Planos de Saúde lucram mais na pandemia e ainda aumentam preços

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Foto: Bruno Kelly

Usuários de planos de saúde coletivos por adesão começaram a receber seus boletos com reajuste anual em torno de 16%. Muitos são clientes da Qualicorp, uma das principais administradoras de benefícios no país e que tem como parceiras 102 operadoras de saúde, e já buscam escritórios de advocacia e associações de defesa do consumidor para questionar o aumento na Justiça.

Além de ser o dobro da inflação do período (o acumulado em 12 meses é de 8,06%, segundo o IBGE), a cobrança deste ano ocorre em um momento em que se espera um reajuste dos planos individuais próximo a zero, ou até negativo, devido à queda nos custos do setor em 2020, provocada pela redução de cirurgias, consultas, exames e outros procedimentos eletivos durante a pandemia.

O índice de aumento dos planos individuais, que representam cerca de 20% do total de usuários de planos de saúde, é calculado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). O valor deste ano ainda não foi divulgado.

Já os planos coletivos (empresariais e por adesão), que somam 80% dos usuários, não são regulados pela agência. A negociação é direta entre operadoras, empresas e entidades de classe. O reajuste leva em conta critérios contratuais, além do índice de sinistralidade e de variação do custo médico hospitalar.

O reajuste cobrado pela Qualicorp para a Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, por exemplo, é de 15,9%. Outras entidades de classe tiveram aumentos semelhantes e seus usuários já buscam advogados para questioná-los judicialmente.

É o caso de Ivana, 59. Até o final do ano passado, ela pagava R$ 2.200 pelo plano. No início de 2021, ele sofreu um acréscimo de R$ 500 para compensar o congelamento do reajuste imposto pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em 2020 devido à pandemia.

Em fevereiro, quando Ivana completou 59 anos, recebeu de presente o reajuste por idade, de 85%. O boleto saltou para R$ 5.000. Agora, com o aumento aplicado pela operadora via Qualicorp, de 15,9%, o valor chegará a R$ 5.700.

“É muita angústia. Ou eu me mantenho ou mantenho o plano. Estou usando minhas reservas, minha poupança. Não era para acontecer isso nesse momento da vida e em plena pandemia”, diz Ivana, que prefere não se identificar porque o processo judicial contra a operadora está em curso.

Em nota, a Qualicorp diz que o reajuste anual é definido pela operadora de planos de saúde. “Na função de administradora de benefícios, a empresa busca negociar a aplicação do menor índice de reajuste possível”, diz.

E acrescenta. “Além disso, oferece diversas alternativas de planos de saúde em mais de cem operadoras para que seus clientes possam manter o acesso à assistência médica privada de qualidade.”

Todos os anos, o aumento dos planos coletivos gera embate por ser bem acima dos planos individuais. Em 2020, por exemplo, foi de 11,28%, mais de três pontos percentuais acima do aplicado aos individuais pela ANS, segundo pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Neste ano, os debates estão ainda mais inflamados porque o setor goza de uma boa saúde financeira, com a queda de consultas, cirurgias e outros procedimentos eletivos, durante a pandemia.

O lucro líquido dos planos de saúde cresceu 49,5% em 2020, com uma receita de R$ 217 bilhões, segundo dados da ANS. O mercado encerrou o ano com 47,6 milhões de usuários, com uma alta de 650 mil novos beneficiários.

“Teve redução nos atendimentos não-Covid, mas isso não se reflete em um reajuste menor para o consumidor. Há índices até mais altos do que o do ano passado”, diz o advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados.

Segundo Marcus Pestana, assessor especial da presidência da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), essa sobra de dinheiro no caixa das operadoras é ilusório.

“As pessoas falam: ‘Pô! Um setor que fatura R$ 200 bilhões por ano!’ Mas é um caixa gerado artificialmente. As pessoas não deixam de precisar da consulta e da cirurgia, elas só adiam.”

Vera Valente, diretora-executiva da Fenasaúde, concorda. Ela diz que neste ano o setor vive uma “tempestade perfeita”, que vai se refletir em reajustes ainda maiores em 2022.

“Os custos Covid estão explodindo nesta segunda onda da pandemia, as internações estão mais longas. Ao mesmo tempo, as [cirurgias] eletivas, adiadas em 2020, voltaram para valer a níveis maiores do que antes da pandemia.”

De acordo com o último boletim da ANS, nos primeiros meses de 2021 não houve um aumento de utilização de serviços de saúde no comparativo com 2019 (pré-pandemia). “Os números seguem no mesmo patamar (no caso de exames e terapias eletivas) ou em patamar inferior (no caso de internações e atendimentos em pronto-socorro)”, diz a publicação.

Valente afirma que os reajustes aplicados pelas operadoras associadas à Fenasaúde neste ano serão os mais baixos desde 2013 porque refletem a queda da sinistralidade de 2020. Mas ainda não há definição de qual será o reajuste médio.

Na opinião de Robba, os aumentos são abusivos e frutos da pouca transparência sobre a composição do índice de reajuste das operadoras. “Para o consumidor, é uma caixa preta. Dificilmente ele consegue saber se de fato o alto reajuste era realmente necessário”, diz.

Muitas vezes, o consumidor só consegue revisar o reajuste por meio de uma ação judicial. O Judiciário costuma entender que o aumento é abusivo e determina que o índice seja o mesmo que a ANS autoriza para os planos individuais.

Segundo Matheus Zuliane Falcão, analista do Idec, a ANS poderia e deveria mudar a regulação dos coletivos porque a premissa de que há um poder de barganha entre pessoas jurídicas, ou seja, entre as operadoras e os contratantes do plano, é equivocada. “Esse poder de negociação não existe.”

A ANS diz que monitora os reajustes que são efetuados e atualmente trabalha para divulgar essas informações de modo mais eficiente e detalhado.

Diante dos aumentos, uma opção dos usuários tem sido a migração para convênios mais baratos. Nos primeiros quatro meses deste ano, houve um aumento de 50% de consultas na ANS sobre a portabilidade de carência.

De janeiro a abril deste ano, foram gerados 122.678 protocolos de consultas, quase 40 mil a mais que os gerados no mesmo período em 2020 (83.081).

Para Robba, idosos e pessoas em tratamento enfrentam dificuldade para fazer a portabilidade e muitas vezes ficam amarrados ao plano que não conseguem mais pagar.

O tema do reajuste dos planos coletivos chegou à comissão de defesa do consumidor da Câmara dos Deputados, que vai elaborar um projeto de lei para regular o tema. A ideia é que o projeto defina regras específicas para os reajustes dos coletivos, a exemplo do que existe para os planos individuais.

Para Vera Valente, da FenaSaúde, a atual fórmula da ANS para o cálculo dos planos individuais deixa as empresas numa situação de risco porque os reajustes ficam abaixo da inflação médica.

Segundo ela, 85% das receitas das operadoras são repassados para os prestadores de serviço, como os hospitais, e pede cautela na adoção de medidas de regulação mais restritiva.

Valente diz que a maioria das operadoras (56%) são de pequeno porte e que 80% estão no interior do Brasil. Na sua opinião, essas serão as primeiras a serem impactas com uma eventual mudança no modelo de reajustes.

Pestana, da Abramge, lembra que a margem de rentabilidade das operadoras é menor do que 5% e só a última incorporação de 68 novos procedimentos e tecnologias autorizada pela ANS em abril deve trazer um impacto de custos de até 3%.

Folha de S. Paulo

 

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