Todos os estudantes criticam Enem da pandemia
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A manutenção do cronograma do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), mesmo com a suspensão das aulas presenciais em todo o país devido à pandemia do novo coronavírus, preocupa vestibulandos que tiveram suas rotinas de estudo prejudicadas em razão da crise sanitária.
As inscrições para o Enem 2020 começaram ontem e vão até as 23h59 do dia 22 de maio. Nas redes sociais, estudantes têm se manifestado em vídeos e por meio de listas de abaixo-assinado, pedindo o adiamento da prova, marcada para novembro.
Entidades estudantis, secretários de educação e reitores de instituições de ensino defendem o adiamento do exame, sob a justificativa de que nem todos os estudantes têm condições de manter os estudos durante a pandemia, ou nem sequer têm acesso às ferramentas necessárias para o ensino a distância, como celular e computadores com acesso à internet.
O TCU (Tribunal de Contas da União) deu cinco dias para o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que realiza o exame, se manifestar sobre o cronograma do Enem. No despacho, do dia 4 de maio, o ministro Augusto Nardes diz que a pandemia tem profundos reflexos na educação e indica existir necessidade de alteração do calendário da prova, noticiou ontem a Folha de S. Paulo.
O órgão agiu em resposta à ação feita pelos deputados federais Idilvan Avelar (PDT-CE) e Tulio Gadêlha (PDT-PE), que argumentaram que a manutenção do calendário do exame viola a igualdade de condições entre os candidatos.
A vestibulanda Isadora Leal, 19, de Teresina (PI), afirma que, mesmo se esforçando, a rotina de aulas a distância prejudica. “Muitos [colegas] não estão conseguindo estudar. Estão totalmente perdidos.”
“No mínimo, [deveriam] adiar a prova por uns dois meses. E tentar rever o investimento para amparar a educação pública, de modo a auxiliar os estudantes nesse cenário de pandemia e suspensão das aulas”, comenta Isadora.
O paulista Cassius da Silva, 42, tenta ingressar em Medicina pelo quarto ano. “O Enem, hoje, representa a principal porta de entrada para as universidades, sobretudo para a maioria de nós, pobres”, pontua o estudante do cursinho Educafro.
Ele defende que adiar o exame por dois meses poderia ajudar os estudantes: “Universidades como a USP, por exemplo, têm sua segunda fase em janeiro. Não vejo problema em realizar o Enem nessa época”.
Os estudantes ouvidos pelo UOL disseram que não vão deixar de realizar o exame. Isadora Leal já fez a inscrição. “No início não estava dando certo, acredito que pelo congestionamento do site, mas depois deu”. O Enem é a sua prioridade, entre os vestibulares: “É pela nota dele que várias outras faculdades admitem o ingresso”.
Walace da Silva Borges, 19, está em seu primeiro ano de cursinho na ONG Educafro. Ele se prepara para prestar o vestibular para o curso de Direito e já se inscreveu para o Enem: “foi tranquilo, mas vi nas redes sociais que algumas pessoas tiveram dificuldades”.
Com as aulas suspensas, o vestibulando conta que está tirando dúvidas por mensagens de WhatsApp com professores. “Está sendo um pouco difícil estudar em casa, porque tenho uma irmã de quem eu cuido. Muitos jovens não têm acesso [a aulas remotas]. Concordo que tem que adiar um pouco o Enem”, comenta.
Também vestibulanda de Medicina, Lara Batista Costa, 21, mora em Caratinga (MG) e já deixou de realizar uma prova neste ano em razão da pandemia da covid-19. O vestibular da Universidade Federal de Uberlândia estava previsto para 25 e 26 de abril, mas foi suspenso.
Ela conta que a pandemia prejudica os estudos mesmo para quem, como ela, já se adaptou à nova rotina. Lara trocou as aulas do cursinho particular por plataformas que oferecem aulas pela internet.
“Estudo por aulas gravadas, em que organizo meu cronograma, mas é muito mais difícil para tirar dúvidas. E imagino que muita gente — quem mais precisa — vai ser prejudicada, nem todo mundo tem acesso à internet”, diz.
Lara, porém, diz não saber se adiar a prova é o ideal. “Não faço ideia. Para nós que estudamos desde o começo do ano, quando faltam duas semanas para o Enem, já não aguentamos mais. Quanto mais adiar, mais vamos estar saturados de estudos. E pode atrasar o calendário das faculdades”, afirma.
A estudante Izabel Araújo, 18, vai tentar uma vaga no curso de Medicina pela terceira vez. Ex-aluna de escola pública, ela participaria de aulas e atividades promovidas pela ONG Educafro, que trabalha com cursinhos pré-vestibulares, mas teve os planos frustrados por causa da pandemia.
“Consigo manter mais ou menos minha rotina de estudos, porque tenho acesso à internet em casa, mas com dificuldade porque não tenho computador, uso só o celular”, afirma a jovem. Ela diz saber que sua situação é diferente da de quem nem sequer tem celular ou internet em casa.
“Quando você não adia, não pensa na totalidade das pessoas. Quando você diz que é muito fácil estudar em casa, não é verdade”, conta Izabel, que declara estar “desamparada” com a decisão do governo em manter as datas do Enem.
“É bem difícil [usar só o celular]. Tenho acessado plataformas com aulas online, vou vendo de acordo com os horários que montei. Mas não tenho dinheiro para comprar um celular de excelente qualidade. Então se acaba a bateria no meio da aula, ou eu não consigo ver a lousa porque a tela é pequena, ou a internet cai, ou os aplicativos travam, perco parte do conteúdo.”
Izabel afirma que, mesmo com o esforço para continuar os estudos a distância, é difícil “manter o ritmo”, já que a situação atual é estressante e afeta também o psicológico. “Eu sinto que a conta não fecha”, diz.
Além do adiamento da prova, ela defende que o prazo para inscrições no Enem seja estendido.
“Acho que não há problema em abrir as inscrições agora. Em algum momento todos vão precisar se inscrever. Mas acho que as inscrições deveriam ter um tempo maior para acontecer, já que elas são feitas só pela internet. Daria mais tempo para as escolas ou entidades chegarem às pessoas [que não têm acesso]”, finaliza a estudante de 18 anos.