Vítima do Carrefour morreu no berço do Dia da Consciência Negra
Foto: Reprodução
O poeta gaúcho Oliveira Silveira estaria, se ainda fosse vivo, na linha de frente dos protestos após o assassinato do aposentado João Alberto Silveira Freitas, espancado até a morte por seguranças numa filial da rede de supermercados Carrefour, em Porto Alegre. Nascido em Rosário do Sul, no ano de 1941, o escritor e professor foi militante do movimento negro na capital gaúcha. No início dos anos 70, ele e outros ativistas, como o advogado Antônio Carlos Côrtes, criaram o Grupo Palmares, que, por sua vez, idealizou a data de 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, hoje celebrado no Brasil todo.
O grupo era uma associação sem fins lucrativos que realizava estudos sobre a cultura negra no Brasil. Durante as reuniões, em Porto Alegre, eles vinham questionando o Dia da Abolição como data de referência para os afrodescendentes no país. Afinal, a Lei Áurea, assinada no dia 13 de maio de 1888, aboliu a escravidão, mas não garantiu direitos iguais para os negros. A proposta de homenagear Zumbi dos Palmares, morto no dia 20 de novembro de 1695, surgiu, então, como um contraponto à data “oficial”, na verdade escolhida pelos brancos. O Dia da Consciência Negra foi celebrado, pela primeira vez, em 1971.
Segundo a tese de mestrado “O Grupo Palmares (1971-1978): Um movimento negro de subversão e resistência pela Construção de um espaço social e simbólico”, de Deivison Moacir Cezar Campos, do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-RS, o primeiro ato evocativo ao 20 de novembro aconteceu no Clube Marcílio Dias, na capital Gaúcha. Alguns dias antes, porém, os organizadores do evento tiveram problemas com a Polícia Federal, após serem confundidos com um grupo de teatro, atividade visada pela censura na época da ditadura militar.
Contornada a questão, com muita explicação e burocracia, 12 pessoas participaram do primeiro ato para Zumbi, numa sala do clube. Eles discutiram a importância de se difundir o conhecimento sobre o líder do Quilombo dos Palmares e de se fugir da “alienação” do 13 de maio. “Assim, em 20 de novembro, salvo melhor juízo é que os negros do Brasil – quando não os brasileiros em geral – deveriam fazer as melhores comemorações, reverenciando a memória de nossos heróicos antepassados”, diz um texto de Oliveira Silveira reproduzido na dissertação de Cezar Campos.
Desde então, as manifestações se espalharam pelo país e ganharam corpo. Uma das maiores passeatas nessa data aconteceu em 1995, quando mais de 30 mil pessoas participaram da primeira Marcha Zumbi, em Brasília, para homenagear os 300 anos da morte do líder do Quilombo dos Palmares. Atualmente, em diversos pontos do Brasil, o evento se chama Marcha Zumbi-Dandara, em tributo à misteriosa guerreira que foi mulher de Zumbi e lutava junto ao lado dos homens para defender o bastião de ex-escravos que se libertaram dos engenhos onde eram cativos.
Naquele ano de 1995, diferentes cidades, entre elas o Rio de Janeiro, fizeram do dia 20 de novembro um feriado municipal. No início, uma parte da sociedade foi contra um terceiro feriado no mês de novembro, que já tinha o Dia dos Finados e o Dia da República. O então prefeito da capital fluminense, Cesar Maia, que estava do lado dos empresários donos de shopping centers nessa debate, tentou impedir a entrada em vigor da lei, aprovada pela Câmara dos Vereadores, que instituiu o feriado. Hoje, mais de mil municípios brasileiros já aderiram à ideia do poeta Oliveira Silveira.
Formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Silveira foi professor público, pesquisador e escritor. Estreou na literatura em 1962, com o livro de poemas “Germinou”. Ele também publicou “Poemas regionais”, “Poema sobre Palmares”, “Banzo, saudade negra” e mais seis obras de poesia ao longo de sua vida. O autor faleceu no dia 1º de Janeiro de 2009, aos 68 anos de idade.
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