Lava Jato diz que corrupção em SP subiu no governo Serra
Foto: Rafael Roncato
Apesar das diversas mudanças em sua formação desde que foi criada, em julho de 2017, a Lava Jato de São Paulo sempre teve como principal linha de investigação suspeitas de irregularidades que aconteceram, de forma mais intensa, na gestão do ex-governador José Serra (PSDB).
O tucano é senador eleito em 2014 e governou o estado entre 2007 e 2010, quando renunciou ao cargo para disputar a Presidência da República. Esse período de três anos e meio é relacionado à ascensão de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, na Dersa, estatal responsável pelas principais obras viárias do estado.
Desde que a Lava Jato paulista foi criada, Paulo Preto e outros auxiliares do governo Serra foram denunciados, mas o governador ficou de fora das investigações por uma série de impedimentos que incluem decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).
No último dia 3, no entanto, o Ministério Público Federal acusou o ex-governador de lavagem de dinheiro, em uma denúncia que usa como contexto as investigações que a Procuradoria tocou nesses últimos anos sobre a gestão.
Serra nega ter cometido qualquer irregularidade e diz que a acusação é ilegal e busca constrangê-lo. A denúncia ainda tem que passar pelo crivo da Justiça Federal, que irá analisar se transforma ou não o ex-governador e atual senador em réu.
Durante o governo Serra, Paulo Preto ocupou na Dersa os cargos de diretor de Relações Institucionais e, em seguida, de diretor de Engenharia.
Segundo as investigações, por um lado, ele conseguiu reduzir o valor de contratos do Rodoanel, mas sob promessas de beneficiar as empresas em outras contratações. Ao mesmo tempo, cobrou propina de 0,75% sobre as medições do anel viário, que seria destinada a políticos do PSDB.
A atuação de Paulo Preto foi marcada por um decreto editado por Serra no início da sua gestão, que determinou a reavaliação das licitações vigentes. Nesse período, o ex-diretor fez uma série de reuniões com os consórcios que ganharam a licitação do trecho sul do Rodoanel.
Em uma delas, diz uma denúncia da Lava Jato paulista de 2018, Paulo Preto “informou que a Dersa seria responsável pela licitação das várias obras municipais” e “deixou claro que, se as empresas ‘não tivessem boa vontade na renegociação dos contratos, ele [Paulo] não teria boa vontade com as empresas no novo pacote de obras'”.
Na denúncia contra Serra, a Procuradoria diz que, entre outros motivos, empresas transferiram recursos para contas ligadas ao político para “minorar o impacto desses decretos” e também para “o não oferecimento de dificuldades no curso da execução da mesma obra”.
Só a Odebrecht, diz a denúncia contra Serra, pagou ao tucano “cerca de R$ 4,5 milhões entre 2006 e 2007, supostamente para fazer frente a gastos de suas campanhas no governo do estado de São Paulo, e cerca de R$ 23,3 milhões entre 2009 e 2010, em contrapartida à liberação de créditos havidos junto à Dersa, no valor total atualizado de R$ 191.590.000,00”.
Das 13 ações apresentadas até agora pela Lava Jato paulista, entre denúncias criminais e ações civis por suspeita de improbidade, seis estão relacionadas com o trecho sul do Rodoanel, que foi inaugurado no fim da gestão Serra.
Ainda que parte delas aponte suspeitas de irregularidades em períodos anteriores e posteriores ao governo Serra, os relatos estão concentrados principalmente em pagamentos e transferências feitos durante a gestão ou pouco antes da eleição do tucano.
Há também outras ações que se relacionam com o Governo de São Paulo no período. É o caso da denúncia de corrupção oriunda da delação do ex-diretor do Metrô Sérgio Brasil, apresentada em agosto do ano passado. As supostas irregularidades vão de 2004 a 2014.
Os investigadores também veem como uma continuidade do esquema iniciado por Paulo Preto as suspeitas de fraudes apontadas na Operação Pedra no Caminho, que investigou a obra do trecho norte do Rodoanel —cujas obras foram iniciadas em 2013, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB).
Quando a Lava Jato de São Paulo foi formada, as regras a respeito do foro especial eram mais amplas, e Serra, que é senador, não poderia ser investigado na primeira instância.
As supostas condutas apontadas nas delações, porém, dizem respeito ao período em que ele estava na Prefeitura de São Paulo ou no governo paulista.
As apurações eram tocadas no âmbito do Supremo, junto a fatos que ligavam o ex-governador a Paulo Preto.
Em maio de 2018, o Supremo restringiu o foro especial, e as investigações sobre o tucano puderam voltar para São Paulo. No entanto, a decisão sobre o encaminhamento dos autos só foi tomada em agosto, e ainda assim, foi decidido que eles iriam para a Justiça Eleitoral.
À época, a turma do STF também decidiu, por 4 votos a 1, que fatos anteriores a agosto de 2010 investigados nesse inquérito prescreveram em relação a Serra. Conforme o voto do ministro Gilmar Mendes, como Serra tinha mais de 70 anos (hoje ele tem 78), eventuais crimes atribuídos a ele nessa época estavam prescritos.
Só agora, em 2020, o Ministério Público Federal concluiu uma denúncia que encontrou saída para acusar o ex-governador sem desrespeitar a decisão do STF: a partir de uma movimentação bancária feita em 2014 em uma conta atribuída à filha de Serra, os procuradores entenderam que o tucano praticou lavagem de dinheiro.
A acusação foi criticada pela defesa do senador, que dizia que a questão é de responsabilidade da Justiça Eleitoral.
Em resposta, os procuradores afirmaram em adendo à denúncia que não há “quaisquer indicativos de que tais montantes de propina tenham sido efetivamente aplicados em campanhas”, porque os valores foram “mantidos externalizados por período que prolongou-se muito além do término dos períodos eleitorais”.
Atualmente, Paulo Preto está em prisão domiciliar e nega ter cometido qualquer irregularidade.
No último dia 3, quando foi denunciado e também foi alvo de busca e apreensão, Serra afirmou por meio de nota que houve “busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação”.
“É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República.”
“O senador José Serra reforça a licitude dos seus atos e a integridade que sempre permeou sua vida pública. Ele mantém sua confiança na Justiça brasileira, esperando que os fatos sejam esclarecidos e as arbitrariedades cometidas devidamente apuradas”, acrescentou.