Protestos contra Bolsonaro tiveram muitos de seus eleitores hoje arrependidos
Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress
Era um momento para ficar na história. Em meio à multidão que carregava faixas e adesivos de protesto contra o governo e em defesa da vida e de vacinas, na tarde fria deste sábado (19), a estudante Rafaela Romano queria registrar os atos na avenida Paulista com o seu celular. Ali, sua maior conquista foi, sobretudo, ver a mãe, a dentista Patrícia Romano, soltar o grito de “Fora, Bolsonaro!”.
Patrícia contou que, na última eleição presidencial (2018), estava descontente com os governos do PT e votou em Bolsonaro, para o desespero da filha, que chorou com a atitude da mãe. “Ela nunca aceitou. Sempre considerou o Bolsonaro um desastre, um despreparado, um misógino”, disse.
A dentista lembra que, com o tempo, foi se desiludindo e agora se sente “muito arrependida” de ter escolhido o número 17 e ter dado seu voto a Jair Messias Bolsonaro.
Ao lado das duas filhas, Rafaela, 18, e Gabriela, 14, Patrícia, 50, engrossava o coro dos que, no meio da multidão, pediam o impeachment. Gabriela usava um adesivo que trazia o desejo de afastamento do presidente. A irmã, Rafaela, ostentava a mesma mensagem numa faixa na cabeça. Já o adesivo da mãe, Patrícia, era a palavra de ordem “Vacina na veia, Bolsonaro na cadeia”.
A opinião das duas garotas influenciou a mudança de opinião política da mãe.
Rafaela lembra o descaso com a natureza, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o desrespeito com os povos indígenas. Fala também das atitudes machistas, racistas e homofóbicas do presidente.
A caçula, Gabriela, diz que é muito preocupante o incremento da pobreza no país e a ausência de ações mais enérgicas por parte do governo em relação aos mais pobres. “Esse auxílio não dá para comer.”
A família mora na Vila Leopoldina, bairro de classes média e alta, na zona oeste da capital.
“Agora, estou mais confiante. Ela não vai mais votar no Bolsonaro”, comemorava a filha Rafaela. “Como mãe de duas meninas, profissional da saúde, que vê o descaso do presidente com a Covid, uma pessoa que deveria dar o exemplo, mas não usa máscara, provoca aglomerações e desdenha da ciência, hoje não tenho mais dúvida. O meu voto ele não leva mais.”
Perto do parque Trianon, a advogada Patrícia Costa, 31, que trocou Belo Horizonte por São Paulo há cerca de seis meses, também não escondia seu arrependimento de ter votado no então candidato à Presidência pelo PSL.
Tentando não chamar a atenção de manifestantes ligados a movimentos e partidos de esquerda, ela diz que “queria um candidato que tirasse o PT do poder”. “As propostas econômicas de Bolsonaro me pareceram, naquela época, boas.”
Segundo a advogada, foi em algum período da pandemia, que já matou 500 mil brasileiros, que baixou a sensação de arrependimento. “Era para toda essa multidão já estar vacinada”, afirma. “Eu, pessoa com nanismo, não posso mais apoiar alguém que é contra a ciência. Não dá.”
Seu colega, o ator e professor Fernando Vigui, 38, dizia que não era um “cara de esquerda, muito menos de direita”. Na última eleição presidencial, foi de Fernando Haddad (PT).
“Jamais cogitei a possibilidade de votar em Jair Bolsonaro. Foi bom minha amiga ter-se conscientizado, mudado de opinião. Seria incoerente, diria até hipócrita, apoiar alguém que é contra a ciência. Digo isso não somente para nós, pessoas com nanismo, mas para todo o mundo.”
De olho no fluxo de pessoas que deixavam uma das saídas da estação Trianon-Masp, o ambulante Reginaldo Araújo, 59, oferecia fitas, faixas, máscaras e bandeiras, que custavam de R$ 10 a R$ 30.
As bandeiras traziam a cara de Lula com uma frase pró-impeachment do atual presidente e a de Bolsonaro em duas versões, com os dizeres “Não tirem a máscara, tirem o Bolsonaro” e “Bolsonaro Genocida”, nas cores branca e, sobretudo, vermelha, além de outras peças estampadas com o arco-íris, símbolo LGBTQIA+.
Eleitor de Bolsonaro, negro, morador de Cidade Tiradentes, zona leste paulistana, Araújo disse que estava impressionado com o número de participantes no protesto.
“A economia anda esquisita demais. Isso influencia. O Jair demorou para vacinar o povo. Sem contar que ele fala muita besteira. Só falta mandar a gente para aquele lugar.”
Araújo, porém, não pretende mudar seu voto nas eleições do ano que vem. Seguirá fiel, diz ele, ao presidente.
“Não vou gritar ‘Fora, Bolsonaro’ para vender mais. Negócio, negócio; política, à parte.”
Na visão do ambulante, o fato de continuar acreditando no presidente não o impede de vender produtos que defendam o seu impeachment.
Sai-se, então, com uma comparação futebolística. “Sou são-paulino, mas isso não quer dizer que não irei aos estádios do Corinthians e do Palmeiras vender meus produtos para eles, né?”
Um empresário comprou de Araújo uma bandana contra o presidente. Pagou por ela R$ 10. Sob a condição de anonimato, contou ter votado em Bolsonaro e ter-se arrependido. “Não quero que coloque o meu nome, porque gente do meio e da minha família vão acabar brigando comigo. Prefiro não me expor”, disse.
Na opinião dele, um homem de 57 anos, “toda essa bateção de cabeça em torno da compra de vacinas foi a gota d’água”. “Perdi gente querida para a Covid que poderia estar viva se tivesse sido vacinada.”
Falou um bocadinho mais. Para ele, se os atos deste sábado não tivessem sido convocados pelo “pessoal da esquerda”, outros bolsonaristas arrependidos ali estariam.