Suborno do Centrão por Bolsonaro afeta economia

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Foto: Jonne Roriz/Agencia Estado/Exame/Dedoc

“Não existe essa coisa de dinheiro público, existe o dinheiro dos pagadores de impostos”, vaticinou Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990. Precursora de uma política-econômica liberal na Inglaterra, a baronesa liderou uma agenda de reformas e privatizações de estatais para garantir a transformação fiscal do país, conquistando a valorização da moeda inglesa, a libra esterlina, e o controle da inflação do país em plena guerra fria. O liberalismo e atração de capital privado por meio de medidas que garantissem segurança aos investidores fortaleceu a Inglaterra em um momento de incertezas galopantes, com o potencial avanço do comunismo (e consequente intervencionismo econômico) na ilha. Os tempos são outros e a ameaça vermelha, uma lenda demodê que, vira e mexe, surge em alguns protestos pelo país. No Brasil contemporâneo e assolado pela crise importada pelo coronavírus, a ameaça à agenda propositiva organizada por Paulo Guedes, ministro da Economia, e Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, tem uma configuração disforme e nomes conhecidos pelos brasileiros: o Centrão.

Tão britânica e liberal quanto Thatcher é a revista The Economist. A publicação dedicou, no mês passado, um artigo ao presidente Jair Bolsonaro, trazendo à pauta europeia as decisões erráticas do presidente em relação às políticas de combate ou minimização da pandemia. “Restam poucas dúvidas de que a conduta do presidente seja caso constitucional para um impeachment”, vaticina a revista — que de comunista, não tem nada. Para amealhar os riscos de um afastamento, o presidente recorre àquilo que há mais de velho na política brasileira, e que o então candidato Bolsonaro prometeu combater: o fisiologismo atrás de apoio no Congresso Nacional. O problema: as garras do Centrão e de políticos atrás de verbas e obras para ganhar escopo eleitoral em órgãos centrais do poder põem em xeque a diretriz técnica de quadros dentro do Governo Federal, principalmente em um setor tido como trivial para a recuperação econômica do país, a infraestrura.

Não bastasse o flerte do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, com a irresponsabilidade fiscal e gastança para retomar as obras por meio do malfadado Plano Pró-Brasil, o governo começou a tentar esgueirar indicados de figuras como os ex-deputados famosos pelo protagonismo no mensalão petista, Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto. “Salivando pelo Dnit”, Costa Neto viu o cargo de chefia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes ser ocupado rapidamente por Gomes de Freitas para mitigar a aproximação tenebrosa dos partidos de aluguel e escolheu, no início do mês, um nome técnico para comandar a autarquia. Trata-se, como antecipou VEJA, de Euclides Souza, ex-diretor do Dnit. O flerte com hábitos do passado não parou por aí.

Ao mesmo tempo em que avança na consolidação da privatização do Porto de Santos, com a contratação de estudos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES, para tocar os projetos de privatização, o Ministério da Infraestrutura começou a trabalhar pela construção de um ramal ferroviário na área da Marimex Despachos, Transportes e Serviços, no porto. Por isso, optou por não prorrogar o contrato da empresa com a Santos Port Authorithy, autoridade que administra o ancoradouro. A empresa opera terminal na região de Outeirinhos, à margem direita, e sua atividade é dedicada ao armazenamento de contêineres. O contrato vencerá no próximo dia 8 de maio. A linha ferroviária ocupará parte da área onde, atualmente, funciona o terminal da Marimex. A não-renovação automática com a gestora deixou autoridades políticas furiosas, que procuraram o ministro para reclamar dos movimentos. Como mostra VEJA, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) disse a quem quisesse ouvir que o governo havia lhe oferecido o Porto de Santos, histórico centro de falcatruas, mas que ele recusara porque não era a hora de entrar no governo.

Outros ambientes desejados pelo baixo clero estão no escopo do ministério comandado por Gomes de Freitas, que blinda-se e procura se manter discreto nas discussões entre Bolsonaro e os partidos de aluguel. Segundo a análise de executivos da Infraestrutura, assim como os ministérios da Economia e da Agricultura, tidos como “fábricas de boas notícias” pelo trabalho técnico que realizam, estão mais protegidas de pressões do que ministérios mais folclóricos do governo Bolsonaro, como o Turismo, a pasta dos Direitos Humanos e a triste gestão da Educação. Apesar disso, ambientes que não ostentam orçamentos polpudos estiveram na mira de membros do fisiologismo, para operacionalizar obras em nichos eleitorais de parlamentares e melhorar a imagem junto aos votantes, mas cujos números viraram argumento contra as indicações políticas. O Ministério da Infraestrutura comemora o uso das empresas Valec e Empresa de Planejamento e Logística (EPL), voltadas a desenhar projetos de concessão e a administração de obras, para a conquista de contratos de projetos. Desde o início da gestão de Gomes de Freitas, a pasta celebrou 29 concessões para obras serem tocadas pela iniciativa privada.

Nem mesmo dentro do governo, porém, a gestão das duas empresas é ponto pacífico. Em sua cartilha de empresas prontas para serem privatizadas,o secretário de Desestatização, Salim Mattar, elencou a Valec e EPL como companhias no rol para serem concedidas à iniciativa privada, para mitigar os aportes de 22,7 bilhões de reais e de 460 milhões de reais engendrados pelo Governo Federal entre 2009 e 2018. Gomes de Freitas bateu o pé e argumentou que as duas companhias são essenciais para a continuidade dos processos de concessão. O Ministério da Economia parece ter acatado, apesar das empresas ainda estarem na relação de passíveis desinvestimentos. Os estudos na pasta, agora, compreendem a mescla das duas empresas, que deverão dividir as diretorias e cargos de gestão.

Apesar das investidas, as duas empresas não são as meninas dos olhos de ouro da classe política, que, vá lá, conseguiu uma boquinha na pasta de Gomes de Freitas, na chefia do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Indicação do deputado Sebastião de Oliveira (PL-PE), Fernando Marcondes Leão, do Avante, foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro na última semana para comandar o departamento. Pois bem: Oliveira foi alvo de operação da Polícia Federal nesta quinta-feira 8, acusado de supostos desvios no Contorno Viário da Região Metropolitana de Recife, trecho da BR-101. Lá, entendem membros do Ministério da Infraestutura, há elementos sólidos (leia-se verba) para atrair membros do fisiologismo, já que o orçamento destinado ao órgão é de 1 bilhão de reais neste ano. A atração com Centrão se torna mais perigosa quando, além da questão moral, as contas do país, os movimentos políticos atingem as contas e projetos importantes para o país, ainda mais em um momento tão difícil.

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