Queda nas pesquisas abalou relação entre Centrão e Bolsonaro

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Foto: Gabriela Biló / Estadão Conteúdo

Na tarde do último sábado, dia 13, que encerrou mais uma semana trágica de recordes no número de mortos pela Covid-19 no Brasil, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), adentrou o Palácio do Planalto como porta-voz de um Congresso ávido pela cabeça do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello. O recado a ser dado ao governo havia sido combinado com líderes partidários horas antes na residência oficial do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Três argumentos do deputado foram apresentados a Jair Bolsonaro: defender Pazuello tornara-se insustentável porque, dos 38 milhões de doses de vacinas prometidas para março, apenas 10% haviam sido entregues pelo Ministério da Saúde; não seria mais possível conter a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde diante de tantos fracassos na gestão da pasta; era um absurdo ele, Lira, ter de exercer o papel do Executivo ao enviar uma carta para a embaixada chinesa pedindo um “olhar solidário” do país que produz a matéria-prima dos imunizantes do Instituto Butantan e da Fiocruz.

O presidente da Câmara saiu do encontro convicto de que emplacara em Brasília mais uma vitória de seu grupo político. O combinado passava pela indicação da cardiologista Ludhmila Hajjar para o lugar de Pazuello nos dias seguintes. A médica havia atendido Lira, além de outros políticos, e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) quando enfrentaram a Covid-19. Após a nomeação, a expectativa dos partidos da base do governo era de ocupação de cargos do segundo e terceiro escalão da pasta, tomada por militares ligados a Eduardo Pazuello.

Em 24 horas, o acordo com Lira foi implodido. Bolsonaro implicou com a cardiologista ao tomar conhecimento de um áudio em que ela o chamava de “psicopata”. Hajjar também implicou com o presidente depois de se ver bombardeada nas redes sociais pelas hordas digitais bolsonaristas. Indo na contramão de Lira, que já havia postado elogios à cardiologista no Twitter como se sua nomeação fosse um fato consumado, o Planalto acabou anunciando na segunda-feira 15 o nome de outro cardiologista, o médico Marcelo Queiroga, para o Ministério da Saúde. O centrão não ficou de fora da negociação, já que o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, deu aval à nova escolha. Embora Lira esteja em silêncio desde que a escolha foi feita, ÉPOCA apurou que ele ficou irritado com o episódio a ponto de afirmar a interlocutores que retaliações ao governo de Bolsonaro virão pela frente. Nogueira teve de pedir ajuda a aliados para acalmar o correligionário.

“APÓS SELAR SUA ALIANÇA COM BOLSONARO, OS PARTIDOS DO CENTRÃO VIRAM OS ORÇAMENTOS SOB SEU COMANDO PULAR DE CERCA DE R$ 10 BILHÕES PARA R$ 90 BILHÕES — E CADA NECESSIDADE DO PLANALTO É MOTIVO PARA PEDIR MAIS E MAIS”

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As cenas dos últimos dias exibem a faceta instável do casamento entre Bolsonaro e sua base de partidos aliados que a política nacional convencionou chamar de centrão nos últimos 40 anos. O presidente não é o primeiro e certamente não será o último chefe de Estado brasileiro a ter de lidar com esse grupo de legendas sem uma ideologia definida, remodeladas ao sabor do poder e dos interesses individuais. Ora são base de sustentação política de governos, ora a pedra no caminho. Assim como Bolsonaro, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer entenderam com o tempo que, sem o apoio desses políticos — maioria no universo de 513 deputados federais no entra e sai de governos da esquerda à direita —, seria impossível aprovar suas agendas no Congresso, travar apurações incômodas em CPIs e até mesmo barrar processos de impeachment.

A expressão centrão nasce e renasce em dois momentos turbulentos de levantes no parlamento brasileiro para “virar o jogo” contra uma maioria estabelecida. O primeiro deles ocorreu na Assembleia Constituinte, em 1987. Alijados dos principais postos de comando do colegiado que elaboraria a nova Constituição, deputados de partidos de centro e de direita, em sua maioria conservadores, se organizaram para contrapor-se às ideias dominantes das principais legendas da época. PFL, PL, PDS, PDC e PTB integravam o grupo que, à base de distribuição de cargos e outras benesses, serviu de apoio a José Sarney em contraponto a algumas ideias lideradas pelo então deputado Ulysses Guimarães no parlamento.

“AS POSIÇÕES DE POLÍTICOS DO CENTRÃO SERVEM COMO UMA ESPÉCIE DE TERMÔMETRO DA FORÇA DOS GOVERNOS. QUANDO AS ADMINISTRAÇÕES ESTÃO FORTES, O PODER DE BARGANHA DO GRUPO CAI. QUANDO HÁ SINAIS DE FRAGILIDADE, O CENTRÃO CRESCE OU EMPAREDA O EXECUTIVO”

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Depois, o nome centrão caiu em desuso no noticiário, coincidindo com um período de mais harmonia nas relações políticas das eras FHC e Lula. Uma pesquisa no acervo do jornal O GLOBO mostra que, depois de o termo ser citado 2.133 vezes em reportagens nos anos 1980, sua utilização despencou na soma das duas décadas seguintes, para 629. A volta com força ao glossário político ocorreu após a vitória de Eduardo Cunha para o comando da Câmara dos Deputados, em 2015, que culminou no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Siglas como PP, PR (hoje PL) e PRB (hoje Republicanos) trabalharam abertamente por sua queda após anos de apoio às administrações petistas. O centrão voltava a ser peça-chave do noticiário (suas citações em reportagens nos anos 2010 escalaram para 1.869). E tomando como base o que se falou dele apenas no ano passado (1.145 menções em reportagens), o protagonismo do bloco está em alta novamente. De certa forma, o centrão é uma espécie de termômetro da força dos governos. Quando as administrações estão fortes, o poder de barganha do grupo cai. Quando há sinais de fragilidade, o bloco cresce.

A união de Bolsonaro com o centrão, fundamental para sua governabilidade, parecia ter se consolidado em fevereiro, desde a vitória de Lira contra o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Foi graças a uma mutação paulatina no discurso do presidente nos últimos dois anos que o Planalto entrou de cabeça na eleição do deputado alagoano. O Bolsonaro de 2018 elegeu-se em um ambiente propício para a profunda rejeição à política tradicional. Eram tempos em que o atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, fazia vibrar a militância bolsonarista ao zombar de partidos — em julho daquele ano, num evento de campanha, cantou o samba, sem usar a palavra ladrão: “Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”.

Já o Bolsonaro 2021 precisa mais do que nunca da política que ele e seus aliados desprezaram no passado. Em meio a uma pandemia prestes a bater a marca de 300 mil mortos e a uma combinação explosiva de alta do desemprego e da inflação, o presidente tem visto sua popularidade cair — na semana passada, o instituto Datafolha expôs que a rejeição da administração federal no combate ao coronavírus chegou a 54% da população. O projeto de reeleição está em risco, ainda mais depois de o ex-presidente Lula estar novamente apto a concorrer, após o ministro do STF Edson Fachin anular todos os seus processos que corriam na Vara Federal de Curitiba. O petista já sinalizou que vai buscar novamente o apoio de partidos que hoje estão na base de apoio do Planalto.

O início do namoro entre Bolsonaro e o centrão deu-se ainda no primeiro semestre do ano passado, quando duas investigações avançaram sobre o entorno presidencial: a dos atos antidemocráticos e a da rachadinha e do crescimento patrimonial, que mirou Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro. Como ambas as apurações inflamaram ainda mais os rumores de que um pedido de impeachment poderia andar no Congresso, deixou-se de lado aquele papo de “se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”.

Em abril, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, se reuniu com líderes de partidos e montou uma operação envolvendo mais de 300 nomeações de aliados para que o centrão embarcasse no governo. Aos auxiliares, o presidente deu apenas uma condição. Disse que entregaria qualquer cargo, exceto os ministérios, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. O governo finalmente cedeu uma série de posições de comando em órgãos federais com orçamento de cerca de R$ 90 bilhões.

Alguns exemplos expõem os feudos controlados pelo centrão e sua relevância atual como espaços de poder. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), com um presidente indicado pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), aliado de Lira, financia projetos com R$ 1,6 bilhão de orçamento em 2020; a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), entidade ligada ao Ministério da Saúde, com um indicado do PSD, entrega obras de saneamento, com R$ 2,8 bilhões de orçamento. O Ministério da Educação não é controlado por um político, mas o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), nas mãos de um ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira, tem à disposição R$ 54 bilhões, um dos maiores orçamentos da Esplanada. No mesmo órgão, a propósito, foi abrigado um ex-advogado da liderança do PL e homem de confiança do ex-deputado Valdemar Costa Neto. Ampliou-se, portanto, a influência na máquina de dois acusados de operar dinheiro sujo nos principais escândalos das eras petistas: Nogueira, no petrolão, e Costa Neto, no mensalão. O primeiro é réu, e o segundo é condenado em ações no STF.

A crítica de Bolsonaro à tal “velha política” também abrandou quando o assunto é o apadrinhamento de parentes na máquina pública, um clássico do fisiologismo verde-amarelo. No ano passado, o filho do senador Elmano Férrer (PODE-PI), Leonardo Férrer, se tornou ouvidor na Codevasf. Na Funasa, o governo nomeou em agosto de 2019 a mulher do líder do PL, Wellington Roberto (PB), Deborah Roberto, e uma tia do deputado Gustinho Ribeiro (SD-SE), Maria Luiz Felix. Na superintendência do órgão na Paraíba, foi mantida a mãe do então líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Virgínia Velloso Borges ocupa o cargo desde 2017.

A fome do centrão está longe de ser saciada. Por ter desalojado Maia do poder, tido como uma persistente ameaça de impeachment, Lira e sua turma esperavam crescer de tamanho na Esplanada. Além disso, o deputado entregou de bandeja em menos de um mês e meio duas vitórias para o governo: a aprovação da autonomia do Banco Central e o endosso à presença da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) no comando da poderosa Comissão de Controle e Justiça (CCJ), responsável por analisar os projetos que serão votados no plenário da Casa. O governo, contudo, só fez um movimento para agradar ao centrão pós-vitória de Lira. Em fevereiro, o Ministério da Cidadania foi parar nas mãos do deputado João Roma, do Republicanos, legenda à qual Flávio e Carlos, filhos de Bolsonaro, são filiados. A pasta é responsável pelo Bolsa Família, o maior programa social do país.

“PARA AFASTAR O RISCO DE UM IMPEACHMENT E GARANTIR UMA BASE MÍNIMA NO CONGRESSO, BOLSONARO ADERIU AO ‘TOMA LÁ DÁ CÁ’ E ABRIU A ESPLANADA PARA APADRINHADOS DE PP, PL, REPUBLICANOS, PTB E LEGENDAS DO BAIXO CLERO”

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Agora que Pazuello já foi demitido, Lira e aliados consideram que o Ministério da Economia deve ser fatiado em pastas como Planejamento, Trabalho e Indústria e Comércio Exterior. Além disso, o bloco considera que há militares em demasia no primeiro escalão (as críticas mais ácidas estão voltadas para o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o chefe da Casa Civil, Braga Netto). Lira também já comentou com interlocutores que considera apagada a gestão do ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro. Não por coincidência, a maioria dessas pastas conta com orçamentos gigantes.

Não há, contudo, previsão de que algo disso ocorra, colaborando para aumentar ainda mais a fissura entre o Planalto e os deputados. “O governo se comprometeu com o centrão, mas ainda não tem coragem de assumir esse relacionamento, de passear no domingo de mãos dadas na praça”, resumiu o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Época

 

 

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