Só após denúncias Bolsonaro cancela compra superfaturada

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Foto: Kevin David /A7 Press/Agencia O Globo

O governo do presidente Jair Bolsonaro estuda cancelar o contrato assinado com a Precisa Medicamentos em fevereiro para obter 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech. A avaliação ocorre no momento em que avançam as investigações a respeito de indícios de irregularidades no acordo.

O cancelamento do contrato passou a ser discutido em vários setores do Ministério da Saúde e já chegou ao conhecimento da Casa Civil, no Palácio do Planalto.

​Uma das possibilidades é rescindir o acordo em razão do atraso na entrega das unidades contratadas e também da falta de previsão da chegada do imunizante ao Brasil.

Outra hipótese é que não haja assinatura do termo de compromisso exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) com condições para importação de parte das doses.

As alternativas são debatidas com a consultoria jurídica, departamento de integridade e área técnica da Saúde. Uma reunião para discutir o tema foi realizada na quarta-feira (23), mas ainda sem definição.

A avaliação inicial, porém, é deixar o contrato em banho-maria, sem que haja esforço para importação dos 4 milhões de doses iniciais alvo de autorização condicional da Anvisa.

A existência de denúncias de irregularidades foi revelada pela Folha na sexta-feira passada (18), com a divulgação do depoimento sigiloso de Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, e irmão do deputado.

Ele disse ao Ministério Público Federal em Brasília que recebeu uma “pressão atípica” para agilizar a liberação da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.

As suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin atingiram o Palácio do Planalto, com o relato de que o próprio presidente Bolsonaro foi alertado há mais de três meses dos indícios de irregularidades.

O surgimento de novos fatos resultou em uma nova linha de investigação da CPI da Covid, que se tornou central e deve nortear as atividades da comissão pelas próximas semanas. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que talvez seja a denúncia mais grave já recebida pelo colegiado.

O Planalto, por sua vez, reagiu no fim da tarde desta quarta-feira (23) escalando um dos investigados pela CPI para explicar o caso Covaxin —Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde—, mas sem conseguir rebater o eixo das suspeitas.

O presidente Bolsonaro ainda pediu para que a Polícia Federal investigue o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), autores das acusações que o envolvem.

Em entrevista à Folha nesta quarta-feira, o deputado federal Luís Miranda afirmou que alertou pessoalmente o presidente Bolsonaro sobre os indícios de irregularidades na negociação e a pressão para a sua rápida liberação.

“No dia 20 de março, fui pessoalmente, com o servidor da Saúde, que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse o parlamentar.

O presidente, segundo o deputado, teria naquele encontro prometido acionar a Polícia Federal para investigar o caso. “Para poder agir imediatamente, porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo.” O parlamentar disse que não recebeu retorno do presidente ou da PF sobre a abertura de um inquérito.

O contrato com a Precisa, que representava a vacina no Brasil, foi firmado em fevereiro, ainda em um momento em que a vacina não tinha tido todos os resultados de estudos clínicos divulgados, e com previsão de custo de US$ 15 a dose.

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas e já aprovadas em outros países, como a Pfizer.

Integrantes do governo Bolsonaro afirmam que a tentativa que foi feita de acelerar os trâmites para a chegada de doses da Covaxin tinha como objetivo assegurar imunizantes ainda no primeiro semestre de 2021.

A intenção era garantir volume razoável de unidades no segundo trimestre do ano. Isso porque no governo a avaliação é a de que já há alto número de doses contratadas pelo governo para o segundo semestre.

Cronogramas iniciais da Saúde previam entrega de 8 milhões de doses em março, 8 milhões em abril e 4 milhões em maio. A previsão de entrega das doses, no entanto, nunca foi cumprida.

Ao longo dos últimos meses, a vacina também passou por idas e vindas em avaliações na Anvisa, que chegou a negar um pedido inicial da Saúde para importar o volume previsto. O motivo era a falta de apresentação de documentos básicos para atestar a segurança e qualidade da vacina.

Recentemente, em nova tentativa da pasta, a agência deu aval para importação de 4 milhões de doses, mas a entrega ainda não tem prazo.

Também depende do cumprimento de uma série de requisitos, como acompanhamento em estudos clínicos. A pasta, porém, não fez novos encontros com a agência para discutir o processo.

Procurada, a Precisa não deu informações até o momento sobre a previsão de entrega das doses ou possibilidade de cancelamento do acordo.

As investigações sobre irregularidades no contrato ocorriam no curso de um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. Depois, o caso foi desmembrado, diante dos indícios de crimes na contratação.

O fato de o governo de Jair Bolsonaro ter reservado R$ 1,61 bilhão para uma vacina sem perspectiva de entrega, com quebras de cláusulas contratuais, já se configura um prejuízo à saúde pública, disse à Folha a procuradora da República Luciana Loureiro, responsável pelo inquérito civil.

A previsão é que o tema seja alvo de novas discussões na CPI da Covid. O depoimento do servidor Luís Ricardo Miranda está marcado para sexta-feira (24).

Enquanto analisa a possibilidade de cancelamento do contrato, a equipe da Saúde também já prepara a defesa do governo para a CPI.

A pasta quer rebater o argumento de que a Precisa tentou por duas vezes garantir pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um primeiro lote da vacina—o que não estava previsto no acordo. Segundo membros do governo, o documento estava errado, mas não houve má fé da empresa, e o papel foi corrigido dias depois.

Folha