transporte coletivo. Por enquanto, diz Leite, está em aplicação um programa que inclui um centro de operações emergenciais instalado desde o fim de janeiro e que prevê a abertura de 220 novos leitos de enfermaria e 150 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) exclusivos para a covid-19. O governo gaúcho deve suspender as aulas da rede estadual a partir de quinta-feira, com recomendação para que as redes privada e municipal sigam o mesmo caminho. Também é recomendado ao setor privado a suspensão de eventos com mais de cem pessoas.
Em Alagoas, o governo promete começar a entregar em cinco dias 105 novos leitos de UTI destinados exclusivamente para tratamento a covid-19. Segundo o governador Renan Filho (MDB), em dez dias todos os leitos serão entregues. Atualmente a Fazenda alagoana trabalha com duas projeções de impacto da covid-19 nas receitas do Estado. Na estimativa considerada “suave”, o PIB do país cresce 1% este ano e a redução na arrecadação do Estado será de 3%. Se o crescimento for zero, a queda é estimada em 10%, explica o secretário de Fazenda, George Santoro.
No Ceará, o governador Camilo Santana (PT) solicitou ontem à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a suspensão de voos internacionais para o Estado. Um decreto do governo suspendeu aulas na rede pública por 15 dias a partir de amanhã, proibiu eventos públicos com mais de cem pessoas e cancelou visitas no sistema prisional. Santana afirmou em coletiva que os ônibus terão que passar por rigoroso processo de higienização.
Medida semelhante foi adotada pelo governador da Bahia, o também petista Rui Costa. Além da higienização de todos os transportes públicos, o Estado fará monitoramento e medição da temperatura das pessoas que chegam à Bahia pelos aeroportos, pela rodoviária de Salvador e pelas rodovias federais, principalmente as que dão acesso aos passageiros que vêm do Rio e São Paulo. Nas três cidades que tiveram casos confirmados – Feira de Santana, Porto Seguro e Salvador – estão suspensas por 30 dias, a partir de hoje, as aulas da rede pública e todos os eventos com mais de 50 pessoas, sejam políticos, religiosos ou culturais.
Em outro Estado nordestino, Pernambuco, e em Goiás, as medidas tomadas pelo governadores para que se evite aglomeração encontraram resistência por parte da militância bolsonarista radical. No Recife, a polícia prendeu, no domingo, um dos líderes do ato a favor do presidente por ter violado o decreto assinado pelo governador Paulo Câmara (PSB), que proíbe eventos grandes.
Já o governador Ronaldo Caiado (DEM) tentou dispersar uma manifestação em Goiânia, que também desrespeitava seu decreto, e foi rechaçado por bolsonaristas, embora argumentasse ser um dos três governadores que ainda apoiam o presidente e que tem uma trajetória antiesquerdista.
Cotado a concorrer à Presidência em 2022, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), criticou Bolsonaro. “A conduta de Bolsonaro aumentou a crise política. Concomitantemente, temos uma devastação econômica em curso”, escreveu, no Twitter. (Colaborou Marina Falcão, do Recife)