Ex-ministro do STF defende Marco Aurélio
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto comentou nesta segunda-feira, 19, em entrevista ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, sobre a polêmica decisão do ministro Marco Aurélio Mello de soltar André do Rap, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Na decisão, Mello defendeu que havia um ato ilegal na manutenção da prisão do traficante e, por isso, concedeu o habeas corpus. “Eu apliquei a lei porque o processo não tem capa, mas conteúdo. Eu não crio o critério de plantão, sou um guarda da Constituição”, justificou. Embora não tenha dito se achou a decisão errada, Ayres Britto afirmou que, para ele, o “processo tem capa e tem conteúdo”. Porém, defendeu que a sentença foi “fundamentada”. O jurista, advogado, magistrado, professor e poeta brasileiro foi sabatinado por Augusto Nunes, apresentador do programa, pela jornalista Lega Nagle, pelo apresentador do Os Pingos Nos Is, Vitor Brown, pela apresentadora do programa Tá Explicado da Jovem Pan, Livia Zanolini, e por Paulo Mathias, comentarista do site da Jovem Pan e apresentador dos programas Morning Show e 3 em 1.
No último dia 14, o plenário formou maioria a favor da decisão do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que derrubou a liminar concedida pelo relator, ministro Marco Aurélio. “No caso do André do Rap, a fatuidade mostra que já havia até uma condenação em segunda instância. Não posso considerar que o STF errou porque a decisão final foi de referendar a decisão do Fux que tirou a liminar do Marco Aurélio. Mas não se pode crucificar nenhum ministro ou autoridade judiciária que decide o contrário fundamentando a sua decisão, porque isso é o que diz a Constituição. A decisão do ministro foi fundamentada, pública e defendida na oralidade com todo o vigor”, disse Ayres Britto. Ele elogiou, ainda, Marco Aurélio, afirmando que é um “senhor ministro”, com uma “inteligência aguda” e com uma história de vida notável. No entanto, pontuou que isso não o torna “cognitivamente infalível”. “Eu também já devo ter cometido equívocos de ordem técnica, tanto que decisões e liminares minhas não foram referendadas e votos meus não foram chancelados pelo STF”, afirmou. “Porém, para mim o processo tem capa e tem conteúdo. Mas ele quis metaforicamente dizer que foi imparcial”, complementou o jurista.
Na última sexta-feira, 16, o novo presidente do STF, Luiz Fux, decidiu que a Corte não pode mais ser marcada por decisões monocráticas, e reforçou a importância da própria determinação, tomada na semana anterior, de levar ao plenário ações penais. Na visão de Ayres Britto, as decisões monocráticas são “necessárias e legais pelo volume de trabalho e ações que ficam sob julgamento do Supremo”. No entanto, ele argumenta que devem ser somente aquelas que apenas confirmam a jurisdição da Corte. “Quando forem decisões monocráticas que tem relação com outros poderes, é bom que de imediato sejam submetidas à Corte, assim como aquelas de matéria sensível, como direitos fundamentais que não encontram receptividade no seio da sociedade, que já sabemos que serão contra majoritárias”, disse.
Quando fazia parte do Supremo, o ex-ministro, indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi relator de processos polêmicos, como a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, o reconhecimento da união homoafetiva, e a homologação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. De acordo com ele, o STF tem, atualmente, continuado nessa linha de aprovar decisões que vão contra o pensamento da maioria, além de “ter tido a coragem” de assumir posturas que contrariam “a vontade de parcelas supremacistas e influentes da população”. “Esse STF do Brasil tem acertado elogiosamente no atacado do que é fundamental para o espírito da Constituição”, disse. “Se eu for analisar todos os ministros hoje, sem forçação de barra, eu atesto a notabilidade de todos. Entendo que eles estão à altura do cargo”, afirmou.
Nos últimos meses, a Corte tem sido alvo de protestos e críticas, principalmente de grupos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. O polêmico inquérito das fake news, instaurado pelo ministro Alexandre de Moraes, que apura a disseminação de conteúdo falso na internet e ameaças a ministros do tribunal, culminou na censura e até mesmo prisão de apoiadores do presidente. Para Ayres Britto, hoje o STF está “muito mais visível”, principalmente devido à transmissão das sessões de votação ao vivo pela TV Justiça. “A visibilidade do poder tinha que chegar. Estamos aos poucos expurgando a ideia do bastidor. Mas ameaçar até fisicamente o STF em suas instalações físicas, além da integridade dos ministros, é um atentado enlouquecido à Constituição”, disse. O professor se colocou contra, no entanto, à criticada licitação orçada em mais de R$ 400 mil, que prevê refeições com medalhões de lagostas, vinhos e espumantes premiados em eventos do Supremo. “Não faz meu estilo, não me soa bem. Não conheço as particularidades e circunstâncias, mas em tese não me parece um bom exemplo”, criticou. Ayres Britto afirmou, por fim, que a Operação Lava Jato, apesar de ter um saldo “altamente favorável”, cometeu alguns excessos. “A Lava Jato aqui e ali ‘pulou a cerca’. O saldo é altamente favorável e era necessária, mas houve transbordamento”, finalizou.