Witzel diz que Bolsonaro só pensa na reeleição

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Foto: Wilton Júnior / Estadão

Eleito na onda bolsonarista de 2018, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), afirma que o presidente Jair Bolsonaro vê todos os que têm “destaque maior” na política nacional como potenciais adversários na disputa pelo Palácio do Planalto em 2022. Nessa percepção estaria a origem da crise entre ele e os governadores.

Witzel diz que Bolsonaro cometeu improbidade administrativa ao atacar recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde, favoráveis ao confinamento para diminuir a velocidade do contágio do coronavírus. Witzel acha, contudo, que o momento não é adequado a um processo de impeachment. A entrevista ao Estado foi cercada de cuidados. Por exigência do governo estadual, a equipe de reportagem teve de usar máscaras cirúrgicas, para evitar eventual contaminação. A seguir, os principais trechos da conversa.

Como o senhor reagiu à mudança de discurso do ministro Luiz Henrique Mandetta?
Isso me deixou completamente abalado. (Lendo um trecho de uma reportagem do Estado): ‘Temos que melhorar esse negócio de quarentena, não ficou bom’. Estarrecedor. Porque desde janeiro o secretário de Saúde está direto com o ministro, acompanhando a evolução. E a orientação que nós tínhamos era que, na medida em que tivéssemos o contágio local, teríamos que aumentar o grau de orientação. No dia 13 confirmamos o contágio local no Rio, e as medidas que deveriam ser tomadas já eram discutidas.

O senhor acha que ele sentiu o impacto político e precisou fazer essa guinada para agradar o presidente?
Ou ele pede demissão, o que pra nós é muito ruim… Mas ele (Mandetta) não conseguiu calibrar o discurso dele. Houve um equívoco. Porque as medidas que nós tomamos não foram questionadas judicialmente, o MP não questionou. Hoje recebi no grupo dos governadores uma orientação do Ministério Público Federal, ao senhor presidente, para que ele não faça mais pronunciamentos que estejam dissociados das recomendações da Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde.

Como o senhor avalia essa estratégia política do presidente?

Desastrosa. Desastrosa. O pronunciamento oficial é uma opinião política, não tem efeitos jurídicos na vida das pessoas concretamente. Porque somente os atos administrativos ou atos legais podem fazer com que as pessoas façam ou não façam alguma coisa. Mas, na medida em que o pronunciamento se dissocia dos atos administrativos já existentes, até do próprio governo, ele incide em improbidade administrativa, porque praticou desvio de finalidade do ato convocatório em cadeia de rádio e televisão, e fala absolutamente contra o que já estava estabelecido.

Ele tem que responder juridicamente por isso?

Juridicamente, sim. Está aqui na recomendação do Ministério Público Federal: desvio de finalidade. Diz que o pronunciamento do presidente refutou a necessidade de isolamento social, criticando o fechamento das escolas e do comércio.

Quais providências?

Ação de improbidade, no mínimo. Minha opinião é que o presidente deveria agora, em cadeia nacional, fazer novo pronunciamento e corrigir o equívoco, o que não o impede de ser responsabilizado pelo anterior. Ir em cadeia nacional e desautorizar os governadores cria para nós uma situação de desobediência civil. E, pior do que isso, está sendo até agora a omissão do ministro da Economia em não apresentar soluções para o empresariado e os empregados. Pode ser que até segunda-feira nós tenhamos uma novidade. Eu tenho que renovar amanhã o meu decreto, que valia por 15 dias e agora vai ser renovado, não há como não renovar. Só vamos fazer uma avaliação da ampliação da circulação das pessoas a partir do dia 4 de abril, aí no dia 6 podemos talvez afrouxar algumas regras. São dados científicos. Havendo esse consenso técnico-científico e de que as medidas jurídicas estão na medida do que se esperava, cabe ao ministro da Economia apresentar soluções, sob pena da sua omissão ser gravíssima em termos de socorro ao empresariado e aos Estados e, juntamente com o pronunciamento, levar à desobediência civil agora.

Juridicamente teria motivo para impeachment? E politicamente, tem clima?

Nós estamos vivendo muitas crises. Econômica, de saúde. Acho que, neste momento, o mais racional é convencer o presidente de que ele tem que fazer a coisa certa, e deixar para pensar em qualquer outra situação depois que superarmos o coronavírus. Não é hora de se falar em impeachment, que vai paralisar o Congresso.

Hoje há um cabo de guerra no Brasil, entre o presidente e os governadores. Cada lado da corda puxa na direção oposta. E no meio está o Brasil. Qual é a saída política para isso? Porque há vidas humanas em risco…
Acho que, isso aí da política, é o presidente entender que ele tem que procurar mais o consenso. Eu, aqui no meu Estado, o presidente da Assembleia Legislativa (André Ceciliano) é do PT. Mas viu algum embate meu com ele? Não, a discussão é sempre política. O que está faltando ao presidente é ele entender que é preciso buscar o consenso na política.

O que pesa aí? Já é a sucessão de 2022?

Eu não estou pensando, eu nunca pensei, desde que assumi eu nunca pensei em eleição. Não estou pensando em eleição. Eu estou trabalhando, eu estou governando. E eu não estou aqui fazendo qualquer debate eleitoral. (Estou fazendo) um debate político, de questões que são importantes para serem resolvidas na vida das pessoas. Não tenho a menor preocupação com o que vai acontecer em 2022. A minha preocupação é governar bem. O resultado de um governo bem avaliado vai ser verificado lá na frente.

Esse suposto desejo do senhor de concorrer à Presidência em 2022 foi o começo para o PSL romper com o senhor aqui no Rio…

Quem falou que eu desejei concorrer em 2022? Vocês é que estão dizendo. “O senhor quer ser presidente um dia?” “Um dia”…

Não em 2022?

Não sei. Não sei. Não sei nem se eu vou estar vivo em 2022… Eu tenho que olhar o meu programa até 2022 é arrumar o Rio de Janeiro.

Mas o senhor é percebido pelo presidente como um adversário político em 2022. É assim que ele age, essa é a percepção dele…

Todo mundo que tem um destaque maior ele acha que vai ser candidato a presidente. O único que está pensando em eleição em 2022 é o presidente. Todos os outros estão trabalhando. E ele vê todos os outros como adversários.

O senhor acha ele passou a vê-lo como adversário, então, quando o senhor passou a ter maior protagonismo?

Mais uma vez: não sei, tem que perguntar para ele. Eu estou fazendo o meu trabalho. Agora, as ações dele demonstram que todo mundo que faz o seu trabalho e está fazendo o certo, está acertando, vira um inimigo para ele.

Inclusive o ministro Mandetta?

O ministro Mandetta… quem mais entrou? Daqui a pouco o (Paulo) Guedes também entra…Ou seja, todo mundo que está fazendo o seu trabalho e que acaba, de uma forma ou de outra, tendo protagonismo, vira adversário do presidente. Então, quem é que está pensando em eleição em 2022? Só ele. O único que está pensando em 2022, na reunião ontem você vê claramente isso.

E é isso que está atrapalhando?

Claro. O cara não desce do palanque e não consegue governar. Entendeu? Está sempre querendo agradar a A, agradar a B, não quer desagradar C, fica preocupado com a rede social… Se você for governar preocupado, o tempo todo, com o que vai acontecer lá na frente em uma eleição, você não governa.

Essa questão da rede social, hoje em dia, é uma realidade para todos os políticos. O senhor acha que o presidente talvez dê peso excessivo, a agradar às redes?

A opinião pública é importante. Mas nem sempre você vai fazer exatamente tudo que a opinião pública quer. Se você fosse decidir sobre as medidas restritivas de circulação com base na opinião pública, você não faria nada, porque ninguém quer ficar trancado em casa. Então, determinadas ações governamentais vão contrariar talvez uma grande parte da opinião pública. Até para proteger minorias. A reforma previdenciária é algo que contrariou grande parte da opinião pública. E demorou para ser feita. A reforma administrativa… O presidente recuou, com medo da opinião pública. Então, ele está governando com a cabeça em 2022. Ele tem de parar de pensar em 2022 e pensar no hoje. E aí todos nós viramos vítimas e alvos, porque o presidente está pensando em 2022.

Uma coisa que ficou um pouco em aberto nas medidas de enfrentamento da crise foi a eventual suspensão do pagamento das contas de água, luz, gás e telefonia. Como é que ficou essa questão?

Todo mundo respondeu. Tanto a Light como as empresas de comunicação e a Cedae suspenderam os cortes. No caso da Cedae, suspendemos o pagamento por 60 dias e tarifa social e baixa renda não vão pagar nesses 60 dias. Fomos um pouco além.

O resto é uma tolerância maior com quem não pagar, não é?

Na verdade, é assim: quem não pagar não vai sofrer cortes, mas depois vai pagar multa, multa e juros. Então, qual é o apelo que a gente faz à sociedade? “Não deixe de pagar se você pode pagar.” Até porque essa quarentena vai passar. Essa quarentena, essas restrições vão passar. Daqui a uns 90 dias a gente já vai estar completamente normalizado.

Essa é a sua avaliação? Noventa dias?

A gente acredita que em 90 dias poderemos…(Em) Noventa dias acreditamos que já estaremos em condições de combater o coronavírus, muita gente vai estar imunizada, e acredito que a vida vai poder voltar ao normal. Mas como eu disse: no dia 4 de abril, vamos fazer uma avaliação da curva para ver quais setores a gente pode abrir.

Estadão