Ex-bolsonarista, Frota vira xerife contra baladas clandestinas
Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress
“Atenção, força-tarefa vai sair no horário. Já estamos dentro da festa, umas 250 pessoas sem máscaras, show ao vivo, DJ, aglomeração geral, todos em pé, dançando. Vamos precisar do desembarque rápido para entrar no local”, diz a mensagem no WhatsApp, animada por emoticons de sirene, facas e bandeiras do Brasil, entre outros.
O autor da mensagem, enviada a um grupo interno de representantes do poder público, é o deputado federal e ator Alexandre Frota (PSDB). Há cinco meses, ele tem atuado em uma força-tarefa do governo de São Paulo contra festas clandestinas que já flagrou jogadores de futebol e reuniões secretas com ingressos de milhares de reais, rendendo cenas de baladeiros surtando que viralizaram na internet.
Após entrar na política na esteira do bolsonarismo e romper com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado se aproximou do governador João Doria (PSDB) e passou encarnar a figura de xerife das baladas clandestinas durante a pandemia. As midiáticas operações envolvem dezenas de pessoas, de policiais a agentes da vigilância sanitária, passando por pessoas infiltradas nas festas.
Tudo é cercado por uma aura de mistério, e as chamadas equipes avançadas se comunicam apenas com o deputado. No total, são cinco equipes atuando em duplas.
“São ex-promoters ou promoters que não estão trabalhando, empresários que discordam que outras pessoas estejam fazendo festas enquanto eles estão com as casas fechadas pagando seus impostos, sem demitir funcionários”, diz Frota.
Frota afirma que, para as operações, recebe fotos, informações sobre desrespeito à regra de uso de máscaras, lotação da balada e dados sobre as rotas de saída dos locais.
Seu movimento seguinte é ir sozinho para perto do estabelecimento suspeito e passar de carro algumas vezes em frente ao local, antes de estacionar a alguns metros de distância.
Só então ele manda a localização para o comboio, que envolve órgãos como Procon, Vigilância Sanitária, Guarda Civil Metropolitana, prefeituras regionais e policiais civis de grupos de elite como o Garra, entre outros.
As incursões do grupo pela noite paulistana têm ganhado grande repercussão, seja pelas celebridades flagradas na aglomeração ou pela reação descontrolada de alguns frequentadores.
Em um cassino clandestino, foram encontrados o atacante Gabigol, do Flamengo, e o funkeiro MC Gui. Em uma festa na zona leste da capital, foi a vez do zagueiro Robert Arboleda, do São Paulo, e do atacante David Neres, do Ajax, da Holanda.
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As batidas ainda renderam cenas como as da modelo e influenciadora Liziane Gutierrez revoltada com Frota e dizendo “vai para a favela, caralho”.
Mas o que um deputado federal, afinal, está fazendo caçando festas clandestinas?
“Não tem nenhum óbice legal que pudesse me tirar da frente da força-tarefa. Como deputado federal, eu jurei defender e dar segurança e saúde para o povo. Então, uma das minhas obrigações é fiscalizar a coisa errada”, diz ele, que concilia o dia nas sessões da Câmara, em Brasília, com as noites em São Paulo.
Frota diz que começou a receber diversas denúncias desses eventos e procurou o governador João Doria (PSDB) e o então prefeito paulistano Bruno Covas (PSDB), morto em decorrência de um câncer em maio, para falar sobre o assunto.
“O deputado integrou e incorporou-se a essa comissão formada pelo governador e com órgãos públicos porque ele possui um canal de informação, ele recebe muitas denúncias e tem sido de extrema utilidade”, diz o diretor do Procon, Fernando Capez.
Os locais flagrados praticam diversas irregularidades, como a violação ao Plano São Paulo, com pessoas sem máscaras e acima da lotação.
Segundo Capez, o órgão já aplicou cerca de R$ 6 milhões em multas, uma vez que os locais flagrados violam o dever de garantir saúde e segurança dos consumidores. Sobre os flagrados na operação ainda recaem multas da Vigilância Sanitária e subprefeituras.
Tentando se livrar do prejuízo financeiro e reaver bens apreendidos, alguns empresários já caíram na lábia de um golpista que se apresenta como policial.
“Ele consegue informações do local onde a força-tarefa esteve. No dia seguinte, ele liga se apresentando como policial Giovani, do Garra, usa uma foto de um policial de Sorocaba. Oferece retirar as multas, devolver as máquinas, os equipamentos de DJ, mediante a um pix, entre R$ 10 mil e R$ 20 mil”, diz Frota.
Um desses empresários chegou a ir até a porta de uma delegacia, dizendo que havia pago os valores e cobrando a recuperação do material apreendido.
O atuação do grupo também revelou a existência de esquema com empresários e promoters para promover festas de luxo secretas. Com frequência, os mesmos personagens são flagrados novamente realizando os eventos.
Para chegar a algumas dessas festas exclusivas, é preciso antes ser aprovado por mais de um participante em grupos de WhatsApp. No dia do evento, os selecionados recebem o endereço de um local, onde deixarão o carro e seguirão em uma van até a festa propriamente dita.
Esses eventos acontecem em casas de alto padrão, sem luzes da fachada acesas ou carros estacionados.
No dia 17, por exemplo, a força-tarefa encontrou uma balada clandestina em Santo Amaro, com cerca de 1.500 pessoas, que impressionou pelo poder aquisitivo dos frequentadores. Denominada Bryan, a festa aconteceria uma vez por mês.
As entradas custavam R$ 2.000 para homens e R$ 1.300 para mulheres, com camarotes de R$ 12 mil a R$ 18 mil. No estacionamento, havia carros como Mercedez, BMW e Porsche. Uma garrafa de uísque 12 anos saía por R$ 840 (num mercado, fica em torno de R$ 130).
Nessa festa, uma mulher que se disse médica ofendeu um cinegrafista de TV, em mais uma imagem que viralizou. “Eu não vou nem falar com vocês. Você pra mim não vale nada. Câmera para mim não vale nada”, disse a mulher.
Frota diz que esse tipo de reação não costuma acontecer em festas clandestinas na periferia, onde alguns querem até tirar foto com o deputado.
A Folha acompanhou uma noite de trabalho da força-tarefa. De duas casas fiscalizadas, apenas uma estava aberta quando o grupo chegou. Dessa vez, todos saíram pacificamente do evento.
O estabelecimento, em Osasco, no bairro Rochdale, tinha 47 pessoas, das quais 19 estavam sem máscara. A casa foi lacrada pela Vigilância Sanitária e receberá multa.
Segundo Frota, na esteira da atuação do grupo foram descobertos casos de corrupção com cobrança de propina para manter as casas abertas, envolvendo agentes públicos e políticos. Os nomes, hoje em sigilo, serão passados ao Ministério Público, diz ele.
O promotor Arthur Pinto de Lemos, secretário de Políticas Criminais do Ministério Público paulista, diz que os casos flagrados pelas blitze serão investigados. “Há ainda um inquérito policial mais complexo que apura a prática do crime de associação criminosa, que também está sob nosso acompanhamento”, disse.
De acordo com ele, as pessoas autuadas respondem criminalmente com base no artigo 268 do Código Penal, que estabelece pena de um mês a um ano a quem infringir determinação do poder público para impedir propagação de doença contagiosa.
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