Geração do radicalismo político chega à sua primeira eleição

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Foto: Rodolfo Buhrer/Estadão

João, Ana Júlia, Enzo e Pedro não vão perder a primeira chance que têm de tentar conquistar uma vaga nas Câmaras Municipais de suas cidades. Os quatro estarão entre os candidatos mais jovens da eleição deste ano, o grupo de 18 a 20 anos. Nascidos no século 21, eles integram a chamada Geração Z, que fará em novembro sua estreia nas urnas.

Fortemente influenciados pelo turbilhão político que o Brasil vivencia desde 2013, eles não apontam como suas principais referências os protagonistas desta época, como presidentes, governadores ou líderes de partido, mas sim seus colegas de militância, de rua ou de redes sociais.

Apesar das origens e visões políticas diversas – do movimento estudantil à influência familiar e de grupos de renovação, à esquerda e à direita –, convergem em diversos pontos: não se sentem representados por quem faz hoje a política municipal, veem sua condição de “nativos digitais” como trunfo para a campanha online e, principalmente, demonstram pressa: “A gente pensa que o jovem é o futuro, mas o futuro se faz agora. O jovem é o presente”, diz o estudante de Ciências Sociais João Viana (Cidadania), de 19 anos, que será candidato a vereador em São Bernardo do Campo, em São Paulo.

“É uma geração que cresceu informada de que a política tradicional está fadada ao fracasso, como mostrou a Operação Lava Jato”, diz a mestre em Ciência Política Luciana Ramos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “São jovens que foram criados com a ideia de que tinham que fazer algo diferente, por isso não é uma geração que reverencia imagens públicas antigas, que carregam uma simbologia pronta.”

João Viana percebeu que gostava de política discutindo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no Facebook, em 2016. Foi aí que se animou. Estudou democracia, políticas públicas e se associou a movimentos de renovação, como o Acredito e o RenovaBR, principais motores de sua candidatura neste ano. Sua principal aposta é no voto jovem de quem o acompanha em redes como o TikTok e o Instagram. Por lá, ele criou um quadro para explicar como funciona a Câmara Municipal e o que tem sido feito na Casa. Batizou de “João e a Câmara Secreta”, em referência ao livro e filme Harry Potter e a Câmara Secreta, de grande apelo entre seus seguidores. “Temos a vantagem de ser uma geração que já estava próxima das pessoas que nos seguem”, diz.

 

A estratégia é semelhante à da estudante de Filosofia e Direito Ana Júlia Ribeiro, que tentará uma vaga na Câmara de Curitiba. A jovem de 20 anos é a principal aposta da Juventude do PT no Paraná. Ana ficou conhecida em 2016, quando discursou no plenário da Assembleia Legislativa do Estado em defesa das ocupações estudantis em escolas públicas. O vídeo viralizou. Os alunos se posicionavam contra o teto de gastos e a reforma do Ensino Médio, que tinham sido recém-anunciadas pelo presidente Michel Temer (MDB).

Filha de ex-militantes do PT, Ana conta que foi estimulada desde cedo a pensar sobre política: “É um tema que sempre gostei de debater e, de vez em quando, brigar”. Nas redes, aposta em seu potencial de influenciadora, já testado durante as ocupações. Para além dos temas de campanha abordados em lives até com pessoas de outros partidos, Ana tem retratado seu dia a dia de forma bem-humorada, publicando dicas de filmes e livros e até ensinando como abrir uma garrafa de vinho sem um saca-rolha. “É um estilo natural. Se não for assim, quem me conhece falaria ‘essa não é a Ana Júlia’. E de qualquer forma a política participativa não é construída em base de likes e RTs (retuítes). A plataforma é um instrumento para se aproximar.”

 

O número de candidaturas jovens tem crescido no Brasil, mas nas últimas quatro eleições municipais a faixa dos 18 a 20 anos não chegou a representar nem 1% do total de candidaturas. Passou de 2,7 mil candidatos em 2004 para quase 3 mil na eleição seguinte, chegando a 4,2 mil em 2012 e 4,6 mil na última eleição. Em 2020, o total parcial é de 3,8 mil.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem feito campanhas para incentivar a participação de jovens na política, do voto a partir dos 16 anos até as candidaturas. A idade mínima para se candidatar a vereador no Brasil é 18 anos, e pelo menos 21 para os cargos de prefeito, vice-prefeito, deputado estadual, federal ou distrital.

“A representação nas Casas legislativas é de pessoas mais velhas, com ampla experiência na política e que estão acostumadas a fazer uma política tradicional”, diz a pesquisadora da FGV. “Jovens, assim como mulheres e pessoas negras, trazem outras perspectivas, outra visão.”

A influência da família tem sido a principal linha condutora da campanha do gaúcho Enzo Fontana de Melo (MDB), de 18 anos, até aqui. Candidato em Santa Rosa, no interior do Estado, o estudante de Ensino Médio tem se associado a figuras do partido por quem seus pais já trabalharam em campanhas passadas. É o caso do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, que foi prefeito de Santa Rosa, e o ex-governador gaúcho Germano Rigotto. Os dois já apareceram em lives nas redes sociais de Enzo falando de temas que vão do jovem na política a impostos.

 

“Eu estava dentro da barriga da minha mãe na comemoração da eleição de Rigotto (para o governo gaúcho) em 2002”, conta o jovem. “Eu sempre estive dentro da política, participei de campanhas, dormia em comitês quando era pequeno.” Enzo é associado ao movimento Livres e ex-aluno do RenovaBR. “Vejo a democracia como a miscigenação de ideias e pensamentos. E a política como vocação, não profissão. Sonho em ser prefeito.”

O estudante de Pedagogia Pedro Gorki (PCdoB), de 19 anos, também credita seu interesse por política à família – em 2016, a mãe Carla Tatiane foi candidata a vice-prefeita de Natal, no Rio Grande do Norte, onde ele tentará ser vereador -, mas sua trajetória está mais ligada ao movimento estudantil.

Pedro foi presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e, no ano passado, liderou movimentos contra a política educacional do governo de Jair Bolsonaro. Sua pré-campanha para a Câmara já conta com site oficial, plataforma de financiamento coletivo e vídeos produzidos com estética de documentário, contando a trajetória de militância do candidato e entrevistando natalenses. “Por ser desta geração, minha tarefa é humanizar as redes. Queremos olhar para o internauta como cidadão, não como número. As redes são um espaço para o exercício da cidadania.”

Estadão