Os desafios de Boulos

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Foto: Kaio Lakaio/VEJA

É inegável que Guilherme Boulos sairá como o grande vencedor destas eleições municipais. Mesmo que perca a disputa de segundo turno na cidade de São Paulo para o prefeito Bruno Covas (PSDB), o candidato do PSOL superou projeções de pesquisas e alcançou 20,24% dos votos válidos na disputa, quatro pontos percentuais a mais do que os institutos apontavam que ele teria. Do ponto de vista eleitoral, a campanha foi um sucesso até aqui, mas os desafios para a etapa decisiva da votação tendem a ser maiores do que os enfrentados até agora.

Boulos recebeu no primeiro turno pouco mais de 1 milhão de votos. Um número expressivo, ainda mais se for comparado ao rendimento que o candidato do PSOL teve no país todo em 2018, quando disputou a Presidência da República. Na ocasião, ele terminou a corrida com 617 mil votos em todo o país, o pior rendimento de um político que disputou o cargo pelo partido de esquerda. Na cidade de São Paulo, Boulos recebeu 187.451 votos no pleito realizado há dois anos.

Os números expressivos não vieram por acaso. Num ano de pandemia, em que as campanhas políticas ocorreram em sua maioria no campo virtual, Boulos soube utilizar as redes sociais com maestria. Na véspera da eleição, ele foi o candidato à prefeitura da cidade com o nome mais buscado no Google. Entre 4 de agosto e 13 de novembro, Boulos gastou 153.614 reais para impulsionar postagens no Facebook. A atenção dada às redes sociais fez com que a popularidade dele disparasse entre os jovens paulistanos.

O comparecimento dos jovens às urnas foi outro fator que ajudou Boulos. Em razão da pandemia de Covid-19, a abstenção cresceu para 29,3% em São Paulo, provavelmente impulsionado por pessoas que se encontram em grupos de risco ou não quiseram se expor ao vírus. Os índices prejudicaram o PSDB, cujo eleitorado é tradicionalmente mais velho na cidade. Covas, que apresentava crescimento nas pesquisas, pontuou 32,9% no primeiro turno.

Boulos também soube explorar bem a figura de sua vice, a ex-prefeita Luiza Erundina, que aos 85 anos mantém capital político considerável na cidade. Erundina norteou as propagandas do candidato e participou fisicamente da reta final da campanha, indo aos redutos eleitorais na carroceria de uma caminhonete e protegida por uma barreira de acrílico para impedir que ela fosse contaminada pela Covid-19.

Por fim, Boulos é uma figura carismática e que sabe criar frases de efeito capazes de viralizar na internet. A defesa pelo acesso à moradia e o discurso contra as desigualdades sociais foram marcantes num ano em que a maior parte da população brasileira perdeu renda em função da crise econômica provocada pela pandemia.

O candidato do PSOL por muito tempo foi conhecido como a principal liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que realiza ocupações em terrenos e prédios abandonados para pressionar os governos a tomarem medidas contra o deficit habitacional das cidades. A atuação no movimento lhe rendeu epítetos desabonadores, com acusações de que ele era um “radical” que organizava “invasões” por ser contra a propriedade privada. Agora, precisando virar votos a seu favor, o candidato terá de mostrar traquejo para conquistar um eleitorado pouco afeito aos métodos de atuação do MTST.

Outro empecilho para Boulos conquistar um eleitorado não cativo é a relação próxima com o ex-presidente Lula. O candidato do PSOL era uma das lideranças presentes no sindicato dos metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, no dia em que o petista teve de se entregar à Polícia Federal para cumprir pena pela condenação no processo do tríplex do Guarujá. Nos bastidores, Lula manifestou no passado que gostaria de ter Boulos entre os quadros do PT — o PSOL nasceu a partir de uma dissidência da sigla. A favor de Boulos, porém, está o fato de que a rejeição a Lula em São Paulo é menor do que a manifestada contra o governador João Doria (PSDB), principal apoiador de Covas. Rechaçam o petista 54% dos moradores da cidade, enquanto o tucano é malvisto por 60%.

Boulos também terá um desafio estrutural à frente. Ao contrário do PT, que possui capilaridade nacional e uma militância orgânica, o PSOL é uma sigla de esquerda com um eleitorado mais elitizado e escolarizado. Resultados das últimas eleições mostram que o partido tem pouca aderência entre os mais pobres, uma das causas que explicam a derrota de Marcelo Freixo (PSOL) para Marcelo Crivella (Republicanos) no segundo turno da eleição para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, em 2016. Uma solução para esse problema pode vir do apoio do candidato petista Jilmar Tatto, que somou 8,58% neste primeiro turno. Tatto é mais identificado com o eleitorado da periferia e poderá ajudar a transferir o capital político ao colega do PSOL.

No campo prático, Boulos terá de provar que as propostas apresentadas ao longo da campanha são exequíveis. O candidato, que nunca foi eleito para nenhum cargo, promete implementar uma renda cidadã para os paulistanos mais necessitados e disse que viabilizará passagens gratuitas no transporte público para desempregados, estudantes e mulheres com criança de colo. Políticas dessa natureza exigem aportes consideráveis do governo, mas o orçamento da cidade já sofreu a diminuição de quase 2 bilhões de reais para 2021. Em um cenário com queda de arrecadação, a prefeitura também informou que São Paulo poderá fechar este ano com um rombo de até 10 bilhões de reais. Quando questionado sobre o tema, Boulos afirma que o prefeito tem autonomia para remanejar recursos e que a capital tem dinheiro em caixa suficiente para executar os projetos que apresentou.

Veja 

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