CPI vai focar em falta de testes no país

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Foto: Divulgação/Prefeitura de Jundiaí

Depoimentos de testemunhas e documentos requeridos por senadores antecipam o que deve ser o novo alvo da CPI da Covid: o “apagão” ou a insuficiência de testes para detectar o coronavírus no Brasil.

O que se extrai das declarações de três ex-ministros da Saúde e do atual titular da pasta à CPI, além do conteúdo das primeiras respostas a seis requerimentos da comissão, é um quadro desolador. O Ministério da Saúde, uma gestão após a outra, falhou na implantação de uma política nacional de testagem.

Na CPI, o ex-ministro Henrique Mandetta descreveu o fracassado projeto da “usina de exames” ou do “pool de laboratórios” privados. Seu sucessor, Nelson Teich, em breve passagem por Brasília, insistiu, sem êxito, na estratégia de um consórcio entre o SUS e o setor privado, com participação da empresa Dasa (Diagnósticos da América) e dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens), vinculados às secretarias de saúde estaduais.

O número de programas lançados (mais detalhes abaixo) foi inversamente proporcional ao volume de testes ofertados. “Ontem lançamos um programa chamado PrevCOV”, anunciou na CPI o atual ministro, Marcelo Queiroga, sem dizer se o que parece apenas uma nova pesquisa sorológica substitui o programa anterior “Diagnosticar para Cuidar”, mencionado pelo ex-ministro Pazuello em seu depoimento.

Na mesma sessão da CPI em que foi levado a explicar os 2,3 milhões de testes de covid prestes a vencer em almoxarifado do Ministério da Saúde, Queiroga pregou “um redirecionamento nessa política”, indicando possíveis negócios com o laboratório Abbot, que tem promovido um novo teste rápido de antígeno, recém-aprovado pela Anvisa. Ainda em novembro do ano passado, o Estadão revelou que o Ministério da Saúde tinha 6,8 milhões de testes parados num galpão em Guarulhos.

Até aqui, o que se sabe é que ocorreu a criação, pela Dasa, em abril de 2020, do Centro de Diagnóstico Emergencial (CDE), em São Paulo, em parceria com o Ministério da Saúde, que ficou responsável pelos equipamentos e insumos em troca de exames processados pela empresa. Em outros três Estados – Rio de Janeiro, Ceara e Paraná -, a Fiocruz organizou Unidades de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19, operação que teve o aporte de R$ 930 milhões do Ministério da Saúde e de R$ 200 milhões do Banco Itaú, doados por meio da iniciativa Todos pela Saúde.

Informações sobre contratos e acordos firmados pelo Ministério da Saúde, assim como recursos envolvidos e quantidade de testes distribuídos e realizados, constam de requerimentos aprovados e ainda em tramitação na CPI.

Estudos recentes mostram uma forte associação entre o volume de testes realizados e o controle da transmissão do coronavírus nos países. Isso porque, durante uma pandemia, os testes contribuem para definir o diagnóstico individual, mas também funcionam como uma “janela” através da qual se vê a disseminação do vírus, inclusive em pessoas que não apresentam sintomas. Assim, é possível barrar a transmissão, mediante o isolamento dos casos positivos e o rastreamento das pessoas que tiveram contato com alguém infectado. O uso amplo de testes é essencial para definir recursos, organizar serviços e decidir pela adoção ou não de medidas que podem ter alto custo social, como o lockdown.

Atualmente, em muitos países, os testes rápidos em abundância são utilizados para tornar mais seguros ambientes coletivos, como locais de trabalho, escolas e transportes. Nos Estados Unidos, o estado de Nova York se vale da testagem para viabilizar o ensino presencial. Já os cidadãos ingleses são estimulados a testarem com frequência, ainda que não apresentem sintomas.

No Brasil, no início de 2020, faltaram exames de covid até para pacientes internados. Ainda hoje, a situação é crítica, embora existam 568 testes, de várias marcas e tecnologias, aprovados pela Anvisa.

Quando se compara o número de testes já realizados em relação ao tamanho da população, o Brasil, com 149 testes por 1.000 habitantes, é um dos países que menos testou, muito atrás, por exemplo, de Reino Unido (2.598 testes) e Estados Unidos (1.341 testes)

Segundo a pesquisa PNAD Covid-19, do IBGE, até outubro do ano passado, apenas 12 % da população (25,7 milhões de pessoas) tinham feito algum teste. Além da baixa cobertura, as pessoas negras e pardas e aquelas com menor renda familiar consumiram muito menos testes do que a população branca e que vive com mais de quatro salários mínimos.

A realização de testes é limitada tanto no SUS quanto no setor privado. Os Lacens, ligados aos governos estaduais, pouco expandem a capacidade devido à grande demanda de rotina de exames diagnósticos em geral. Apesar da venda liberada de testes rápidos em farmácias, até agosto de 2020 a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) permitia que os planos de saúde negassem a cobertura de exames de covid.

O ex-ministro Mandetta disse à CPI que, em sua gestão, o Ministério da Saúde iniciou a compra de 24 milhões de testes PCR e “mais de 20 milhões” de testes rápidos. Teich confirmou a aquisição de 24 milhões de exames. Pazzuello aumentou o feito para “46 milhões”, mas a plataforma integrada de vigilância do Ministério da Saúde informava, em 31 de maio de 2021, que tinham sido entregues 22 milhões de testes PCR.

Sem coordenação e solução dada pelo Ministério da Saúde, Estados e municípios passaram a comprar testes diretamente no mercado. Documentos até agora recebidos pela CPI mostram baixa aquisição de testes durante toda a pandemia. Entre as capitais, a maior compra foi de 447 mil testes, feita pela prefeitura do Rio de Janeiro, e, entre os Estados, foi de 250 mil testes, adquiridos pelo governo do Espírito Santo. Os preços variam de R$10 até R$130 pagos por unidade, e não há padronização do tipo, qualidade e função dos testes. O Ministério da Saúde sequer utilizou o seu poder de compra para obter melhores preços.

A base tecnológica nacional para o desenvolvimento de testes requer máquinas e insumos importados. A saída proposta para contornar a dependência tecnológica têm sido, com poucas variações, a reunião dos esforços públicos com a iniciativa privada. Mas como esse arranjo resulta em uma oferta limitada de testes, correm por fora a compra pública pulverizada e o acesso diferenciado para quem pode pagar.

Desde que a infraestrutura e os reagentes estejam disponíveis, o Brasil têm hoje condições de produzir e processar mais testes. Mas é preciso investimento.

O governo federal fez a escolha de não incluir no orçamento de 2021 a previsão de despesas relacionadas à pandemia, que passaram a depender de créditos extraordinários. Desde o início do ano, foram abertos R$16,4 bilhões em favor do Ministério da Saúde, que se somam a outros R$22,5 bilhões, autorizados mas não usados em 2020. São recursos para a compra de vacinas, repasses a estados e municípios, custeio de leitos hospitalares e, em tese, também para testes.

Reconvocado pela CPI, ainda que senadores mantenham o foco nas vacinas e na cloroquina, o ministro Queiroga terá oportunidade de esclarecer quais e quantos recursos serão mobilizados para reverter o “apagão” de testes de Covid no Brasil.

Nós fizemos o pool de laboratórios (…) para construirmos toda a lógica de testagem, entrega do resultado, através de aplicativo, diretamente para a pessoa e para a Secretaria de Saúde(…) A ideia era montar uma usina central com os grandes, (…) Dasa (Diagnósticos da América), Pardini (Laboratório Hermes Pardini).”

“(…)É quando a gente assina com o Dasa (Diagnósticos da América) para justamente começar esse processo de incluir Lacen (Laboratórios Centrais de Saúde Pública), incluir laboratório privado, para justamente criar uma estrutura nacional para dar conta do volume de testagem.”

O ex-ministro Eduardo Pazuello

“A nossa estratégia chama-se Diagnosticar para Cuidar”. “Deixe eu explicar para o senhor. (…) a testagem é por demanda, nós não enviamos testes por Estados e municípios. Ele começa na demanda do Estado ou do município, e a gente fornece.”

“Ontem lançamos um programa chamado PrevCOV, que se baseia num diagnóstico sorológico da Covid no Brasil, e isso vai contar com um teste rápido da Abbott. Então, nós vamos adquirir testes rápidos”.

Estadão