Bolsonaro usará nova força no Congresso em agenda neoliberal

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Foto: Marcos Corrêa/PR

A cartilha da política ensina que o presidente da República deve usar o início de seu mandato, quando geralmente conta com a boa vontade de eleitores, congressistas e expoentes do PIB, para tentar votar medidas consideradas prioritárias, mesmo que sejam espinhosas ou impopulares. Em 2003, ano de sua estreia no Palácio do Planalto, o petista Lula conseguiu aprovar uma reforma da Previdência, tema que era duramente combatido pelo PT em seus tempos de oposição. Jair Bolsonaro também patrocinou mudanças no regime previdenciário, mas logo abandonou a agenda liberal, as reformas estruturantes e os projetos de modernização do Estado, bandeiras que prometeu defender durante a campanha eleitoral. Na primeira metade de seu governo, o presidente se dedicou a ofensivas autoritárias contra outros poderes, ao debate de temas secundários e a cruzadas contra adversários reais ou imaginários, do comunismo à vacina chinesa. Ou seja: perdeu tempo e energia, além de causar tensões institucionais incompatíveis com a democracia. Agora, numa nova janela de oportunidade, ele tem uma chance de ouro para corrigir os rumos de sua administração.

As vitórias dos candidatos apoiados pelo Palácio do Planalto nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado dão a Bolsonaro condições extremamente favoráveis para trabalhar pelo que realmente é prioritário, principalmente pela recuperação da economia. O plano é ambicioso. O Ministério da Economia costurou um acordo com a nova cúpula do Congresso, formada pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que prevê a votação das reformas administrativa e tributária, das privatizações da Eletrobras e dos Correios e da chamada PEC Emergencial, que permite corte de salários de servidores e congelamento de concursos públicos. Alçado da condição de líder do Centrão a comandante da Câmara, Lira diz ser possível aprovar até mesmo a reforma tributária no primeiro semestre. O ministro Paulo Guedes reforça o coro e lembra que esse pacote tem de avançar ainda neste ano, porque em 2022 a classe política só gastará energia com as eleições. O tom de otimismo reina, mas contrasta com o fato de o Congresso não ter apreciado até agora nem o Orçamento da União de 2021.

Numa tentativa de conferir credibilidade ao roteiro traçado, o governo e os novos chefes do Legislativo garantem que a lei orçamentária estará aprovada nos próximos dias, liberando o caminho para a tramitação da agenda liberal. Será um sinal importante. “É a maior oportunidade do governo Bolsonaro. O presidente pode fazer as reformas que pretende e impulsionar nossa retomada econômica”, diz o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas e ponta de lança das negociações, abertas no ano passado, que resultaram na aliança entre o Planalto e o Centrão. A declaração do senador pode passar a falsa impressão de que será fácil tirar os projetos do papel. Não é bem assim. Parte importante dos apoiadores do presidente no Congresso é contrária, por exemplo, à privatização da Eletrobras, porque a estatal está loteada entre caciques partidários. No caso da reforma administrativa, a equipe de Guedes até elaborou uma proposta sobre o assunto, mas o próprio presidente optou por deixá-la em banho-maria, porque temia desgaste com o funcionalismo público, segmento que poderia se voltar contra ele na próxima eleição presidencial. Embora as resistências ainda estejam lá, os governistas alegam que, com a renovação da cúpula do Congresso, os ventos mudaram e favorecem essa pauta. “Não há tabu. Tem de colocar para votar. Quando se coloca um projeto em votação, as abóboras se acomodam”, afirma o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR). “Nós não pautamos as privatizações porque o Rodrigo Maia fez um acordo com a esquerda para não votar. Ele não votou a reforma administrativa pelo mesmo motivo.”

Rodrigo Maia, de fato, era considerado por Bolsonaro seu principal adversário no Parlamento. O presidente, sempre que podia, culpava o deputado do Rio pelo fato de projetos do governo não andarem. Maia realmente segurou algumas pautas, sobretudo no campo dos costumes e nas privatizações, mas na seara econômica ele ajudou muito mais do que atrapalhou. A reforma da Previdência de Bolsonaro deve ser creditada principalmente ao parlamentar. Com a sua saída de cena, o Planalto agora não terá a quem culpar por seus eventuais fracassos. Já Bolsonaro terá de assumir a dianteira dos esforços pela aprovação de matérias polêmicas, desafio que evitou quanto pode na primeira metade de seu mandato. O governo acha que atualmente 384 dos 513 deputados estão dispostos a chancelar a agenda reformista, número bem superior ao mínimo necessário para garantir uma mudança na Constituição (308).

Além dos aliados do presidente, fariam parte desse grupo congressistas de partidos de centro, como DEM, MDB e PSDB, e de centro-esquerda, casos de PDT e PSB, que já teriam demonstrado concordância com a necessidade das reformas. Essa suposta margem favorável não significa, evidentemente, que os parlamentares votarão automaticamente com o governo. Cada texto terá de ser negociado separadamente, como acontece desde sempre no presidencialismo de coalizão brasileiro. Nesse tipo de transação, as moedas correntes são cargos de segundo escalão e verbas orçamentárias, mas há casos em que as contrapartidas cobradas são inflacionadas. Empoderado, o Centrão já pressiona pela realização de uma reforma ministerial, alegando que toda e qualquer tratativa do governo — com outros poderes ou com a iniciativa privada — será facilitada se o presidente se livrar de seus radicais ideológicos, como os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente). A nova fase exigiria moderação, postura defendida pelos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Fábio Faria (Comunicações), e a atuação dos profissionais da política. “Para ver a bolsa subindo entre 30% e 40%, Bolsonaro tem de mudar o comando do Itamaraty e do Meio Ambiente. A forma como as coisas foram conduzidas por eles resultaram numa imagem desastrosa do Brasil no exterior”, afirma um dos operadores do Centrão.

Enquanto os radicais são mantidos, os novos aliados de Bolsonaro querem que o Ministério da Cidadania seja entregue ao Republicanos, caso seja efetivada a transferência do atual titular da pasta, Onyx Lorenzoni, para a Secretaria-Geral da Presidência. “A melhor forma de o presidente ajudar a destravar a agenda liberal é se afastando de vez de sua claque ideológica”, declara um líder do Republicanos, reforçando o lobby em defesa de um ministério de ponta para o seu partido. São pleitos naturais e, pragmaticamente, corretos. Formado por legendas que angariam votos sobretudo nos rincões, o Centrão também quer a prorrogação do auxílio emergencial, que foi decisivo para o crescimento da avaliação positiva de Bolsonaro entre as camadas mais pobres da população. Na carta de intenções entregue ao presidente da República na quarta-feira 3, Lira e Pacheco ressaltaram que Câmara e Senado trabalharão para ajudar na superação da pandemia, “incluindo, sobretudo, a análise das possibilidades fiscais para, respeitando o teto de gastos, avaliar alternativas de oferecer a segurança financeira através de auxílio emergencial”. O terreno político já está devidamente semeado para o benefício. Resta agora combinar o jogo com a equipe econômica.

Mais flexível que de costume, porém absolutamente racional, o ministro Guedes diz que topa mais uma rodada do chamado “coronavoucher”, desde que haja corte efetivo de outros gastos. A saída seria a aprovação de projetos em tramitação no Congresso, como a PEC Emergencial. Uma coisa custearia a outra. “Um auxílio não acompanhado de medidas de ajustes, de reformas ou de redução de gastos permanentes traria, dados os níveis de endividamento já elevados, uma piora das condições financeiras”, concorda Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e diretor da ASA Investments. A tendência é que — de uma forma ou de outra — o auxílio volte a ser pago. O fim do benefício, em dezembro passado, combinado com a postura indolente do governo no combate à pandemia de Covid-19, fez a aprovação do governo cair de 37% para 31%, e a rejeição subir de 32% para 40%, segundo a mais recente pesquisa do Datafolha. “Isso não me preocupa em nada. Ninguém vai votar lembrando como estava a situação em 2021. Vai votar como estiver em 2022 e, por isso, o presidente tem de aprovar as medidas agora para chegar bem lá”, declara Ciro Nogueira. “Quem elege o presidente da República é a economia. Se ele chegar bem a 2022, estará reeleito. Se não for reeleito, vai quebrar um paradigma. Nunca deixamos de reeleger um presidente”, acrescenta.

A questão do auxílio embute um risco: recorrer a manobras polêmicas para financiá-lo. Neste momento inicial, seria muito mais inteligente o governo partir para os projetos que possuem mais convergência no Congresso do que sacar um coelho da cartola. Diante da precariedade das contas públicas, integrantes da equipe econômica sempre defenderam a criação de um novo imposto para impulsionar, entre outras coisas, a remodelação do programa de assistência social do governo. O Congresso até aqui rechaçou a ideia. Ao prometer um mundo de facilidades a Bolsonaro, gente importante do Centrão ponderou que a volta da CPMF era possível. O próprio Arthur Lira já se manifestou a favor do imposto, desde que sua arrecadação seja destinada a fins sociais. Bolsonaro fará bem se mantiver o repúdio à ideia. Primeiro, porque a carga tributária do país é escorchante. Segundo, porque o tema, se entrar em discussão, pode paralisar a tramitação das reformas, uma vez que é notória a aversão dos parlamentares e da sociedade à criação de mais impostos.

Outro ponto que pode levar Bolsonaro a desperdiçar a janela de oportunidades aberta com a eleição de aliados nas duas Casas do Congresso é a insistência de sua base mais fiel na defesa das pautas de costume. Horas antes do início da votação na Câmara, apoiadores do presidente se aglomeravam do lado de fora do Congresso trajando camisetas com o rosto de Bolsonaro. Entre batucadas, entoavam o nome de Arthur Lira e gritos de guerra a favor da cloroquina e do voto impresso. Evidentemente, questões como homeschooling e restrições ao aborto, sem sequer entrar no mérito de cada uma delas, não vão resolver o problema mais imediato que o país enfrenta: uma economia em frangalhos. Desperdiçar o capital político com votações dessa natureza seria uma estultice.

A questão é que gente muito próxima ao presidente parece não saber a hora de interromper a brincadeira e desligar o celular. Ao chegar à Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o Zero Três, fez questão de cumprimentar os apoiadores e posar para fotos nas quais aparecia, ao fundo, uma faixa com a inscrição “intervenção civil militar com Bolsonaro presidente”. Uma falta de cuidado inexplicável. Foram manifestações desse tipo abilolado que contribuíram para que o mandatário entrasse em atrito com os demais poderes e perdesse a primeira chance de fazer o necessário para tirar o país do atoleiro. Espera-se que Bolsonaro não repita tal erro. Ao longo de seu mandato, ele foi gradativamente trocando de figurino e de discurso. Forçado pelas circunstâncias, parou com as ameaças ao Congresso e ao STF e passou a negociar politicamente. Que esse pragmatismo na construção de pontes beneficie a implementação da agenda que o país precisa para se desenvolver — não projetos anticiência, negacionistas ou antidemocráticos.

O desafio à frente do Planalto e do Congresso é monumental, mas pode ser realizado. No caso específico de Bolsonaro, há um ingrediente a ser destacado. Como registra a Carta ao Leitor desta edição, nem todo político tem a sorte de desfrutar de uma segunda chance para realizar algo importante. Michel Temer, depois de ser gravado pelo empresário Joesley Batista no Palácio do Jaburu, perdeu as condições de aprovar a sua versão da reforma da Previdência e passou o restante de seu mandato lutando para não ser derrubado. Bolsonaro conhece essa história de cor e salteado. E como Temer, um craque da política, é hoje um de seus conselheiros, o presidente sabe que as janelas de oportunidade se fecham e os cavalos encilhados não costumam passar duas vezes. Que ele aproveite a sua segunda chance. Depois de dois anos praticamente perdidos, o Brasil não pode esperar mais.

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