Lava Jato de SP é diferente da de Curitiba

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Foto: Nelson Antoine/Folhapress

Criada em 2017, três anos depois do início da Lava-Jato, a força-tarefa paulista da operação em nada se parece com a matriz em Curitiba. Seus procuradores não dão entrevistas, dirá coletivas com powerpoint sobre organizações criminosas travestidas de partidos políticos.

A única procuradora que, ao longo desse período, deu entrevistas foi Thaméa Danelon, afastada do caso desde que veio à tona sua adesão a um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

O Ministério Público Federal em São Paulo não fez mais do que um comunicado à imprensa em operações sensíveis como a busca e a apreensão no escritório do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha e, agora, em endereços do senador José Serra (PSDB-SP) e de sua filha, Verônica, na denúncia oferecida na sexta-feira por lavagem de dinheiro que, supostamente, envolvem propina da Odebrecht na época em que o senador governava São Paulo.

Nos comunicados, não se veem reproduzidas as ilações da turma de Curitiba. Neles se registra que a inviolabilidade dos escritórios de advocacia é pilar da democracia e o sigilo, um compromisso.

A força-tarefa paulista da Lava-Jato tampouco tem um juiz exclusivo, como acontece tanto em Curitiba quanto no Rio. A prerrogativa depende do interesse de um juiz pedir, e do Tribunal Regional Federal conceder, a liberação. A lentidão dos resultados decorre, em grande parte, da dificuldade de encontrar juízes que autorizem operações como a de sexta-feira.

Também será difícil acusar a força-tarefa paulista de avocar casos que estão fora de sua jurisdição, como aconteceu em Curitiba com os processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tem sede em São Paulo a maior parte das empresas e das instituições financeiras envolvidas na Lava-Jato. Na denúncia contra Serra não parece haver quaisquer dúvidas de que o foro é São Paulo.

Os procuradores da força-tarefa paulista pertencem à geração posterior à de Deltan Dallagnol. Têm menos de 40 anos e sua formação acadêmica já se deu sob a crítica dos excessos do lavajatismo à luz do aforismo “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente” (Lord Acton).

Agem sob a coordenação da procuradora-regional Janice Ascari, integrante de operações que marcaram a atuação do MPF, como a denúncia da operação Anaconda (venda de sentenças no judiciário paulista) e a prisão do ex-senador Luiz Estevão e do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto (desvios de verbas na construção do fórum trabalhista paulista).

Nenhuma dessas diferenças, no entanto, enfraquece a percepção de que a operação que alvejou Serra e sua família se deu num momento de busca de afirmação da Lava-Jato frente à investida da Procuradoria-Geral da República contra a operação. A percepção acabou reforçada pelas declarações do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, na sexta-feira, de que o PGR estava a perseguir os procuradores da Lava-Jato.

Na verdade, o próprio comunicado da “Operação Revoada” já o reconhece: “Em um momento de incertezas, a Força-Tarefa da Lava-jato de São Paulo reafirma seu compromisso com um trabalho técnico, isento e sereno”.

No fim de semana, Janice Ascari tuitou que os pedidos dos procuradores para a busca e apreensão ocorridos na sexta-feira haviam sido feitos à Justiça federal três semanas antes. Naquela data ainda não tinha acontecido a fatídica incursão da procuradora Lindora Araújo nos arquivos de Curitiba.

Já tramitava, porém, no conselho superior da corporação a tentativa da PGR de criar uma unidade de combate à corrupção e ao crime organizado que, subordinada ao gabinete do procurador Augusto Aras, teria acesso ao banco de dados das forças-tarefas.

Já estava em curso também as medidas para desmontar as forças-tarefas, não apenas a de Curitiba como também a de São Paulo. Pelo menos dois procuradores da operação paulista que são do interior do Estado mas estão temporariamente cedidos para a Lava-Jato já foram informados de que o pedido de prorrogação de sua permanência na capital foi negado. Em vez de um ano a mais, terão dois meses para voltar às suas bases. Uma terceira procuradora poderá continuar na forca-tarefa desde que dê conta também das atribuições da base em que está lotada.

Os procuradores esticam a corda com o PGR num momento em que Aras busca se tornar um personagem intransponível tanto para o presidente da República quanto para seus algozes no Congresso. Ele tanto impede o MPF de agir contra a pregação indiscriminada do governo federal e de seu principal mandatário contra a cloroquina quanto cumpre a pauta do desmonte da Lava-Jato que move boa parte do Congresso Nacional.

Por isso, a força-tarefa encontrou uma maneira engenhosa de driblar os muros erguidos contra a responsabilização de Serra. Em 2018, num processo relatado pelo ministro Gilmar Mendes, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal enviou o caso para a Justiça eleitoral por entender que os desvios das propinas supostamente pagas pela Odebrecht a Serra caracterizam caixa dois.

No ano passado, em nova decisão de Mendes, desta vez por liminar, a fase final do processo referente ao operador financeiro do PSDB, Paulo Vieira de Souza, foi anulada reabrindo-se prazo para a produção de novas provas pelos réus e retardando a tramitação.

O engenho do procuradores foi o de considerar que, se o desvio de verbas da Odebrecht para o Rodoanel, em São Paulo, se deu entre 2006 e 2007, estando, portanto, prescrito, a lavagem de dinheiro relativa a esta operação continuou a ser feita até 2014 por meio de empresas e contas off-shore supostamente pertencentes a José Amaro Ramos, antigo colaborador do senador, e de sua filha, Verônica.

Como Serra tem 78 anos, os prazos de prescrição caem pela metade. Se as provas oferecidas pelo MPF forem, de fato, tão robustas quanto parecem, e a denúncia for aceita, o prazo para prescrição do crime imputado a Serra passa a ser 2022. Pela idade, se culpado, o senador dificilmente viria a cumprir pena na cadeia. Como não se beneficia da prescrição reduzida, Verônica Serra, na opinião de advogados e procuradores, teria, se comprovada a denúncia, mais dificuldades de evitar uma condenação.

No ano passado, o Supremo dificultou o manejo de prazos prescricionais para evitar condenação por lavagem de dinheiro. Ao julgar o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, a primeira turma do STF considerou que lavagem de dinheiro é crime permanente.

Valor Econômico