“Professor tem que ser como médico”, diz especialista em educação

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Foto: Arquivo Pessoal/VEJA.com

A pandemia do novo coronavírus afetou mais de 1 bilhão de estudantes, que tiveram suas escolas fechadas, em 160 países. Aos poucos, com a retomada da economia, as autoridades começam a agendar o retorno às salas de aulas. Manaus foi a capital pioneira na retomada e recebeu os alunos no início de agosto – em São Paulo, as aulas devem retornar apenas em setembro. Para Sandro Bonás, CEO da Conexia Educação – empresa de soluções educacionais que atua em 400 escolas do ensino básico em todo território nacional – é hora de se reinventar. Em entrevista a Veja, o especialista em educação acredita que as instituições mais resistentes à desconstrução do ensino convencional não resistirão e é categórico ao afirmar que voltar ao ensino tradicional, depois da temporada de aulas online, é retrocesso.

Passado o susto inicial do impacto da pandemia na educação, como fica o ano letivo? Do ponto de vista legal, o Conselho Nacional de Educação (CNE) flexibilizou o conteúdo programático, de modo que o que não for aprendido em 2020 pode ficar para 2021. Isto posto, é preciso lembrar que cada aluno tem seu ritmo e cada escola ou cidade sofreu um impacto diferente. Não podemos esperar para avaliar o estudante em dezembro e dizer que se ele passou ou não passou. É hora de esquecer a nota e identificar as falhas de aprendizagem de modo individual.

Como garantir que os alunos aprenderam o suficiente? É preciso que o diagnóstico seja feito a cada semana, para que o professor saiba recomendar os próximos passos. No mundo pós-coronavírus, o professor será como um médico. Antigamente, a escola “receitava” o remédio sem saber a doença: era o mesmo para todos os alunos na sala de aula. Agora, com cada aluno em casa, é preciso fazer diagnósticos específicos e passar o remédio adequado para cada necessidade.

Pode nos dar um exemplo prático de isso funciona? Na plataforma AZ, da Connexia, fazemos um mix entre aula ao vivo e “auto estudo”. Assim, além de assistir às aulas, o aluno faz uma folha semanal de exercícios. A partir disso, identificamos quais habilidades foram desenvolvidas ou não e recomendamos vídeos sobre os temas dos quais eles têm dúvidas. Assim, ele pode estudar sozinho e corrigir o que não desenvolveu. Assim, a aula segue a programação natural e tem o contraturno personalizado.

Como a tecnologia pode contribuir com a educação pós-pandemia? Em primeiro lugar, é preciso acabar com a ideia de que a inteligência artificial vai tirar o emprego dos professores. Ao contrário, ela lhes dará ainda mais poder. Se não for preciso tirar a mesma dúvida várias vezes ao dia – porque as resoluções estão no aplicativo – sobra tempo para que o professor analise os estudantes para além das notas, atentando-se para questões emocionais, relações familiares, planos de carreira, entre outras. Não basta colocar um monte de gadgets nas mãos dos alunos só para atrair matrícula.

As escolas estão preparadas para fechar e reabrir sempre que necessário? Algumas sim. Na maior parte, entretanto, há muito improviso. Vemos muitos professores falando com alunos no WhatsApp, o que expõe as crianças a riscos gigantescos de assédio. Boa educação exige supervisão e de monitoramento. Nem todo dono está a fim de desconstruir sua escola, mas é um fato: quem não se adaptar, vai quebrar.

Alguns pais estão penando com o ensino remoto. Como tornar a mudança menos traumática? Há algumas coisas simples que não foram adotadas pelas escolas. Eu brinco que digital é menos uma questão tecnologia e mais de modo de pensar. A vantagem do digital é a personalização. Por exemplo: algumas escolas passaram a dar aulas de educação infantil às sete da noite, porque era o horário que os pais tinham livre, e funcionou super bem – algumas até ganharam mais alunos.

Quais erros devem ser evitados? A adoção do digital como sinônimo de síncrono, como se fosse uma cópia do presencial. Por conta da pressão para reduzir as mensalidades, muitas escolas privadas passaram a transmitir as aulas online como forma de garantir aos pais que os alunos estavam aprendendo. É como se houvesse um acordo entre as partes: o pai continua pagando e o filho não lhe dá trabalho. Ocorre que a escola do futuro deve estar focada no aprendizado, e não no ensino. Em outras palavras, não adianta passar todo o conteúdo sem que o aluno o esteja assimilando. Além disso, é fundamental que a escola não se afaste da família, para evitar que se crie um clima de “nós contra eles”.

Será possível voltar para um ensino tradicional depois da temporada de aulas online? Seria um retrocesso. Não só por conta das aulas online, mas por conta da urgência de se focar em outro conteúdo. Para as crianças que voltarem para as escolas, por exemplo, será importante analisar o histórico da família com relação à Covid, quanto tempo a criança ficou longe dos amigos, como passou por esse período. Será importante cuidar da socialização e das questões socioemocionais. Países como Finlândia, Dinamarca e Canadá, mostram que as soft-skills — trabalho em grupo, liderança, pensamento crítico – são essenciais. E essas habilidades só se desenvolvem com essa ação do estudante: ele tem que fazer. Por isso, não podemos pensar no digital apenas como uma redução de custos. Os alunos têm que ser parte ativa no processo de aprendizagem.

Veja