Bolsonaro pede flexibilização do isolamento
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Após a polêmica reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgada por ordem judicial, o presidente Jair Bolsonaro realiza novo encontro nesta terça-feira, 8, no Palácio da Alvorada, para tentar melhorar a imagem e mostrar as ações do governo relacionadas ao novo coronavírus. Desta vez, no entanto, o encontro é televisionado, transmitido ao vivo pela TV Brasil.
No início da reunião, o presidente citou a resposta de uma integrante da Organização Mundial da Saúde (OMS) que afirmou, na segunda-feira, que os pacientes assintomáticos do novo coronavírus não estão impulsionando a disseminação da covid-19. Segundo ela, esses casos são raros.
Para Bolsonaro, que é abertamente contrário ao isolamento social, se o entendimento for comprovado poderá sinalizar uma “abertura mais rápida do comércio e a extinção de medidas restritivas”. O Brasil atualmente tem mais de 37 mil mortes e 700 mil casos da doença.
Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, 13 ministros apresentarão trabalhos feitos para o combate à pandemia na reunião de hoje. Na do dia 22 de abril, as medidas de enfrentamento à covid-19 ficaram em segundo plano.
“Esse pânico que foi pregado lá trás por parte da grande mídia começa talvez a se dissipar levando em conta o que a OMS falou por parte do contágio dos assintomáticos”, declarou Bolsonaro. “O governo federal espera algo de concreto nas próximas horas, nos próximos dias, o que será muito bom para o Brasil e o mundo. A OMS falará com certeza sobre as suas posições adotadas nos últimos meses, o que levou a muita gente a segui-la de forma cega”, disse.
A chefe do programa de emergências da Organização Mundial de Saúde (OMS), Maria van Kerkhove, fez a declaração na segunda-feira durante pronunciamento no qual argumentava que a contenção da transmissão da covid-19 pode ser mais rápida com a localização e o isolamento dos casos sintomáticos. Entretanto, ela ressaltou que há diferença entre assintomáticos (sem sintomas) e pré-sintomáticos, que são as pessoas que vão desenvolver algum sintoma da doença.
A explicação de Maria durante entrevista no começo da tarde foi alvo de críticas e dúvidas. Horas depois, em seu perfil no Twitter, ela reforçou que há diferença entre pacientes assintomáticos e pré-sintomáticos. Além disso ela recomendou a consulta ao guia da OMS publicado na sexta-feira, 5, que trata do uso de máscaras para a proteção.
No documento, a entidade diz que “estudos mais abrangentes sobre a transmissão de indivíduos assintomáticos são difíceis de conduzir”, mas cita um trabalho como exemplo. A pesquisa aponta que, entre 63 indivíduos assintomáticos estudados na China, havia evidências de que nove (14%) infectaram outra pessoa.
Ao analisar o tema, Maria citava países com grande capacidade de testagem e rastreio. “Temos alguns relatos de países que estão fazendo rastreio de contatos muito detalhados, estão seguindo casos assintomáticos, seguindo contatos e não estão encontrando transmissões secundárias. É muito raro”, disse van Kerkhove.
Em alguns casos, pontuou, quando uma segunda análise dos supostos casos assintomáticas é feita, descobre-se que os pacientes tiveram, na verdade, leves sintomas da infecção. “Estamos constantemente olhando para esses dados e tentando obter mais informações para de fato responder a essa pergunta, [mas] ainda parece ser raro que um indivíduo assintomático transmita a doença”, completou.
A especialista pediu que os países se concentrassem naqueles que têm os sinais da infecção para tentar fazer o controle do vírus. “Se de fato acompanhássemos todos os casos sintomáticos, isolássemos esses casos, rastreássemos os contatos e colocássemos esses contatos em quarentena, haveria uma drástica redução na transmissão. Se pudéssemos nos focar nisso, iríamos nos sair muito bem em termos de suprimir a transmissão”, afirmou.
O chanceler Ernesto Araújo afirmou que o Itamaraty, em coordenação com o Ministério da Saúde, acompanha “com muita preocupação” o papel da OMS durante a pandemia do novo coronavírus. Durante a reunião ministerial, Araújo criticou o que chamou de aparente falta de independência, transparência e coerência da instituição.
“Aparentemente há falta de independência da OMS, falta de transparência e, sobretudo, coerência em orientações sobre aspectos essenciais… A origem do vírus, o compartilhamento de amostras, o contágio por humanos, os modos de prevenção, a quarentena, o uso da hidroxicloroquina, a indumentária de proteção e agora na transmissibilidade por assintomáticos. Em todos esses aspectos a OMS foi e voltou, às vezes mais de uma vez. Isso nos causa preocupação”, disse Araújo no encontro.
Ele reforçou que o Brasil e outros países apoiam desde maio uma investigação da conduta da OMS durante a pandemia. O processo de apuração teve iniciativa da União Europeia e da Austrália. “Alguns dizem que tem que esperar o fim da pandemia, mas eu acho que claramente não. Esse vai e vem da OMS prejudicam os esforços dos países”, afirmou o chanceler.
No dia 19 de maio, os 194 países membros da OMS, incluindo Estados Unidos e China, adotaram uma resolução que prevê uma “avaliação independente” da resposta da agência da ONU à pandemia de covid-19.
Bolsonaro admitiu novamente que não há comprovação científica sobre o uso da hidroxicloroquina para o combate à covid-19, mas voltou a defender o uso do medicamento com base em relatos que disse ter ouvido de “pessoas infectadas e de médicos”.
O presidente também afirmou que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, vai esclarecer, em comissão da Câmara, tudo o que foi falado nos últimos dias sobre uma eventual recontagem dos dados atualizados do novo coronavírus no Brasil. “A gente torce, pede a Deus, que o mais breve possível tenhamos um ponto final nessa questão. Mais uma vez lamentamos profundamente pela vida de todos os que nos deixaram.”