Ninguém mais acredita em Bolsonaro
Foto: Mateus Boonomi / Estadão Conteúdo
Nesta semana, uma executiva de uma empresa farmacêutica suíça estava em “home office” numa reunião pela Internet quando sua filha de sete anos ousou quebrar todas as regras da casa e entrou em seu escritório com uma notícia: Bolsonaro está com a covid-19.
A empresária não deu bola e pensou que era mais uma tentativa de seus filhos de chamar a atenção da mãe que, por meses, apenas fala de coronavírus, tratamentos e diagnósticos.
Mas, para sua surpresa, um de seus colaboradores na reunião interrompeu a conversa e compartilhou a capa de um jornal francês com a mesma notícia de sua filha.
A reação inicial de todos: será que é verdade?
No dia seguinte, a mesma cena se repetiria na sede da ONU que, depois de meses fechada, volta timidamente a organizar suas reuniões entre embaixadores.
Num canto de uma das salas, diplomatas debatiam o assunto do dia: a doença de Bolsonaro. Entre risadas de ironia, preocupação real com o estado de saúde e alertas sobre o “recado divino”, não demoraria para que a mesma pergunta surgisse: será verdade que ele está contaminado?
Do outro lado do prédio, entre funcionários do restaurante, correio e dos serviços de limpeza, um português mostrava aos colegas um video do presidente brasileiro tomando cloroquina e sorrindo. “Esse é aquele remédio suspenso?”, brincou um deles.
Uma vez mais, a pergunta mais insiste surgiria pela expressão de uma faxineira dominicana: e se ele estiver mentindo?
Quase ninguém duvidou quando Boris Johnson anunciou que estava doente, nem quando o príncipe Charles e várias outras lideranças declararam seu status de saúde.
Eleito com base em uma mistura de meias-verdades e mentiras completas, apoiado em parte por charlatães e com um discurso populista, Bolsonaro colhe o que plantou no mundo: a repulsa e a desconfiança permanente. Até quando é verdade.
Já no ano passado, o governo francês causou a indignação de parte do Palácio do Planalto ao dizer que Bolsonaro não tinha dito a verdade sobre seus compromissos ambientais.
Hoje, o vírus disseminou essa percepção. Bolsonaro não inventou a mentira na política. Longe disso. Mas parte da estratégia de líderes populistas é a criação de uma realidade paralela. Dizer e desdizer no mesmo dia. Demitir e renomear, anunciar e cancelar. Acusar jornais de desinformar e criar seus próprios canais de disseminação de fake news.
A sistêmica destruição da relação de confiança entre governo e governados mina a democracia e a capacidade do mundo em dar resposta a uma pandemia real, incontornável e que mata.
Nesta semana, a presidente temporária da UE e chanceler da Alemanha, Angela Merkel mandou um duro recado a líderes pelo mundo que, nos últimos meses, se recusaram a aceitar a gravidade da pandemia. Para ela, a covid-19 mostrou os “limites” do populismo e do nacionalismo.
Em um discurso na qual não citou nomes, a alemã deixou claro que era o momento de a UE chegar a um acordo sobre como relançar sua economia. “Estamos vendo no momento que a pandemia não pode ser combatida com mentiras e desinformação, e nem pode ser com ódio e agitação”, disse a chanceler que, para muitos, saiu fortalecida diante da resposta que deu à crise.
“O populismo que nega os fatos está mostrando seus limites”, afirmou a alemã, arrancando aplausos no Parlamento Europeu. Ela não citou nomes. Mas seu discurso, no meio diplomático, foi interpretado como um recado a Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Na comunidade internacional, os dois presidentes passaram a ser considerados como os principais expoentes de um comportamento negacionista em relação à gravidade do vírus. Os dois países são, hoje, os que acumulam os maiores números de mortes e de casos.
Em ambos os casos, a manipulação de dados e o questionamento da ciência fizeram parte da resposta à pandemia.
“Em uma democracia, são necessários fatos e transparência. Isso distingue a Europa, e a Alemanha a defenderá durante sua presidência”, prometeu a alemã e que, antes de assumir um papel político era cientista de formação.
Desde o primeiro dia da pandemia, esse seria um teste da relação de confiança entre líderes políticos e suas populações. Seria um teste de caráter. Para cada um de nós e para os governos.
Sim, Bolsonaro está contaminado. Assim como está contaminada sua reputação pelo mundo. E, para isso, a cloroquina não será jamais a resposta.