Um ano após reunião de baixo nível Bolsonaro “passou a boiada”

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Foto: Marcos Corrêa / Presidência da República

Há um ano, todos os ministros do governo Bolsonaro se reuniram para a discussão de um plano que acreditavam ser o caminho para a superação da pandemia: obras e investimentos públicos focados no reaquecimento da economia. À época, o Brasil registrava 2.924 mortes pelo coronavírus — não por dia, mas ao todo —, e as lideranças do governo acreditavam que o pior já tinha passado. As imagens da reunião, que vieram a público por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mostram que, apesar de avaliações equivocadas sobre a extensão dos efeitos do vírus, políticas defendidas no encontro, como a flexibilização de acesso às armas, foram implementadas.

Marcada pela desorganização, xingamentos e ameaças a outras instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o encontro, que ocorreu em 22 de abril de 2020, causou uma crise política que tensionou a relação com outros Poderes e, dois meses depois, teve como efeito a demissão de Abraham Weintraub do Ministério da Educação.

O “responsável” pela divulgação da reunião, Sergio Moro — a determinação do então ministro Celso de Mello partiu de um pedido dele —, também não está mais no governo, e foi na área que esteve sob sua alçada em que uma das diretrizes anunciadas pelo presidente Jair Bolsonaro passará a vigorar. No encontro, o chefe do Executivo defendeu “armar a população” — a partir de amanhã, passará a vigorar um decreto que estende para seis armas o limite que um cidadão pode ter em casa.

No encontro, Bolsonaro também evidenciou que faria mudanças em cargos ligados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, declaração que Moro apresenta como uma das provas da interferência do presidente na Polícia Federal. O inquérito que apura o caso ainda está em aberto no Supremo. De lá para cá, o ex-juiz foi substituído por André Mendonça, que na semana passada deu lugar a Anderson Torres — delegado que é adversário de Moro.

No comando da PF, a tentativa de emplacar Alexandre Ramagem foi barrada pelo STF, o que levou o posto a ser ocupado, na ocasião, por Rolando de Souza. Na semana passada, foi oficializada nova troca: Paulo Maiurino assumiu a chefia da corporação.

Outra frase marcante da reunião partiu do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ao afirmar que a imprensa estava focada na pandemia, ele defendeu que seria um bom momento para “passar a boiada”, flexibilizando regras ambientais. Pesquisadores da UFRJ encontraram 57 dispositivos legais de desregulação e flexibilização, enfraquecendo regras de preservação —mais da metade foi publicada após a frase de Salles.

Já no combate à pandemia, o Ministério da Saúde voltou para as mãos de um médico — Nelson Teich, presente ao encontro, foi substituído no mês seguinte pelo general Eduardo Pazuello —, mas a presença de Marcelo Queiroga não foi capaz de alterar completamente a postura de Bolsonaro. O presidente segue se manifestando contra medidas de isolamento social e, ontem, circulou sem máscara por Brasília.

Relembre as pautas da reunião e veja o que foi posto em prática:

Em reunião ministerial em abril de 2020, Bolsonaro pleiteou mudanças na Polícia Federal Foto: Editoria de Arte

Troca na Justiça e na PF

O que foi dito
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”

Como ficou
No início deste mês, Bolsonaro trocou pela terceira vez o ministro da Justiça. Anderson Torres assumiu a vaga de André Mendonça, que substituiu Sergio Moro após o ex-juiz afirmar que o presidente tentou interferir na PF. Para o comando da corporação, foi nomeado Alexandre Ramagem, mas o STF barrou a indicação por causa da proximidade dele com os Bolsonaro. Rolando de Souza assumiu o cargo e, agora, foi substituído por Paulo Maiurino.

Presidente Jair Bolsonaro defendeu armamento da população em reunião ministerial em 22 de abril de 2020 Foto: Editoria de Arte

Política armamentista

O que foi dito
“Olha, eu tô, como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer para impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa”

Como ficou
Bolsonaro editou quatro decretos que flexibilizam as regras de compra e porte de armas. O limite de armas para compra passou de quatro para seis. Se a pessoa atuar na segurança pública, sobre para oito. Produtos antes vendidos sob o monitoramento do Exército deixaram de ser controlados. Houve um crescimento recorde de 90% de novos registros de armas de fogo em 2020, em comparação com o ano anterior.

O então ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, apresentou um projeto de obras nacionais na reunião de 2020 Foto: Editoria de Arte

Mais dinheiro para obras

O que foi dito
“Pró-Brasil. É um programa para integrar, aprimorar ações estratégicas, os senhores vão ver que o foco, ele não é de governo, ele é de Estado. Eu tô tentando fazer uma projeção de dez anos, tá? É … eu tô tentando não, nós vamos ter que fazer isso aí. É … pra retomada do crescimento socioeconômico em resposta aos impactos relacionados ao coronavírus, tá?”

Como ficou
Pelo Orçamento deste ano, R$ 11 bilhões foram destinados a áreas ligadas aos ministérios comandados por Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), que pressionaram por mais recursos ao longo de 2020. Também tiveram o Orçamento aumentado os ministérios de Defesa; Minas e Energia; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Relações Exteriores e Economia.

'Passar a boiada': frase do ministro Ricardo Salles na reunião ministerial referiu-se a desregulamentação ambiental Foto: Editoria de Arte

A boiada no meio ambiente

O que foi dito
“Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, do ministério da Agricultura, do ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação… É de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos.”

Como ficou
O ministro do Meio Ambiente destacou que, com a atenção da imprensa voltada para a Covid, o governo poderia “passar a boiada” e publicar normas de desregulamentação e simplificação que não precisam de aprovação do Congresso. Pesquisadores da UFRJ encontraram 57 dispositivos legais de desregulação e flexibilização, enfraquecendo regras de preservação. Mais da metade foi publicada após a frase de Salles.

Declaração de Weintraub sobre ministros do STF contribuiu para demissão do ministro Foto: Editoria de Arte

Confronto com STF

O que foi dito
“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca. Era só isso presidente, eu realmente acho que toda essa discussão de “vamos fazer isso”, “vamos fazer aquilo”, ouvi muitos ministros que vi, chegaram, foram embora. Eu percebo que tem muita gente com agenda própria. Eu percebo que tem, assim, tem o jogo que é jogado aqui, mas eu não vim pra jogar o jogo. Eu vim aqui pra lutar.” – ABRAHAM WEINTRAUB

Como ficou
Vários foram os momentos de atritos entre STF e governo Bolsonaro, como o pedido para que Weintraub explicasse as agressões contra ministros da Corte, o que terminou com a sua demissão; a diminuição do prazo para que ministros militares fossem ouvidos no inquérito da PF aberto após denúncias de Moro; o pedido de análise sobre a apreensão do celular do presidente; e buscas e apreensões nas casas de apoiadores de Bolsonaro.

Bolsonaro se manifestou contra o lockdown em reunião com ministros, antecipando movimentos judiciais Foto: Editoria de Arte

Combate à pandemia

O que foi dito
“No que depender de mim, nunca teríamos lockdown. Nunca. É uma política que não deu certo em lugar nenhum do mundo. (Nos) Estados Unidos vários estados anunciaram que não tem mais. Mas não quero polemizar esse assunto aí.”

Como ficou
Por várias vezes, Bolsonaro afirmou que a cobrança sobre as mortes provocadas pelo novo coronavírus no Brasil deveria ser feita a governadores e prefeitos que adotaram medidas de isolamento para tentar conter o contágio pela Covid-19. O presidente chegou a apresentar uma ação ao Supremo Tribunal Federal contra medidas restritivas adotadas por governadores, que incluem toques de recolher no agravamento da pandemia. O STF negou o pedido.

O Globo 

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