Bolsonaro ignorou emendas parlamentares que tratam da covid
Foto: Alan Santos/PR
O governo federal deixou de utilizar, repassar ou devolver mais de R$ 37 milhões em emendas parlamentares que haviam sido remanejadas para reforçar o combate à Covid-19. Ignorados pelo Ministério da Saúde, os recursos acabaram bloqueados e não poderão mais ser gastos.
O dinheiro seria utilizado, por exemplo, para a compra de equipamentos hospitalares e para ajudar estados e municípios a custear ações ligadas à pandemia. Segundo os deputados, os recursos ficaram parados por desorganização do governo federal. Questionado, o Ministério da Saúde não se manifestou (leia ao final desta reportagem).
Em dezembro, o ministério informou em rede social que cada leito de UTI destinado à Covid-19 custa R$ 1,6 mil por dia – o dobro de uma UTI tradicional. Com o valor ignorado em 2020, seria possível custear 23.144 diárias de UTIs especializadas.
O emprego efetivo desses recursos em 2020 poderia, inclusive, abrir uma folga no orçamento da Saúde para despesas que surgiram em 2021 – como o aumento na compra de oxigênio hospitalar e a compra de novos lotes de vacina.
Em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que remanejou recursos de emendas orçamentárias dos deputados para reforçar o combate à Covid-19.
Na exposição de motivos enviada ao Congresso, o governo dizia que a MP era necessária devido ao “quadro apresentado de rápida propagação da doença, e a velocidade de resposta do poder público é condição necessária para garantir a proteção e recuperação da saúde da população brasileira, restringindo ao máximo a circulação do vírus e o número de doentes e de óbitos”.
Os parlamentares, então, autorizaram que recursos que seriam destinados a obras de quadras esportivas e parques em seus redutos eleitorais, por exemplo, fossem redirecionados para medidas destinadas a combater a Covid-19.
Em novembro, no entanto, o prazo da medida provisória expirou sem que o texto fosse aprovado em definitivo pelo Congresso Nacional. Com isso, os créditos gerados pela MP e ainda não autorizados pelo Ministério da Saúde foram bloqueados pelo governo. Ou seja: nem foram usados no combate à Covid, nem devolvidos à destinação inicial.
Levantamento feito por técnicos do Congresso a pedido da TV Globo aponta que 43 parlamentares foram atingidos pelo bloqueio. Os valores perdidos somam R$ 37.031.528,86.
Em 11 desses casos, a diferença entre o valor destinado e o valor efetivamente liberado superou R$ 1 milhão. Nem o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escapou: o governo bloqueou R$ 500 mil em emendas do deputado.
Para 18 deputados, a abdicação das emendas foi completamente em vão e nem um único real foi investido.
O deputado Felipe Carreras (PSB-PE), por exemplo, autorizou o remanejamento de R$ 5,43 milhões das emendas a que teria direito.
Os recursos, antes previstos para quadras, parques e castração de animais, deveriam ser entregues à prefeitura do Recife e ao governo de Pernambuco para ações contra a pandemia. Ao fim de 2020, nenhum centavo saiu dos cofres da União.
“O maior penalizado foi o estado de Pernambuco. Eu alertei, mandei ofício para o ministro [da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo] Ramos, estive no Palácio do Planalto. Porque me disseram que foi um erro, que iriam corrigir, mas não foi dada uma solução. Errar todo mundo erra, mas tem que ser corrigido”, disse o deputado.
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) também foi atingida pelo bloqueio. Ela autorizou o redirecionamento de R$ 8,57 milhões das suas emendas, mas R$ 3,7 milhões não foram usados nem devolvidos.
Os recursos deveriam ter sido usados para a compra de equipamentos como aparelhos de raio-x e camas para hospitais municipais da periferia de São Paulo. O dinheiro não foi movimentado.
“Enviamos um ofício ao ministro [da Saúde, Eduardo Pazuello] cobrando uma solução, mas não tivemos reposta. Quando essa janela das emendas se abriu, a informação que tivemos foi de que o processo seria muito mais célere, mas não foi o que aconteceu. Esse dinheiro foi perdido e é um recurso que faz muita falta”, diz a deputada.
Tabata Amaral e outros deputados prejudicados apresentaram um projeto no fim do ano para tentar sanar o problema, mas o texto não foi votado. Agora, a parlamentar diz esperar que o governo dê uma solução – e não descarta recorrer à Justiça.
“O governo se desorganizou, mas tampouco tentou procurar uma solução. Você imagina o tanto de vidas que poderiam ter sido melhor atendidas, salvas, se isso tivesse sido tratado com a seriedade”, conclui.
Procurados pela TV Globo, o Ministério da Economia e a Secretaria de Governo da Presidência informaram que o assunto era responsabilidade do Ministério da Saúde.
O G1 questionou a pasta do ministro Eduardo Pazuello sobre o que teria impedido o uso dos recursos, sobre o impacto do não investimento e sobre eventuais saídas em estudo pelo governo. O Ministério da Saúde não deu resposta.
A existência do bloqueio foi confirmada pela própria Saúde, em janeiro, em resposta a um requerimento de informação feito pelo Congresso. Segundo o documento, as emendas “estão impedidas legalmente de serem utilizadas e o Ministério da Saúde, portanto, não poderá promover medida compensatória para tanto”.
A Secretaria de Governo da Presidência da República também foi procurada, mas não se manifestou.
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