Alguns bares e restaurantes não querem abrir
Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress
A reabertura de restaurantes, bares e cafés começa nesta segunda (6) na capital paulista com o setor dividido. De um lado, negócios que precisam recuperar o hábito dos clientes comerem fora de casa e refazer um caixa abalado por três meses de fechamento. Do outro, empresários que, retraídos pela falta de previsibilidade do mercado, optaram por não abrir. A situação foi agravada pela demora na divulgação dos protocolos de segurança, feita no sábado (4) pela Prefeitura de São Paulo.
A Cia. Tradicional de Comércio, dona de casas como Astor e Lanchonete da Cidade, fez, uma semana antes da retomada, uma espécie de dramatização com a equipe para antecipar situações de risco. Depois, analisou as dúvidas para construir um roteiro de atendimento próprio, explica Ricardo Garrido, 50, sócio-fundador. “Antes, a jornada do garçom tinha dez pontos de contatos com a mesa e, agora, estamos tentando reduzir para seis. Mas queremos que o cliente não perca atendimento com isso. Esse é o desafio, calibrar hospitalidade e segurança”, diz Garrido.
Além de adotar os procedimentos recomendados como distanciamento das mesas, máscara para os funcionários e limpeza intensificada, o grupo estuda outras medidas —com um app no celular que lê o cardápio via QR code e faz o pedido por WhatsApp.
Mesmo que a retomada não traga alívio financeiro no primeiro momento, muitos estabelecimentos devem embarcar no processo para “reconquistar o cliente e recriar o hábito de ir ao restaurante”, diz Marcelo Nakagawa, professor do Insper.
Esses estabelecimentos viram sua renda despencar desde março, quando passaram a operar apenas por delivery como parte da estratégia para conter o avanço do coronavírus. A Abrasel (Associação de Bares e Restaurantes), estima que 40% dos bares e restaurantes do estado de São Paulo podem fechar em definitivo antes do fim da crise.
“O problema hoje é o fluxo de caixa [o dinheiro que entra e sai da empresa], por isso essas casas vão ter que criar uma lógica para reabrir a partir do que é servido no delivery e take away. Se não, podem comprar ingredientes e correr o risco de não vender”, diz Nakagawa.
O raciocínio faz sentido para os restaurantes Cantaloup e Loup, no Itaim Bibi, que vão abrir nesta segunda (6) oferecendo o mesmo cardápio do delivery.
“A ideia é maximizar insumos e minimizar custos. Porque um compensa o outro: se eu não tiver um presencial bom, posso usar para atender o delivery”, diz Daniel Sahagoff, 57, proprietário.
Mesmo que a entrega esteja se expandido, ela não paga os custos da operação. “Estou no limite, se ficar mais um mês fechado, eu quebro. E meus funcionários também, porque uma boa parte do que eles recebem vêm do serviço que é pago pelo consumidor no salão”, diz.
Em suas redes sociais, o Loup e o Cantaloup informam o protocolo de segurança seguido e avisam que só vão atender sob reserva. Essa comunicação com o cliente para transmitir a sensação de segurança e mostrar que o ambiente é seguro vai ser primordial para restaurantes, diz Marcelo Nakagawa, do Insper.
Entre outras medidas tomadas pelas casas, estão uso de capachos que fazem desinfecção de sapatos, medição de temperatura e precauções voltadas à equipe —todos os uniformes usados são higienizados diariamente.
“Aumentei muito meus custos com a profilaxia, com cuidados como termômetro, toten de álcool em gel. Essa reabertura vai ser um divisor de águas para ver quem consegue manter a operação”, diz Sahagoff.
Entidades criticaram a demora no anúncio do protocolo de segurança pela Prefeitura de São Paulo, feito dois dias antes da abertura. “Todo mundo precisa de previsibilidade para empreender. Além de um conjunto de incertezas, o empresário tem que conhecer o protocolo no sábado para abrir na segunda. Como se planejar se você não sabe a regra do jogo?”, diz Paulo Solmucci, da Abrasel.
“Passei o dia inteiro no telefone. Esse documento deveria ter sido assinado semana passada. Não sabia se tinha que comprar termômetro, então comprei dez. Até a parte de comunicação nas mídias sociais não consigo fazer porque não sei que horas vou abrir”, disse Edrey Momo, nesta sexta (3) à Folha. Nesta segunda (6), o empresário reabre a Padaria da Esquina e, na terça (7), a Tasca da Esquina, ambas nos Jardins.
O protocolo da prefeitura define parâmetros de segurança, higiene, atuação de equipe e até mesmo de formato de trabalho. Nele, ficou definido, por exemplo, que restaurantes de self-service, em sistema de bufê, devem ter marcações no piso onde serão formadas filas, orientando distância de 1,5 m. Além disso, também devem designar um funcionário para servir os clientes.
Ainda que as regras de segurança tenham sido discutidas há semanas com o setor, entidades afirmam que algumas definições estavam em aberto, como horário de funcionamento. Existia a expectativa de abertura em dois turnos de três horas, atendendo no almoço e jantar —a regra final define um período de até seis horas, respeitando o limite das 17h.
Com isso, segundo a Abrasel, alguns estabelecimentos como pizzarias ficam impedidos de abrir, e o faturamento dos que abrem cai —cerca de 70% da venda do setor se dá à noite, diz a entidade. “Quando você abre só durante o dia, praticamente inviabiliza o retorno”, diz Solmucci.
A reabertura pode não valer a pena para muitos estabelecimentos, porque não vai cobrir todos custos da operação, diz Gilberto Sarfati, coordenador do mestrado em gestão e competitividade da FGV.
Com a capacidade de atendimento reduzida a 40% do salão definida pelo protocolo, o faturamento das casas pode ficar comprometido a ponto de inviabilizar seu funcionamento. Também agrava a situação a decisão da prefeitura de proibir bares e restaurantes de atenderem nas calçadas. O veto aconteceu após a aglomeração em bares e restaurantes vista no Rio de Janeiro.
Mesmo com um faturamento equivalente a 25% do cenário pré-pandemia, o Quincho, casa vegetariana na Vila Madalena, decidiu não abrir. “Como todo mundo, temos muitas dúvidas. É difícil se planejar quando não se tem um comparativo e quando não se solucionou o problema. Já começa com uma série de restrições, tudo isso interfere em como a operação era conhecida antes. Existe necessidade de trazer receita para casa, mas estamos tomando muito cuidado a cada passo”, diz Mari Sciotti, 34, proprietária.
Com o faturamento do delivery, a casa consegue pagar “o básico das contas” e os salários de funcionários.
A Vinil Burguer, com lojas em Pinheiros, Jardins e Butantã, também decidiu esperar. “Ter o salão aberto vai trazer mais faturamento. E a gente ainda não chegou no break even [ponto de equilíbrio das contas] com o delivery. Mas vamos ver como serão as mudanças e o que vai acontecer, em vez de abrir e acabar frustrando tanto clientes quanto colaboradores”, diz André Tarantino, 32, sócio.