Crise aumenta influência de filhos sobre Bolsonaro
Foto: Reprodução/O Globo
Isolado e assistindo ao crescimento de uma onda de desgaste na própria militância bolsonarista, o presidente Jair Bolsonaro decidiu radicalizar o discurso. Pressionado pelas redes sociais, buscou apoio de quem lhe ajudou a chegar à Presidência: o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A presença de Carlos no Palácio do Planalto, inclusive, assusta profissionais que lá trabalham. Há preocupação de que o “pitbull do pai” busque identificar assessores “desalinhados” ao governo.
A mudança de tom de Bolsonaro ganhou evidência com a repercussão negativa da medida provisória enviada ao Congresso que permitia empresários suspenderem contratos de trabalho por quatro meses. Até aquele momento, Bolsonaro tentava uma conciliação com membros do Congresso e do Supremo. Porém, as críticas duras após o envio da MP colocaram um ponto final no diálogo. Aconselhado pelos filhos, Bolsonaro se amparou no discurso ideológico para reverter sua base de apoio.
A produção do conteúdo do polêmico pronunciamento relativo ao novo coronavírus na última terça-feira contou com a ajuda do “gabinete do ódio”, como é chamado o grupo que monitora suas redes sociais, muito ligado a Eduardo e, principalmente, a Carlos. A ausência forçada da cúpula da Secretaria de Comunicação (Secom) — Fabio Wajngarten e o seu adjunto, Samy Liberman, tiveram que entrar em quarenta após contraírem o novo coronavírus — deixou um vácuo que logo foi ocupado por Carlos e integrantes desse gabinete.
No episódio do pronunciamento, por exemplo, o texto ficou restrito a esse grupo até praticamente o horário da veiculação. Filho 02 do presidente, o vereador carioca circula pelo local de trabalho do pai desde a última segunda-feira, e já foi incluído cinco vezes na sua agenda oficial. Ele esteve em três das cinco videoconferências de Bolsonaro com empresários, prefeitos e governadores do Brasil, sentando-se à mesa das autoridades do governo federal, assim como seu irmão Flávio.
Antes de definir o texto do pronunciamento, Bolsonaro assistiu a dois vídeos mostrados por seus assessores. Um deles trazia um empresário que dizia ser dono de uma rede de hotéis de Poços de Caldas (MG) e, que, de forma direta, pedia ao presidente para reverter a situação de isolamento alegando que a população começaria a enfrentar dificuldades financeiras se a paralisação se estender por muito tempo.
A outra gravação que, segundo interlocutores, sensibilizou o presidente mostrava um caminhoneiro chorando dentro de sua carreta, estacionada na beira da estrada. O homem de barba ruiva e cerca de 40 anos relatava a “humilhação” de ter sido barrado por empresas quando tentava entregar produtos e fazia um “alerta” que as pessoas iriam sofrer com desabastecimento de mantimentos nas prateleiras dos supermercados.
Ministros da ala militar chegaram a entrar na sala durante a produção do conteúdo do pronunciamento. Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi um dos que deram palpites na confecção do texto. Porém, segundo assessores próximos, Bolsonaro não teria acatado. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não foi consultado.
Carlos, chamado de pitbull pelo pai, é temido no Planalto. Ele mantém contato com um grupo muito restrito de assessores e conquistou respeito de ministros militares. Segundo aliados de Bolsonaro, os três filhos trocam mensagens de telefone com dois ministros que são amigos do pai: Jorge Oliveira (Secretaria Geral da Presidência) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Integrantes da Presidência têm atribuído parte da mudança de discurso do ministro da Saúde sobre o novo coronavírus a um “papo reto” que Mandetta teve com Carlos há poucos dias, como mostrou a colunista do GLOBO Bela Megale. No domingo, o vereador acompanhou o pai até o Ministério, onde ocorreu a teleconferência com prefeitos.
Na sua passagem por lá, Carlos teve uma conversa informal com o ministro sobre a comunicação dos temas ligados à doença, segundo pessoas próximas a Mandetta. No mesmo dia, o titular da Saúde afirmou que será inviável manter todas as atividades do país completamente paradas durante todo o período da crise. E desde então se alinhou ainda mais seu discurso com o do presidente.