STF decide hoje se investigação de fake news anda ou para
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebon/Agência Brasil
O STF (Supremo Tribunal Federal) tem julgamento marcado, nesta quarta-feira (10), sobre o prosseguimento da investigação de uma rede de disseminação de notícias falsas e ameaças a ministros da corte, o chamado inquérito das fake news.
São suspeitos de integrar o esquema deputados, empresários e blogueiros ligados ao presidente Jair Bolsonaro, que foram alvo de operação policial no último dia 27.
O inquérito foi aberto em março de 2019 como uma resposta do Supremo às crescentes críticas e ataques sofridos nas redes sociais.
Desde o início, porém, a apuração foi contestada por juristas e políticos por ter sido instaurada pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, de ofício, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República).
A escolha de Alexandre de Moraes para relatar o caso sem sorteio é outro fato questionado.
A tendência é que o plenário autorize a continuidade do inquérito. Uma ala da corte argumenta em conversas reservadas que nesta quarta-feira o STF deve apenas declarar constitucional a portaria que instaurou o inquérito.
Há outro movimento interno no tribunal, contudo, que defende atender, ao menos em parte, aos pedidos feitos pela PGR de ajustes na condução do caso.
Isso porque, apesar de entenderem que o Supremo pode iniciar uma apuração sem pedido do órgão responsável por tocar investigações, é consenso na corte que a apresentação de denúncia é competência exclusiva da procuradoria.
Assim, seria importante fazer uma sinalização em direção ao atual procurador-geral, Augusto Aras, que tem a missão de pedir ou não a abertura penal contra pessoas com foro privilegiado e de enviar ou não à primeira instância situações de cidadãos comuns.
Dependerá dele, portanto, a existência de consequências práticas aos responsáveis por atacar e ameaçar os ministros.
Desde que foi instaurado, em março de 2019, Toffoli procura o momento mais favorável para levar os questionamentos ao inquérito ao plenário sem risco de derrota.
Esta oportunidade, na visão do ministro, surgiu após o STF demonstrar uma união incomum nos bastidores para dar resposta às investidas de Bolsonaro, que criticou a operação autorizada por Moraes no último dia 27 e até ameaçou descumprir decisões da corte.
Assim, apesar de o caso ter sido alvo de duras críticas internas, a avaliação é que prevalecerá a necessidade de demonstrar força para impedir a ofensiva do chefe do Executivo.
E o conjunto de ministros julgar constitucional o ato mais contestado de sua gestão à frente do Supremo é visto por interlocutores de Toffoli como imprescindível para entregar com o comando do Supremo ao ministro Luiz Fux, em setembro, com saldo positivo.
Isso porque, a ideia do ministro é que a caça aos responsáveis por atacar o Supremo e seus integrantes fique como uma marca da sua presidência no tribunal.
Toffoli, inclusive, fez diversos movimentos nesta semana a fim de respaldar a atuação do Supremo. Primeiro, recebeu uma carta assinada por todas associações nacionais de magistrados, de integrantes do Ministério Público, da Polícia Federal e por diversas entidades da sociedade civil.
Depois, recebeu uma carta de apoio ao STF de deputados e senadores de oposição a Bolsonaro.
Assim, ficou claro que até grupos políticos críticos do inquérito das fake news passaram a apoiar a iniciativa.
Nesta quarta-feira (10), por exemplo, será julgada uma ação do partido Rede Sustentabilidade que, nove dias depois da abertura, pediu a extinção do inquérito.
Após a operação contra bolsonaristas, porém, a sigla recuou e disse que, embora tenha apresentado “inquietantes indícios antidemocráticos” no começo, a investigação “se converteu em um dos principais instrumentos de defesa da democracia”.
As contestações não partiram apenas de políticos e juristas. Quando foi instaurado, até ministros questionaram internamente a decisão de Toffoli.
O ministro Marco Aurélio chegou a fazer críticas públicas e a dizer que ou limite do presidente do tribunal diante de possíveis crimes seria “oficiar o estado acusador, que é o Ministério Público”.
Para reduzir as chances de derrota e garantir maioria, também cresceram as conversas entre os ministros sobre a melhor forma para autorizar o prosseguimento das investigações.
As articulações visam sanar vícios, reduzir questionamentos e criar um consenso mínimo sobre ajustes na condução do inquérito para assegurar a formação de maioria em favor da continuidade das apurações.
Uma ala do STF tem sustentado em conversas reservadas que, com ajustes, os ministros ficariam mais confortáveis para permitir o prosseguimento das investigações.
Um sinal nesse sentido já foi dado logo após a operação do mês passado, quando Moraes permitiu aos investigados terem acesso aos trechos dos autos que lhe dizem respeito.
Integrantes da corte interpretaram como outro gesto nesse sentido o fato de Moraes ter dado, nesta semana, acesso integral aos autos à PGR.
Ministros chegaram a defender, nos bastidores, que seria um gesto importante de Moraes anunciar no plenário, de antemão, seu impedimento para julgar futuras ações judiciais relacionadas ao caso, uma vez que participou diretamente da produção de provas.
O magistrado, porém, tem sinalizado que não fará esse movimento. O argumento é que, pela lei, o juiz só pode se declarar impedido dentro do próprio processo, e não de maneira genérica.
Outro alvo de discussão entre ministros nos bastidores é o pedido do PGR para que haja uma delimitação mais precisa do objeto das investigações.
Em memorial encaminhado ao STF, Aras criticou o que chamou de “exorbitância” em relação ao alvo das investigações.
Segundo o PGR, o inquérito, que já ultrapassou 6 mil páginas no volume principal e mais 74 apensos, tem objeto “cambiante e periodicamente modulado”.
Outra solicitação de Aras é para que o inquérito seja desmembrado. A ideia é que seja aberto um inquérito específico para apurar a afirmação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que, por ele, mandaria todo mundo para a cadeia, “começando pelo STF”.
Aras também requer a autuação de uma investigação em separado contra o chamado gabinete do ódio, citado na decisão de Moraes que autorizou a operação do dia 27.
O gabinete é tutelado e idealizado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente e suspeito de envolvimento no esquema das fake news. Três servidores da Presidência da República foram mencionados no despacho do ministro do STF.
Além do desmembramento, Aras também pediu ao Supremo que, a partir de agora, passe pelo crivo da PGR diligências como quebra de sigilo, busca e apreensão, vedação de uso de redes sociais, entre outros.
Um temor do governo é que as provas colhidas no inquérito sejam compartilhadas com as ações em curso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que pedem a cassação da chapa de Bolsonaro que teve com vice Hamilton Mourão.
Nesta terça-feira, inclusive, o Ministério Público Eleitoral se manifestou a favor de usar provas do caso em tramitação no STF na corte eleitoral.
Toffoli abriu a investigação sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, há um precedente: uma investigação aberta de ofício pela Segunda Turma da corte em 2018 para apurar o uso de algemas na transferência de Sérgio Cabral (MDB-RJ).
A investigação foi instaurada pelo próprio Supremo, quando, para críticos, deveria ter sido encaminhada para o Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.
O presidente da corte designou Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas.
Moraes pediu o bloqueio de redes de sete pessoas consideradas “suspeitas de atacar o STF”. A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonista.