Zambelli é nova “leoa-de-chácara” de Bolsonaro

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Foto: Marcos Corrêa / PR

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) é o que se pode chamar de fenômeno da internet. As buscas no Google por seu nome dispararam no fim de abril e sua média de novos seguidores no Twitter subiu seis vezes. Tamanha popularidade se deve ao fato de a deputada, que ganhou alguma notoriedade durante as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015, estar hoje envolvida em nove entre dez confusões que permeiam o governo Bolsonaro.

Zambelli é defensora intransigente do presidente e, ao lado do deputado Helio Lopes (PSL-RJ), conhecido como Helio Negão, e de Bia Kicis (PSL-DF), aparece ao lado de Jair Bolsonaro em praticamente todos os compromissos públicos. Ela chamou atenção especialmente pela presença nos episódios mais recentes que atingem o governo, como o inquérito das fake news e a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça. No primeiro, tornou-se investigada por suposta participação num esquema de divulgação de informações falsas e mensagens de ódio contra autoridades. No segundo, tentou evitar a saída do ex-ministro oferecendo-lhe um cargo no Supremo Tribunal Federal (STF) em troca de sua permanência no governo.

Atuando à margem dos negociadores políticos do Palácio do Planalto, como o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), Zambelli tem se portado como emissária de primeira ordem do Executivo, ainda que amigos do presidente digam, reservadamente, que a intimidade da deputada com Bolsonaro não é tão grande quanto ela gosta de alardear. Quando o episódio envolvendo Moro veio à tona, em especial sua mensagem sugerindo a ele uma vaga no STF, a deputada se apressou em dizer que não havia obtido aval do presidente para fazer tal proposta ao ex-juiz.

Em outro episódio recente, a deputada deu uma entrevista antecipando que haveria uma operação contra governadores um dia antes de a Polícia Federal (PF) deflagrar buscas contra o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, considerado inimigo pelo presidente da República. Até o aliado Bibo Nunes (PSL-RS) se mostrou consternado com as declarações da colega. “Eu acho isso muito estranho. É (tudo) iniciativa própria dela. O Bolsonaro jamais falaria isso para ela ou saberia disso. Ela tem esse estilo. É muito chato isso aí. É uma situação de não ter o que falar. Ela gosta de ser notícia”, disse. A declaração de Zambelli provocou suspeitas de que o Palácio do Planalto já soubesse antecipadamente dos passos da PF contra Witzel, ainda que a deputada tenha posteriormente negado dispor de informação privilegiada.

Combativa nas redes, Zambelli já demonstrou pouca cautela com conteúdo falso e nenhum temor em relação às consequências desses deslizes. Durante a pandemia, usou uma foto de 2018 para dizer que Tedros Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), estava “dando um efusivo abraço em plena quarentena”. O post foi apagado depois. No programa do apresentador José Luiz Datena, na Band, propagou a mentira de que caixões estão sendo enterrados vazios no Ceará. Em outra ocasião, postou um vídeo dizendo que a filha de Dilma Rousseff era a dona das lojas Havan — isso foi em 2015, antes de o verdadeiro dono, Luciano Hang, ganhar fama como bolsonarista.

Mas o STF tem sido um de seus alvos preferidos. Em 22 de abril, ela criticou especificamente o inquérito para apurar a disseminação de fake news, no qual agora ela está incluída: “Rodrigo Maia trabalha com governadores, vices e até o ministro do STF Alexandre de Moraes para derrubar o presidente Jair Bolsonaro”, escreveu. Em outra postagem mais contundente contra a Corte, escreveu: “Recado aos ministros do STF: não brinquem com a Lava Jato, ou nós vamos derrubar CADA UM DOS SENHORES”.

Procurada, Zambelli não quis dar entrevista a ÉPOCA. Alegou que, da última vez que falou com a reportagem, não gostou do resultado. “Resumiu a minha carreira a uma vendedora de roupas e vendedora de cursos, e disse que fui eleita na esteira da Joice Hasselmann”, argumentou, em referência à colega de partido e hoje desafeto. Ocorre que somente sete deputados federais do PSL dependeram dos próprios votos para se eleger em 2018, pelo sistema de proporcionalidade, e Carla Zambelli não está entre eles. Foi eleita com 76 mil votos. Nascida em Ribeirão Preto, São Paulo, trabalhou na loja de roupas da mãe, conforme ela mesma relatou.

A história da aproximação de Zambelli com o Poder Executivo se confunde com seu distanciamento de Hasselmann, de quem já se considerou amiga. Brigadas desde a eleição de 2018, as duas hoje não podem ocupar sequer a mesma sala. Em maio do ano passado, Hasselmann se negou a comparecer a uma reunião da bancada feminina com Bolsonaro se Zambelli fizesse parte do cerimonial de abertura. O racha no PSL ocorrido no segundo semestre de 2018 fez com que o presidente deixasse de se comunicar com Hasselmann, retirando-a da liderança do governo e abrindo espaço para Zambelli no Palácio do Planalto. Até então, a deputada não conversava diretamente com o presidente Jair Bolsonaro.

“Ela não tinha contato com o pai (Jair)”, disse o ex-líder do PSL Delegado Waldir (GO), hoje rompido com o presidente. “Hoje ela tem contato com o pai. Virou, junto com a Bia Kicis (PSL-DF), uma das mais ativistas das teses malucas do governo. Se falar para elas se infectarem com Covid, elas se infectam. Se falar pula na merda, elas pulam.” Antes, ela trocava mensagens apenas com o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Um ex-aliado de ambos disse que a relação era mais de “tolerância” que de proximidade. Eduardo jantava às vezes em sua casa com Bia Kicis e Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), sem Zambelli.

Na eleição de 2018, Zambelli se aproximou do ruralista e hoje secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia. Com Bolsonaro já empossado, fizeram uma troca. O secretário nomeou o irmão de Carla Zambelli, Bruno Zambelli, para um cargo de confiança no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e a deputada, por sua vez, empregou o irmão de Nabhan, Maurício Nabhan Garcia, em seu gabinete. Em maio de 2019, muito antes da divisão interna do PSL, Hasselmann denunciou o caso como nepotismo cruzado, proibido expressamente pelo STF em 2008. Bruno foi exonerado, mas Maurício não.

Zambelli foi acusada de abusar dos privilégios também quando conseguiu matricular seu filho no Colégio Militar de Brasília, sem que ele tivesse de passar pelo processo seletivo. Ela se justificou, na época, dizendo que ele sofria ameaças em São Paulo, onde morava, e que estaria mais seguro em Brasília. Pais de outros alunos reprovaram a concessão. Segundo o Exército, alunos podem ingressar sem concurso em casos excepcionais.

“INVESTIGADA NO INQUÉRITO DAS FAKE NEWS, A DEPUTADA JÁ PUBLICOU TEXTOS AMEAÇADORES CONTRA O SUPREMO. ‘RECADO AOS MINISTROS DO STF: NÃO BRINQUEM COM A LAVA JATO, OU NÓS VAMOS DERRUBAR CADA UM DOS SENHORES’, ESCREVEU”

Quando líder, o Delegado Waldir valorizava a atuação de Zambelli na base do governo. Segundo ele, não havia ninguém melhor quando o governo precisava de uma defesa virulenta em uma comissão. “Todas as vezes que tinha a necessidade de defesa de ministro nas comissões, ela estava na linha de frente.” O talento, às vezes, servia mais para marcar posição do que para negociar. Em setembro de 2019, ela abandonou o grupo de trabalho do pacote anticrime, por exemplo, ao constatar que as propostas do ex-ministro Sergio Moro estavam sendo alteradas. “Dar meu voto simplesmente é mostrar que estamos perdendo. Saio em protesto”, pontuou, em discurso inflamado. E saiu da sala.

Embora alguns a classifiquem como ex-feminista, diz que participou apenas de uma manifestação do Femen Brasil, movimento importado da Ucrânia em 2012. Estava lá acompanhando Sara Winter, líder do Femen no Brasil e hoje também militante bolsonarista. Segundo Zambelli, no início, as pautas da organização se restringiam a temas comuns entre esquerda e direita, como prostituição infantil e tráfico de mulheres.

Ganhou alguma notoriedade em junho de 2013, depois de criar o grupo Nas Ruas no período das manifestações. Em 2016, Zambelli já era frequentadora assídua da Câmara. Em um episódio insólito de 2015, se acorrentou a uma pilastra, prometendo greve de fome até o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), acolher o pedido de impeachment de Dilma Rousseff. À noite, ela se desacorrentava, comia, ia ao banheiro e, depois, voltava a pôr as algemas.

Na Câmara, é vista com antipatia por muitos colegas em razão de seus feitos naquele período. Deputados já presentes em legislaturas passadas se lembram de quando Zambelli invadia coletivas de imprensa e os cobrava, apontando-lhes a câmera do celular e reproduzindo o discurso antipolítica em alta no país. Por isso, acabou se aproximando de parlamentares em primeiro mandato, que não têm essa memória.

Em 2019, a deputada se casou com Antônio Aginaldo de Oliveira, chefe da Força Nacional, hierarquicamente subordinado a Sergio Moro. Ela o conheceu justamente enquanto frequentava o gabinete do ex-ministro. Entre namoro e casamento, se passaram poucos meses. Entre os padrinhos, a atriz Regina Duarte, Nabhan Garcia e Sergio Moro e a esposa, Rosângela. Segundo uma fonte, o convite deixou o ex-ministro constrangido, já que não acreditava ter tal proximidade com a deputada. Mas se viu compelido a aceitar para não fazer desfeita. A amizade entre Moro e Zambelli, contudo, foi tão fugaz quanto a ascensão da deputada no seio do governo: depois que o ex-ministro divulgou suas trocas de mensagens com ela para corroborar sua denúncia de que o presidente interferira na PF, a deputada não vê mais qualquer motivo para admiração. Até brinca que terá de rasgar seu nome da certidão de casamento e se refere a ele como “ex-padrinho”.

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