Indústria farmacêutica aumenta preços em até 2.500%
Foto: Arte/ Metrópoles
Em meio à grave crise econômica e sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), empresas farmacêuticas têm comercializado medicamentos com preços muito acima do limite estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Força-tarefa da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) específica para atuar durante a pandemia de Covid-19 aplicou, entre julho de 2020 e março de 2021, 64 multas a agentes do setor farmacêutico que descumpriram as regras de preço.
Comum na maioria dos países, a regulação do mercado de medicamentos no Brasil é feita pela CMED. A Anvisa estabelece um teto de preços para as empresas farmacêuticas de acordo com as paridades nacional e internacional. A partir desse limite, a agência pode aplicar uma multa, que varia de acordo com o tamanho da oferta, por exemplo.
Planilha enviada pela Anvisa ao Metrópoles mostra a atuação da CMED. O sobrepreço constatado chega a 2.500%. Parte desses medicamentos, inclusive, é usada no tratamento do coronavírus, como sedativos e bloqueadores musculares para intubação.
A maior variação no valor de um remédio foi registrada pela Farmater Medicamentos, com sede em Belo Horizonte, em Minas Gerais. A empresa comercializou sulfato de neomicina/bacitracina, usado no tratamento de infecções na pele, a R$ 198 – apesar de o teto estabelecido pela Anvisa para a venda dessa medicação ser R$ 7,62. Ou seja, houve uma oscilação de 2.498,43%.
A empresa foi multada em R$ 38,1 mil, após ter sido autuada em novembro do ano passado. No total, 26 medicamentos foram encontrados pela Câmara de Regulação com valores superiores ao limite legal.
Ao Metrópoles o diretor comercial da Farmater, Helberth Ferreira, ressaltou que a empresa comercializa medicamentos apenas para clínicas e hospitais particulares. Sobre as irregularidades encontradas pela Anvisa, ele disse que os remédios não chegaram a ser vendidos, mas ofertados.
“Motivo este pelo qual recolhemos o valor da autuação na esfera administrativa e ajuizamos ação para o ressarcimento do valor recolhido, que corre já em primeira instância”, limitou-se Ferreira.
A Ativa Médico Cirúrgica protagoniza o maior valor em multa num único processo: R$ 4,147 milhões. A empresa vendeu medicamentos com preços até 84% acima da regulação. O Alteplase, usado no tratamento fibrinolítico do infarto agudo do miocárdio, foi comercializado por R$ 4.537, enquanto o teto do remédio é R$ 2.467.
Em nota, o assessor jurídico da distribuidora de medicamentos, Mariano Miranda, ressaltou que, nesse caso, o processo para eventual aplicação da multa está em curso e aguarda novo julgamento.
“Acreditamos que haverá revisão do entendimento da CMED, pois a sanção administrativa mencionada se refere a uma suposta venda de produtos que não foi efetivada por nossa empresa”, alega o representante da Ativa Médico. Ofertar preço acima do permitido, entretanto, é ilegal, mesmo que a venda não tenha sido concluída.
Ele disse, também, entender que a atuação da Anvisa precisa ser realizada “com observância aos princípios da moralidade e razoabilidade que devem pautar as ações administrativas, em especial pelo atual momento em que empresas como a nossa estão envidando todos os esforços para garantir o abastecimento dos serviços de saúde e o cuidado dos pacientes acometidos pela Covid-19”.
Outra empresa com multa milionária é a Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos, uma das empresas que vendem cloroquina ao governo federal. A Anvisa aplicou uma penalização de R$ 1,327 milhão contra a companhia por comercializar analgésicos, como sulfato de morfina e cloridrato de metadona, que podem ser usados para intubar pacientes com Covid-19, a um custo 48% superior ao limite.
A empresa ainda não quitou a multa. Procurado, o laboratório Cristália, do empresário Ogari de Castro Pacheco, não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto.
A Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos multou empresas do setor farmacêutico, durante a pandemia do novo coronavírus, em R$ 14,9 milhões pela comercialização de remédios acima do preço autorizado. Desse total, no entanto, apenas R$ 159,9 mil (1%) já foram pagos.
O sobrepreço de medicamentos conflita com a escassez desses produtos no mercado nacional, em meio ao agravamento da pandemia do novo coronavírus.
O presidente da Fundação Hospitalar São Francisco de Assis (FHSFA), Paulo Taitson, avalia que tem sido fácil observar esse aumento “substancial” no preço das medicações, sobretudo nas últimas semanas da pandemia, quando o número de mortes por Covid-19 vem batendo recordes quase que diariamente.
“Anestésicos, relaxantes musculares e sedativos tiveram um aumento exorbitante. Em média, passa de 600%. Um relaxante muscular, antes da pandemia, custava em torno de R$ 22, e hoje está em mais de R$ 170”, explica o especialista.
Na semana passada, segundo Taitson, foi necessário bloquear leitos de terapia intensiva (UTI) diante da falta de medicamentos. Ou seja, existia o leito disponível na unidade de saúde, mas não havia arsenal farmacológico para dar suporte no atendimento do paciente internado.
Por sua vez, o presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, afirma que a atuação da CMED é esperada.
“É o que se espera da CMED, que fiscalize o mercado, instaure os devidos processos legais e ouça todas as partes envolvidas, com amplo direito de defesa, para que os fatos sejam esclarecidos e as providências previstas em lei sejam adotadas”, afirma.
Mussolini chama a atenção, contudo, para o aumento dos custos de produção que as empresas do setor tiveram de absorver durante a pandemia. “O processo de produção não é simples. No último ano, tivemos variação de 43% no dólar, por exemplo. Sofremos com aumento de papelão para fazer as embalagens, custo dos fretes, do gás usado nas indústrias. Os custos foram elevados”, disse Mussolini, em nota.
“Claro que isso não justifica vender pelo preço acima do estabelecido pela CMED, mas as indústrias farmacêuticas não deixaram faltar produto no Brasil e cumpriram o papel de entregar à população os medicamentos necessários”, conclui o presidente-executivo do Sindusfarma.
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