Bolsonaro destrói relações internacionais do Brasil
Foto: Maurenilson Freire/CB/D.A Press
As escolhas do governo brasileiro no combate à pandemia do novo coronavírus colocam em risco as relações comerciais do país em uma época que qualquer oportunidade econômica não pode ser desperdiçada. Ao demitir o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que estava seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação à Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro optou pelo risco político para tentar salvar a economia. No entanto, ao mesmo tempo em que se preocupa com as contas do país, o chefe do Executivo pode afundar ainda mais as finanças da nação, pois uma falha na estratégia faria com que outros países reagissem de forma negativa. Por se tratar de uma infecção nova, ainda não é possível prever como será o cenário da pandemia nos próximos meses, mas a experiência da comunidade internacional pode ser aproveitada.
Em razão da inexistência de vacina ou medicamento eficaz contra o vírus, as medidas de maior sucesso adotadas no exterior são o isolamento social e a testagem em massa.
Países que resistiram ao fechamento do comércio, como Estados Unidos e Itália, logo tiveram que ceder para evitar um colapso no sistema de saúde e impedir o avanço do número de infectados e de mortos pela doença. Mesmo com disputas políticas internas, como entre governadores e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, os poderes Executivo e Legislativo logo perceberam a força mortal do vírus e criaram uma agenda unificada para subsidiar perdas econômicas. A Câmara norte-americana aprovou um pacote de US$ 2 trilhões para garantir renda às famílias e combater o coronavírus.
Na Itália, o prefeito de Milão reconheceu o erro de convocar a população às ruas no final de fevereiro, alegando que a economia não poderia parar em razão da doença. O discurso para priorizar o funcionamento do comércio foi por água abaixo quando a cidade registrou 4,4 mil mortes por Covid-19, em cerca de um mês. Apesar de conflitos regionais nas demais nações, o Brasil é o único país entre as 10 maiores economias do mundo que enfrenta uma crise de saúde pública e política ao mesmo tempo. O presidente Jair Bolsonaro vem criticando o Congresso, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e entrando em choque com os governadores. O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, entra no governo com a missão de flexibilizar o isolamento social.
Em discursos públicos e até oficiais, o presidente tem negado a gravidade da situação e defendido a retomada da atividade econômica. Essa postura pode levar a sanções comerciais de outros países, caso entendam que o Brasil está sendo permissivo com o avanço da doença, como explica o economista William Baghdassarian, professor do Ibmec e PhD em finanças pela Universidade de Reading, na Inglaterra. Para o especialista, o comportamento de Bolsonaro tem gerado problemas diplomáticos importantes, que podem repercutir nas relações de comércio. “O presidente Bolsonaro não é a pessoa mais feliz do mundo em termos de relações internacionais. Ele e a família parecem ter vocação para briga. O próprio ministro da Educação gerou indisposição com os chineses, o filho fez uma piada que gerou incômodo. O próprio presidente virou as costas para a China”, disse.
Ainda de acordo com o especialista em finanças, medidas contra isolamento, que provoquem reabertura do comércio, podem gerar perdas na produtividade do país a longo prazo e resultar em restrições a serviços brasileiros no exterior. “Corre o risco, dependendo da forma como o governo reaja a essa pandemia, de ficar caracterizado que existe essa flexibilização do controle. Pode ocorrer a restrição da entrada de brasileiros no exterior e também bloqueio de exportações em serviços que envolvem pessoas.”
Outra possibilidade, de acordo com o economista, é resultar em baixas a longo prazo na cadeia produtiva do país. “Iniciar as atividades comerciais agora pode levar a um aumento de mortes pelo vírus e podemos perder um grupo grande de pessoas produtivas. Nos Estados Unidos, morreram 10 mil pessoas. Se morrer 30 mil aqui, podemos perder muita gente talentosa, qualificada. Desta forma, não só sairemos da crise com os problemas econômicos como com danos na capacidade de produção”, completa.
Além dos riscos econômicos ao contrariar as recomendações das autoridades sanitárias, o país está com a imagem desgastada no exterior. A ciência brasileira sempre foi uma das mais respeitadas do mundo, em razão da qualidade das universidades e da quantidade de artigos publicados, além de descobertas abundantes em diversas áreas. No entanto, ao negar a gravidade da pandemia e alardear o uso de remédios que ainda não passaram dos testes clínicos, o governo dá um passo atrás na confiança conquistada no mundo.
O analista Leopoldo Vieira, CEO da IdealPolitik, lembra que o isolamento tem sido a resposta mais segura até agora, tanto em termos sociais quanto políticos. “Neste momento, em que predomina, nas sociedades e governos, a sinergia com a OMS, Bolsonaro desgasta o Brasil como um país anticientífico e egoísta – o perfeito papel de vilão. O desfecho de toda esta situação depende da descoberta de medicamento ou dos resultados, em médio prazo, das restrições sociais mais ou menos duras. É interessante que os novamente rivais Brasil e Argentina estejam em lados opostos. Lá, o governo estabeleceu quarentena total desde 20 de março, com confinamento obrigatório, e registrou apenas 18% dos casos previstos”, diz.
O especialista destaca que o futuro da imagem brasileira no mundo dependerá dos resultados científicos e da geopolítica que envolve os Estados Unidos. “A imagem do Brasil no mundo, sobretudo após a saída do ministro Mandetta, dependerá da disputa que os Estados Unidos, com quem o Brasil se alinha, trava com o coronavírus. Trump afirma que a China tem responsabilidade e interesse econômico na pandemia. Cortou o financiamento da Organização Mundial da Saúde acusando-a de agir contra a reabertura das economias em benefício dos chineses. A China, de fato, tende a melhorar a posição sobre os norte-americanos e a Europa, porque está na fase de arrefecimento da doença, não da ascensão. Se os EUA vencerem, Bolsonaro poderá sair bem colocado na geopolítica”, completa.