PF prepara acusações contra Bolsonaro
Foto: Agência O Globo
A Polícia Federal traçou um cronograma sobre os possíveis interesses e tentativas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na corporação, para embasar o inquérito que apura se o presidente cometeu algum crime ao trocar a direção-geral da PF. A investigação foi aberta em abril, após pedido de demissão do então ministro da Justiça Sergio Moro, que acusou Bolsonaro de querer interferir indevidamente no órgão para frear investigações contra aliados.
O relatório, de 57 páginas, elenca como fatos relevantes nessa cronologia a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no Ministério Público do Rio sobre o esquema de “rachadinha” em seu gabinete, o inquérito eleitoral sobre suposta lavagem de dinheiro de Flávio Bolsonaro que tramitou na PF do Rio, a citação indevida ao deputado Hélio Negão (PSL-RJ) em um inquérito da PF do Rio e a preocupação com o inquérito das fake news em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). A PF não lança uma conclusão nem estabelece uma relação direta entre esses fatos e as tentativas de troca do superintende da PF do Rio e da direção-geral da PF.
“Trata-se de construção narrativa e cronológica de fatos conhecidos através de fontes abertas e fontes sigilosas (de acesso à Investigação) acerca do Presidente Jair Messias Bolsonaro e movimentações político-administrativas em seu governo. O objetivo é fornecer elementos necessários e suficientes para a Autoridade Policial embasar, caso assim entenda, decisões em investigação existente na Polícia Federal sobre a temática. A sequência de fatos colacionados neste Relatório foi selecionada de acordo com a relevância de cada evento para a construção de linha do tempo, de forma a expandir a didática dos acontecimentos narrados e demonstrar, ou ao menos intencionar demonstrar, uma cadeia de motivações para cada evento”, diz o relatório.
O primeiro fato citado é a comunicação, feita pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sobre movimentações financeiras suspeitas envolvendo o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e de outros deputados estaduais. Esse relatório do Coaf foi que revelou transações em valor milionário e atípico do então assessor Fabrício Queiroz.
O material cita ainda um relatório da PF do Rio de abril de 2019 no qual o nome de Hélio Negão surgiu indevidamente. Nos bastidores, esse caso é citado como um dos motivos da irritação de Bolsonaro com a Superintendência do Rio, que motivou pressões para a troca de comando em agosto do ano passado. Essa foi a primeira tentativa de interferência do presidente apontada por Moro. ” Em investigação acerca de crimes previdenciários, o Delegado de Polícia Federal Leonardo de Sousa Gomes Tavares suscitou diligências com o fito de identificar se a pessoa de ‘Hélio Negão’ que constava em suas investigações tratava-se de Hélio Fernando Barbosa Lopes, eleito deputado federal em 2018 e forte apoiador político da família Bolsonaro”, cita a PF.
A diligência concluiu que não era Hélio Negão, mas a sua citação no relatório foi vista nos bastidores como uma tentativa de desgastar o então superintendente da PF do Rio Ricardo Saadi. Bolsonaro anunciou a saída de Saadi do cargo em um pronunciamento à imprensa em agosto de 2019, que gerou sua primeira crise com a corporação.
O relatório também destaca diversas declarações de Bolsonaro sobre sua intenção de interferir na PF, a começar pelo dia 15 de agosto, quando ele anunciou na saída do Palácio da Alvorada que trocaria o superintendente da PF do Rio. O assunto também foi abordado no dia seguinte e é citado pela PF. “Em coletiva na manhã do dia 16 de agosto, os jornalistas indagaram o Presidente acerca do Delegado Carlos Henrique para o cargo de Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, eis que o Presidente responde: ‘Carlos Henrique Sousa, não, pelo que fiquei sabendo é um que tá em Manaus’. Quando informado que a nota à imprensa da Polícia Federal já indicava o substituto, o presidente continua: “O que fiquei sabendo… se ele (Moro) resolver mudar, tem que falar comigo, quem manda sou eu, deixar bem claro… Dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo o que está pré-acertado, seria o lá de Manaus”.
O relatório cita nova declaração de Bolsonaro nesse sentido no dia 21 de agosto. “Quando do discurso no Congresso Aço Brasil, que ocorreu nesta data em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro mencionou ações da imprensa que indicariam interferência na Polícia Federal. Em uma de suas falas, ele ressalta ‘Fui eleito para interferir mesmo'”.
Uma das próximas diligências da investigação será tomar o depoimento de Bolsonaro. A PF aguarda definição do ministro Celso de Mello sobre se esse depoimento ocorrerá de forma presencial ou por escrito, para dar prosseguimento ao caso.