Covas e Doria se desentendem por isolamento
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Não foi apenas o número de casos do novo coronavírus que registrou uma escalada em São Paulo nos últimos dez dias. O estresse nas relações entre a prefeitura paulistana e o governo estadual também entrou numa curva de subida em pleno pico da pandemia. O prefeito da capital, Bruno Covas, e o governador João Doria passaram a ter visões diferentes sobre o enfrentamento da crise de saúde. Enquanto Covas defende um endurecimento da quarentena para evitar o colapso dos hospitais e cemitérios, Doria flerta com flexibilizações do isolamento social a partir de 1º de junho.
O auge da tensão deu-se na semana passada, quando entrou em vigor um rodízio de veículos rigoroso na cidade. A medida, anunciada pelo prefeito, não durou uma semana. Filas em estações de trens e metrô obrigaram Covas a admitir o fracasso da iniciativa. O prefeito e o secretário estadual de Transportes Metropolitano, Alexandre Baldi, bateram boca pela TV sobre o episódio. Covas culpou a secretaria de não ajustar a frota de trens ao aumento de demanda que o rodízio causou. O secretário acusou o prefeito de tomar a medida unilateralmente sem avisar a pasta.
Na mesma semana, o prefeito foi internado. O diagnóstico foi uma colite. O governador e o vice-governador, Rodrigo Garcia, entraram no circuito para acalmar os ânimos. Um almoço foi feito entre eles, Covas e Baldi.
Aliados dizem que o desentendimento foi superado. A despeito da tensão, prefeito e governador continuam fazendo anúncios juntos. Mas a avaliação hoje, especialmente no entorno do prefeito, é de que as duas administrações estão tomando rumos diferentes no enfrentamento da epidemia.
— Bruno não quer flexibilizar. Doria quer — resumiu um auxiliar do prefeito nesta quinta-feira.
— Essa questão foi resolvida. Estamos trabalhando juntos — reagiu um integrante do primeiro escalão do governador.
O prefeito já declarou no domingo passado que a prefeitura não tem muito mais o que fazer e transferiu para o governador a responsabilidade por um endurecimento da quarentena por meio de um lockdown. Na equipe de Covas, essa é considerada a única medida capaz de evitar o colapso do sistema de saúde e funerário na cidade. Um protocolo com o Exército já foi assinado para o caso de ajuda para remoção de corpos nas ruas e residências.
— Estamos ficando sem alternativas. É preciso parar por São Paulo. Não há outro caminho. Antes de pensarmos em abrir, é preciso parar. A nossa competência é limitada. A região metropolitana é interligada, mas eu não controlo trens e metrô — afirmou Covas no domingo passado.
Três dias depois, Doria referiu-se mais uma vez em uma entrevista aos planos de reabertura econômica no estado, desta vez, sinalizando que ela poderá ocorrer em junho.
— Haverá um momento, sim, a partir de 1º de junho em fases escalonadas, cuidadosas, zelosas, e isso feito com o setor privado para a flexibilização — disse.
Não foi à toa que o prefeito passou a conceder entrevistas coletivas separado do governador. Foi assim quando decretou o rodízio e a antecipação dos feriados de Corpus Christi e Dia da Consciência Negra.
— Fica um pouco estranho um prefeito na mesma coletiva falar em fechar e o governador falar em abrir. Anunciamos separadamente essas ações — disse um dos articuladores da campanha à reeleição do prefeito.
Doria está numa saia-justa. Enquanto o prefeito da capital pressiona por um lockdown, outros da região metropolitana resistem em apoiar tal medida. É consenso no comitê de combate ao coronavírus de São Paulo que uma medida desse tipo isoladamente na capital paulista não trará o benefício esperado.
Politicamente a decretação de um lockdown é desgastante e aliados do prefeito comentam que Doria poderia assumir esse desgaste já que não vai às urnas este ano para poupar um pouco a imagem de Covas em pleno ano eleitoral.
— A cidade não está conseguindo respirar — disse um secretário municipal sobre o cenário que se anuncia.
Na semana passada, a prefeitura recebeu da Defensoria Pública um ofício alertando para o risco de começarem saques na cidade.
A ordem neste momento é esperar até segunda-feira para avaliar a efetividade da antecipação de feriados nos últimos dias. O objetivo é que a capital mantenha a taxa de isolamento social em torno de 55% durante recesso forçado. No primeiro dia de feriadão, na quarta-feira, esse índice foi de 51%.