Presidente da Palmares cria cabide de empregos
Foto: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO
Dois parentes de funcionários subordinados ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, conseguiram ocupar cargos na Fundação Palmares em prática que se assemelha a uma espécie de “nepotismo cruzado”. Em reunião fechada com auxiliares, no fim de abril, o presidente da fundação, Sérgio Camargo, admitiu ter recebido o pedido do chefe de gabinete do ministro, Hercy Ayres Rodrigues Filho, “a título de favor”. Camargo afirmou que atenderia a demanda porque precisaria da “ajuda” dos dois.
“O ministro Marcelo Álvaro me pediu um cargo e o chefe de gabinete dele me pediu outro. O Marcelo quer um DAS 2 (Direção e Assessoramento Superior de nível dois) e o Hercy quer um cargo terceirizado”, disse o presidente da Palmares a servidores, de acordo com relatos obtidos pelo Estadão/Broadcast, durante reunião ocorrida no dia 24 de abril, por volta de 13h30.
A contratação de parentes por influência de autoridades é definida como nepotismo. Quando há nomeações de parentes e expectativa de troca de favor ou vantagens políticas entre agentes públicos, o caso pode ser configurado como “nepotismo cruzado” ou indireto. Embora indicações de pessoas da mesma família, até terceiro grau, sejam vedadas na administração direta e indireta, a lei não é clara sobre cargos terceirizados.
A Fundação Palmares é subordinada ao Ministério do Turismo. Na conversa, Camargo afirmou que não havia falado diretamente com Álvaro Antônio, mas com Hercy, de quem ouviu a solicitação. Mesmo assim, chamou as indicações de “cargos do ministro” em mais de uma ocasião.
“Uma é parente do Hercy, a outra acho que é parente do ministro ou é ente. E tem que manter isso. É chato, mas tem que manter porque eu preciso deles. (…) Eles pediram (as indicações) a título de favor”, contou.
Camargo expôs ali, com todas as letras, como seria a “manobra” para contratar as duas apadrinhadas por meio de empresa terceirizada, uma vez que, segundo ele, os outros cargos em comissão já teriam sido preenchidos. O cargo DAS 2, sobre o qual o ministro teria interesse, possui salário de R$ 3,4 mil.
A expectativa do presidente da Palmares de obter algo em troca ficou evidente na reunião e por mais de uma vez ele mencionou a necessidade de ajuda. “Não sou obrigado a contratar ninguém que eles indiquem, mas, se eu precisar de uma ajuda deles… Vou precisar de uma mudança (possivelmente se referindo à mudança de prédio da Palmares), vou precisar de um monte de coisa. Então, não é que eles vão negar, mas não vai ter aquela presteza, aquela agilidade, as coisas vão ficar mais lentas”, avaliou Camargo. “Devem ser pessoas que perderam emprego nessa crise e eles estão querendo ajudar (…). Não é cargo político”.
Em 7 de maio, Flávia Melo Braga Rodrigues, casada com Hugo Leonardo Rodrigues, sobrinho do chefe de gabinete do ministro do Turismo, foi contratada como terceirizada da Fundação Palmares. Flávia atua na área financeira da instituição. No mesmo dia, Bianca Aparecida Marchiori Thimoteo Alves ganhou o cargo de auxiliar de gabinete da fundação. Bianca é mulher do servidor Isac Caldeira de Sá, que coordena a agenda de Álvaro Antônio.
O apadrinhamento e o “toma lá, dá cá” sempre foram criticados pelo presidente Jair Bolsonaro, mas o modelo é mantido em seu governo. Dois dias antes da reunião em que tratou dos pedidos para as indicações, Camargo publicou um post em uma rede social no qual destacava a prioridade dada a “direitistas” com “alta qualificação” nas nomeações da Palmares. “Há quem leve esquerdistas para dentro do governo Bolsonaro. Eu faço a coisa certa. Tiro esquerdistas, nomeio direitistas! Todos com alta qualificação”, escreveu ele, em 22 de abril.
Mais tarde, em 30 de abril, Camargo classificou o movimento negro como “escória maldita”, que abriga “vagabundos”, e chamou Zumbi dos Palmares de “filho da puta que escravizava pretos”, como revelou o Estadão. Além disso, manifestou desprezo pela agenda da Consciência Negra, se referiu a uma mãe de santo como “macumbeira” e disse que não daria um centavo para terreiros. Por causa dessas afirmações, ele é alvo de inquéritos no Ministério Público, acusado de improbidade administrativa, racismo e discriminação.
A empresa R7 Facilities confirmou que Flávia e Bianca foram contratadas como terceirizadas da Fundação Palmares. Questionada sobre as indicações, uma funcionária da companhia que se apresentou como “preposto” da Palmares disse que retornaria o contato depois, o que não ocorreu. No dia seguinte, o Estadão ligou novamente e a empresa afirmou que não comentaria o caso.
O nome fantasia da R7 Facilities é Grupo Service. A firma mantém contratos com várias repartições do governo. No caso da Fundação Palmares, o contrato foi fechado em dezembro de 2018, no fim do governo de Michel Temer, com valor mensal de R$ 261.615,00. As contratações envolviam serviços de copa, apoio de gabinete, assistentes e técnico de comunicação. Em janeiro deste ano foi feito um aditivo ao contrato para mudar a razão social da empresa e alterar a remuneração para R$ 266.904, 32 mensais – R$ 3,2 milhões por ano.
Presidente da fundação diz ter recebido currículos
O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, admitiu ter recebido indicações para cargos na instituição, que é subordinada ao Ministério do Turismo. Em nota, a assessoria de Camargo afirmou que ele “recebeu currículos para a Fundação e encaminhou à área responsável, como de praxe”.
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, disse, por sua vez, que “jamais” solicitou a contratação de funcionários pela Fundação Palmares. “Eventuais indicações de pessoas ligadas a servidores do ministério não tiveram seu conhecimento”, disse a assessoria de Álvaro Antônio.
Procurada, Flávia Melo Braga Rodrigues confirmou, por telefone, trabalhar para a empresa que presta serviços para a Fundação Palmares. Questionada sobre a indicação e o fato de ser casada com Hugo Leonardo Rodrigues, sobrinho do chefe de gabinete Hercy Ayres Rodrigues Filho, Flávia respondeu que “sim”. Em seguida, ao ouvir que a informação fora transmitida pelo presidente da Palmares em reunião e, ainda, que haveria uma reportagem sobre o assunto, ela se calou.
Diante da pergunta sobre como chegou à empresa em que foi contratada, Flávia desligou o telefone. O Estadão também procurou Bianca Aparecida Marchiori Thimoteo Alvares, Isac Caldeira de Sá e Hercy, mas eles não foram localizados.