Desmatadores na Amazônia se aproveitam da pandemia, alerta biólogo
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No momento em que o coronavírus provoca centenas de mortos nas cidades, Paulo Moutinho, cientista sênior do Ipam, preocupa-se com os danos provocados pela doença em regiões florestais. O temor de uma onda de infecções levou o governo federal a tirar os agentes do Ibama do campo – e grileiros, especuladores de terra e desmatadores estariam se aproveitando do espaço.
Em entrevista à ÉPOCA, Moutinho defende operações estratégicas de fiscalização da mata e alerta que o descaso com a zona rural pode levar a problemas de saúde da população urbana e até o risco de alastramento de novas epidemias.
Nas primeiras semanas da disseminação do coronavírus pelo Brasil, todas as ações emergenciais eram voltadas às grandes cidades. No entanto, o governo já confirmou a infecção de dois indígenas desde o final de março. Por que falamos tão pouco sobre a ação da doença em áreas rurais?
Um dos fatores é a concentração populacional nas cidades. Mesmo na região amazônica, a maioria absoluta dos habitantes está nas capitais dos estados. E isso obviamente traz uma preocupação maior com o ambiente urbano. Mas há dois aspectos fundamentais na área rural que não podem ser esquecidos.
O primeiro é a necessidade de políticas específicas para as populações isoladas nas florestas. O segundo é que, além da pandemia, essas regiões também sofrem com o agravo do desmatamento. A previsão é que o ciclo de queimadas este ano será tão intenso quanto o de 2019. A fumaça chega às cidades e provoca problemas respiratórios. Mais pessoas procuram os hospitais e, por isso, há um baque no sistema de saúde.
Desde o último dia 23, por determinação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, funcionários das autarquias da pasta, entre elas o Ibama, estão trabalhando remotamente. O motivo da orientação seria proteger os servidores do coronavírus. Desta forma, como será possível conduzir operações de combate ao desmatamento?
Claro que não podemos exigir que os agentes se exponham ao vírus, mas os governos, o federal e os estaduais, precisam buscar maneiras para se manterem presentes no campo. Podem, por exemplo, investir mais recursos nos alertas de desmatamento feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Este mapeamento nos mostra onde os focos de incêndio ocorrerão durante o ano. Além disso, sabe-se que boa parte do desmate é em floresta pública, então é aí que se deve dar atenção. Ações cirúrgicas, guiadas pela inteligência, devem demandar menos exposição dos servidores.
Vale destacar que os alertas de desmatamento do Inpe aumentaram significativamente este ano, mesmo antes do coronavírus. Cresceram 50% em janeiro e 25% em fevereiro em relação aos índices vistos nesses mesmos meses no ano passado.
O perfil do desflorestamento mudou – migrou das áreas privadas para as florestas, mostrando uma tendência de aumento da grilagem e da especulação de terras. Então, neste momento de pandemia, as ações ilegais estão ocorrendo justamente em terras públicas.
Mas as atividades ilegais continuarão no mesmo ritmo mesmo durante a pandemia?
Sim. Grileiros e especuladores de terra acham que o risco à saúde vale à pena. É, para eles, um bom momento para se aproveitar do patrimônio público. Eles colocam algumas cabeças de gado em um terreno, como se dissessem que ali há uma atividade produtiva, e vendem terras que são do poder público. É um lucro fácil.
E também há a destruição da floresta. Há várias áreas derrubadas no ano passado que não queimaram porque houve uma intervenção do Exército. Desta vez não há este obstáculo. E desmatador não faz home office.
O coronavírus tem dominado a pauta do Congresso, onde já se discute, desde o ano passado, temas condenados pelos cientistas, como uma medida provisória que favorece a grilagem de terras e um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental. Existe o risco de que este debate volte à pauta agora?
Espero que o Congresso tenha a sensibilidade de evitar estes assuntos neste momento, já que, devido à quarentena, a participação popular seria prejudicada. Os parlamentares aprenderão muito com a pandemia.
Verão como o desmatamento aumenta a exposição dos humanos a vetores de doenças, como o mosquito transmissor da malária. Está provado que preservar o meio ambiente ajuda a conter focos de epidemias.