Cassação da chapa bolsonarista avança no TSE
Foto: Abdias Pinheiro/ASCOM/TSE
O ministro Og Fernandes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidiu na última sexta-feira pelo compartilhamento de provas do inquérito das fake news, que está no Supremo Tribunal Federal (STF), para as ações que estão no TSE relativas à cassação da chapa presidencial, envolvendo perda de mandato do presidente Jair Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB). A permissão pelo empréstimo de provas é vista como algo que deve dar robustez às ações eleitorais, e eleva a temperatura política em Brasília.
No TSE, tramitam oito Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) sobre a chapa eleita em 2018. Quatro apuram irregularidades nos disparos de mensagens em massa pelo aplicativo WhatsApp. Duas delas tiveram julgamento na semana passada, mas o processo foi suspenso após pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, que é relator do inquérito das fake news. A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) já havia sido favorável ao compartilhamento de provas. Na época do julgamento da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer, o TSE também autorizou o compartilhamento de provas – naquele caso, com a Lava Jato.
Além das provas que já existem no inquérito das fake news, que está sob sigilo e apura ameaças, ofensas e informações falsas contra os integrantes da corte, Moraes determinou no último dia 26 a quebra de sigilo bancário e fiscal de julho de 2018 a abril deste ano de quatro empresários bolsonaristas, dentre eles o dono das lojas Havan, Luciano Hang. Pela datas, eventuais ilegalidades durante o período eleitoral poderão ser observadas.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Nuno Coelho afirma que o compartilhamento de prova tem potencial para tornar-se a questão central das ações. Para ele, as provas podem apontar ilícitos cometidos durante o processo eleitoral, ou propaganda eleitoral nas redes sociais que possa ter tido financiamento empresarial, algo vedado. O impulsionamento de materiais difamatórios também configura como ilícito eleitoral, como explicou Nuno.
“Esse inquérito (das fake news) é muito importante. Tudo leva a crer que está trazendo muitos elementos”, afirma. Ele acredita que o compartilhamento pode fortalecer a produção de provas e colocar em risco a chapa. Na decisão em que autorizou o empréstimo de provas, Og Fernandes citou que o empresário Luciano Hang é investigado tanto no inquérito do STF quanto nas ações do TSE.
As ações precisam provar não só que houve benefício da chapa em ações ilícitas, como o disparo em massa de informações falsas ou a utilização de recursos de empresas. Será preciso provar a participação direta ou indireta do presidente e o vice, ou ao menos a ciência deles. Além disso, será preciso observar o impacto disso sobre a legitimidade das eleições.
Sobre a influência das possíveis ilegalidades no resultado das eleições, o professor pontua que é uma avaliação que não pode ser feita do ponto de vista matemático, porque não é possível determinar o que levou uma pessoa a votar. “Mas a análise da experiência histórica recente mostra que essas informações de rede social têm impacto nas eleições. Então, o tribunal analisa as provas colhidas, os fatos públicos, para concluir se há capacidade de impacto da legitimidade das eleições. Estamos falando de uma chapa eleita sem tempo de TV. A sua eleição foi inteiramente devida às redes sociais, WhatsApp”, disse.
Especialista em direito eleitoral, o advogado Renato Ribeiro de Almeida ressalta que as ações não são de agora, mas sim ainda de 2018. Segundo Ribeiro, se o inquérito das fake news demonstrar que houve de fato disparos em massa de mensagens, não restaria dúvida sobre a quebra de legitimidade das eleições. “Se comprovar que usou recursos não declarados de fonte empresarial em campanha para os disparos em massa, ainda que não sejam notícias falsas, é aplicada a cassação da chapa”, observa. O advogado cita que a divulgação em massa de informações falsas durante as eleições pode ser apontada como fraude eleitoral, porque cria “estados mentais que alteram a vontade do leitor”, algo trazido na lei 9.504, que estabelece normas nas eleições.
Dentre as oito ações que estão no TSE que envolvem a cassação da chapa de Bolsonaro, existem duas investigações sobre possíveis ataques cibernéticos em um grupo de Facebook para beneficiar a campanha do presidente. As duas foram a julgamento na última semana. O grupo, “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, sofreu ataques e foi invadido por alguém que mudou o nome para “Mulheres COM Bolsonaro”, publicando material favorável ao presidente. Na época, o grupo já reunia mais de 2,7 milhões de mulheres, o que fomentou, inclusive, a criação de grupos na rede social favoráveis ao presidente para concorrer com este.
Antes da decisão de Og Fernandes, na última terça-feira, o ministro Alexandre de Moraes, que integra o TSE e o STF, pediu vistas em meio ao julgamento que analisava duas dessas ações relativas aos ataques sofridos pela página. As duas denunciam abuso eleitoral e reivindicam a cassação da chapa e a declaração de inelegibilidade. No caso da inelegibilidade, a análise é feita de cada um dos eleitos na chapa (o presidente e o vice).
Esse julgamento começou em novembro de 2019. Fernandes, que é o relator, propôs o arquivamento, mas Edson Fachin pediu vistas na época. Ao votar na última terça, no entanto, Fachin, vice-presidente do TSE, defendeu que seja feita perícia para identificar quem invadiu o grupo, algo que o relator tinha dispensado. Fachin foi acompanhado por outros dois ministros – Carlos Velloso e Tarcisio Vieira.
A proposta é que a perícia seja realizada pela Polícia Federal. Og Fernandes e Luiz Felipe Salomão foram contrários. Antes do fim do julgamento, no entanto, o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas. Não há prazo definido para que ele analise e retorno o julgamento, que ainda precisa do voto do presidente da corte, Luís Roberto Barroso, e de Moraes.
» Ações
» Estão no TSE oito Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão
» Quatro delas apontam difusão de informações falsas para atacar outros candidatos e irregularidade na contratação de serviços de disparos de mensagens em massa pelo aplicativo WhatsApp
» Duas são relativas a ataques ao grupo de Facebook “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, pontuando que se tratou de abuso eleitoral
» Uma é relativa a propagandas em outdoors colocados em pelo menos 33 municípios de 13 estados, algo que não é permitido pelas regras eleitorais
» Uma trata de uso indevido dos meios de comunicação. Já foi julgada improcedente, mas ainda precisa ser analisado recurso
Para o integrante do Tribunal Superior Eleitoral e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Og Fernandes, o elo entre o inquérito das fake news, que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), e as ações que pedem a cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro e seu vice Hamilton Mourão, em tramitação no TSE, é o empresário Luciano Hang.
O dono da rede de lojas de departamento Havan é suspeito de financiar o impulsionamento virtual de materiais contendo notícias falsas e ofensas contra as instituições democráticas, incluindo o próprio STF. A pedido do ministro Alexandre de Moraes, relator no inquérito das fake news, o empresário teve celular e documentos apreendidos, além dos sigilos fiscal e bancário quebrados no período que vai julho de 2018 a abril de 2020 – intervalo que inclui a última campanha eleitoral.
Na última sexta-feira, contrariando o Planalto, Og Fernandes admitiu que os dados obtidos nas diligências contra Hang, assim como as demais provas colhidas no âmbito inquérito das fake news, sejam compartilhados com as ações de investigação judicial eleitoral que pedem a cassação da chapa presidencial vitoriosa nas eleições de 2018.
A decisão encontra respaldo no parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, encaminhado na última terça-feira ao TSE. O vice-procurador-geral Eleitoral, Renato Brill de Góes, disse que as investigações que miram a disseminação de notícias falsas poderão vir a demonstrar a origem do financiamento das práticas abusivas e ilegais imputadas à campanha bolsonarista.
As defesas do empresário, do presidente e do vice-presidente foram derrotadas pela decisão. Os advogados atacaram o inquérito das fake news, classificado como ilegal, autoritário e contrário ao livre exercício da advocacia — as investigações passaram a sofrer forte oposição do governo após fecharem o certo contra aliados bolsonaristas. O ministro Og Fernandes, no entanto, entendeu que o julgamento sobre a constitucionalidade do inquérito cabe ao Supremo Tribunal Federal, que já analisa uma ação nesse sentido, e que o TSE não pode esperar.
Os advogados também alegaram ausência de ampla defesa na produção das provas. O ministro Og Fernandes tampouco acatou essa justificativa. Segundo ele, o objetivo principal de um inquérito é justamente colher provas que confirmem ou afastem a ocorrência e a autoria de um crime. Inquérito é investigação preliminar, de natureza pré-processual e inquisitiva, rebateu.
A estratégia final das defesas foi questionar a pertinência no compartilhamento das informações em razão, segundo os advogados, da diversidade de objetos da investigação sobre notícias falsas e ameaças contra o Supremo, de um lado, e das ações que querem anular a vitória bolsonarista via Tribunal Superior Eleitoral, de outro. Foi aí que o Og Fernandes lembrou a coincidência das suspeitas que recaem sobre a fonte do dinheiro dos dois supostos crimes.
O corregedor-geral Eleitoral registrou um despacho do ministro Alexandre de Moraes, responsável pela condução das investigações no Supremo, que destaca a suspeita da participação de empresários, do grupo autodenominado Brasil 200 Empresarial, no impulsionamento de vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes.
“Dentre os empresários investigados, que colaborariam entre si para impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes, está o nome de Luciano Hang, investigado também nestes autos”, escreveu Og Fernandes, que emendou: “portanto, é inegável que as diligências encetadas no bojo do Inquérito no 4.781/DF inquérito das fake news podem ter relação de identidade com o objeto da presente AIJE ação de investigação judicial eleitoral, em que se apura a ocorrência de atos de abuso de poder econômico e uso indevido de veículos e de meios de comunicação por suposta compra, por empresário apoiadores dos então candidatos requeridos, de pacotes de disparo em massa de mensagens falsas contra a coligação requerente, pelo aplicativo WhatsApp, durante a campanha eleitoral de 2018”.
Cabe agora a Alexandre de Moraes avaliar se, no estágio atual, os conteúdos da investigação criminal das fake news têm conexão ou não com os processos eleitorais que investigam o disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de 2018 via WhatsApp a pedido da coligação petista.
As ações movidas pelo PT, que acusam a chapa bolsonarista de abuso de poder econômico e uso indevido de veículos e meios de comunicação na campanha, miram ainda, entre outros acusados, o empresário Lindolfo Antônio Alves Neto, sócio-proprietário da Yacows, empresa contratada para prestar serviços de disparo de mensagens políticas nas campanha de 2018.