Pfizer tenta negociar vacinas com Brasil até 2 anos antes
Foto: Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Após ter uma série de ofertas ignoradas pelo Brasil no ano passado, a Pfizer já propôs ao governo federal “iniciar no mais curto prazo possível” as conversas para a compra de vacinas contra a covid-19 visando 2022 e 2023.
O relato é feito pela cônsul-geral do Brasil em Nova York, nos Estados Unidos, embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, sobre reunião com o vice-presidente sênior para política global da Pfizer, Jon Selib, em 27 de abril deste ano. Telegrama sobre o encontro, a convite da embaixadora, foi enviado ao Itamaraty que, por sua vez, encaminhou o documento à CPI da Covid.
[Jon Selib] agradeceu a iniciativa do encontro e convidou o governo brasileiro a iniciar no mais curto prazo possível conversas sobre vacinas para 2022 e 2023. Mas não deixou de dizer que ficaria atento a eventuais oportunidades ainda no ano em curso”
Embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, cônsul-geral do Brasil em Nova York
Na conversa, Maria Nazareth afirma ter feito um “apelo para que a Pfizer priorize o Brasil no seu esforço de acelerar a produção e aumentar a oferta de vacinas contra a covid-19”. Para tanto, citou o primeiro contrato fechado com a farmacêutica, em março, para 100 milhões de doses até setembro, o recebimento de doses da empresa por meio da Covax Facility e a importância do mercado brasileiro para a empresa, por exemplo.
Pouco mais de duas semanas após o encontro, o governo federal fechou outro contrato para mais 100 milhões de doses da Pfizer a serem entregues ainda em 2021. Até o momento, não há anúncio para a compra de imunizantes para vacinação em 2022 e 2023.
A sugestão de Selib para que o governo passasse a negociar mais doses se embasou em alerta da OMS (Organização Mundial da Saúde) de que o novo coronavírus deve se tornar endêmico, exigindo uma vacinação periódica. Essa perspectiva de que o vírus não seja extinto, mas controlado com uma série de medidas, é citada pela própria embaixadora em seu texto.
Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde informou que o assunto está em discussão. A pasta disse que negocia com os fabricantes para a compra de vacinas contra a covid-19 para 2022, “cujas tratativas se baseiam em prospecção de cenários, incluindo riscos e benefícios dos imunizantes disponíveis e a ampliação de grupos a serem vacinados”. Embora tenha sido questionado, o ministério não mencionou tratativas para 2023.
O UOL também entrou em contato com o Itamaraty para um posicionamento. Se houver manifestação, este texto será atualizado.
Segundo Maria Nazareth, o executivo da Pfizer afirmou que a empresa tem “interesse em seguir oferecendo vacinas e medicamentos ao governo brasileiro” e reconheceu que o Brasil é “muito importante para a empresa, um dos seus maiores mercados”.
No entanto, a série de ofertas que a farmacêutica fez ao governo brasileiro, sem resposta inicial, não foi esquecida pelo executivo. O documento relata que ele “lamentou que, em meados de 2020, a Pfizer tenha procurado diversos países, ‘inclusive o Brasil’, e não conseguiu firmar acordos naquele momento”.
Ofertas e carta da Pfizer ignoradas pelo governo
Em depoimento na CPI da Covid, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, revelou que a farmacêutica teve três ofertas de vacinas contra a covid-19 ignoradas pelo governo brasileiro em agosto do ano passado.
Outras ofertas foram feitas em novembro e fevereiro, sem se chegar a um acordo. No final de janeiro, o governo federal alegou haver cláusulas abusivas nas condições pedidas pela Pfizer. A oferta aceita acabou sendo de março deste ano, informou.
Carlos Murillo também afirmou que a farmacêutica enviou, em 12 de setembro de 2020, uma carta ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), além de outras autoridades, com o objetivo de acelerar a negociação dos imunizantes.
Assinada pelo presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla, a carta ficou dois meses sem resposta, segundo Murillo, assim como relatou o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten aos senadores.
Discussão sobre licenciamento voluntário
De acordo com Jon Selib, conforme mostra o documento do Itamaraty, a companhia deve produzir 3 bilhões de doses de vacina contra a covid-19 em 2021 e 4 bilhões de doses em 2022.
Na conversa com Maria Nazareth, ele argumentou que, para cumprir essa meta, a propriedade intelectual deve ser respeitada e que a “empresa não apoia licenciamento voluntário neste momento de crise”.
O licenciamento voluntário e a quebra de patentes de vacinas com o objetivo de agilizar a disponibilidade de imunizantes pelo mundo estão em discussão na OMC (Organização Mundial do Comércio). Ainda não há consenso.
Após resistência inicial, no início de junho, o Brasil sinalizou estar “pronto” para começar a negociar um acordo sobre vacinas que possa eventualmente incluir a suspensão de patentes. O governo insiste que, no debate, a questão central deve ser a operação para a transferência de tecnologia e que os interesses das empresas detentoras de patentes precisam ser considerados.
Selib foi “enfático ao afirmar que tal esforço coloca em xeque investimentos futuros, em situações de pandemia e outra urgências de saúde pública” e salientou que a “boa imagem das empresas farmacêuticas dependerá da entrega célere e eficaz das vacinas e não do licenciamento voluntário ou waivers [espécie de renúncia]”, diz o documento escrito por Maria Nazareth.
O executivo fez críticas a “ofertas irrealizáveis de empresas que prometiam licenciamento e transferência de tecnologia, mas que não têm experiência no desenvolvimento de vacinas” e apresentou mais pontos contrários a eventuais quebras de patentes ou outras renúncias, de acordo com a embaixadora.
Ela, por sua vez, disse entender as preocupações da Pfizer, mas reforçou que “a opinião pública mundial espera gesto significativo da indústria farmacêutica neste momento de crise”.
Ao final, a avaliação da embaixadora, foi a de que a conversa se mostrou positiva e de que o Brasil é mercado prioritário para a Pfizer, especialmente na pandemia.
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