Comunidade jurídica vê Bolsonaro inelegível em 2022
Foto: Dida Sampaio/Estadão
As medidas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra as reiteradas acusações do presidente Jair Bolsonaro à eficácia da urna eletrônica, condicionando as eleições de 2022 ao voto impresso, podem atrapalhar seus planos políticos. Juristas ouvidos pelo Estadão dizem que o inquérito administrativo e a notícia-crime apresentados nesta segunda-feira pelo TSE, pedindo ao Supremo Tribunal Federal a inclusão de Bolsonaro na investigação das fake news, têm potencial para torná-lo inelegível se ele for responsabilizado criminalmente. A depender do desfecho do caso, uma eventual candidatura de Bolsonaro a novo mandato tem chance de ser contestada na Justiça Eleitoral.
Para o ex-presidente do TSE Carlos Velloso, o tribunal agiu de forma unânime para fazer o que lhe cabia. “Tudo isso constitui uma reação justa e natural aos ataques injustos ao sistema eleitoral e à própria Justiça Eleitoral”, disse Velloso, ministro que comandou o processo de criação da urna eletrônica. “Se há notícias falsas, há práticas de crime. É muito importante o inquérito administrativo e tudo pode ocorrer nesse processo, inclusive ações de inelegibilidade. Será necessário apresentar as provas da alegada ocorrência de fraude no sistema de votação eletrônico”.
Na avaliação de Isabel Veloso, professora da FGV-Direito (Rio), ações como essas podem, de fato, penalizar Bolsonaro, em particular a viabilidade de sua reeleição. A professora observou, porém, que pode não haver tempo hábil para isso. “Por ora, é possível que funcionem tão somente como ‘enforcement’ para que Bolsonaro pare de propagar fake news, o que já seria positivo para o processo democrático”.
Ao apresentar notícia-crime contra Bolsonaro, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, pediu que ele seja investigado por “possível conduta criminosa” relacionada ao inquérito das fake news, conduzido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O Estadão apurou que Moraes deve aceitar o pedido, ainda nesta terça-feira, incluindo o presidente como investigado.
Barroso citou como justificativa para o inquérito a transmissão ao vivo pelas redes sociais, realizada por Bolsonaro na última quinta-feira, 30, na qual ele admitiu não ter provas de fraudes no sistema eleitoral, como vinha acusando desde março do ano passado. Mesmo assim, o presidente usou a live e a estrutura do Palácio da Alvorada para exibir uma série de vídeos antigos e informações falsas contra as urnas eletrônicas, alegando que o sistema é fraudável. A transmissão ao vivo também foi divulgada pela TV Brasil, uma emissora pública.
O uso do aparato estatal na cruzada contra o modelo de eleições é um dos pilares do inquérito administrativo aberto a pedido do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, que tem o objetivo de investigar ações do presidente de “abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, abuso do poder político ou uso indevido dos meios de comunicação social, uso da máquina administrativa e, ainda, propaganda antecipada”.
No diagnóstico do professor de Direito Constitucional da FGV-Direito (Rio), Wallace Corbo, o TSE tem os meios necessários para cassar o registro da candidatura de Bolsonaro e remeter a ação ao Ministério Público Federal para instauração de processo disciplinar ou ação penal, caso sejam constatadas ações de abuso de poder político e econômico. As punições ao presidente são detalhadas em lei complementar de 1990.
“A Justiça Eleitoral é a responsável por assegurar a realização de eleições limpas e por apurar infrações ao processo eleitoral. Para isso, o tribunal vai investigar se houve abuso de poder político e econômico do presidente. Se ficar constatado que houve isso, pode implicar em inelegibilidade do presidente da por oito anos”, afirmou Corbo.
O TSE, atendendo ao direito de ampla defesa e contraditório, poderá, ao fim do processo, aplicar outras penalidades cabíveis a Bolsonaro. Além da cassação do registro de candidatura, o inquérito administrativo pode provocar multas ao presidente, na Justiça Eleitoral. É justamente aí que a candidatura de Bolsonaro pode sofrer constestação.
“Em curto prazo, algum interessado pode propor uma ação cautelar para que Bolsonaro pare de fazer alegações contra a credibilidade das eleições. Caso o inquérito avance e consiga reunir provas, pode gerar subsídios para denúncias de quebra da normalidade das eleições, algo que pode culminar na cassação da candidatura”, destacou Isabel Velloso.
Ao ser incluído no rol dos investigados por disseminação de notícias falsas e vínculo com milícias digitais nas redes sociais, como se prevê, Bolsonaro também responderá por ataques às eleições. Caso as investigações em andamento reúnam provas, os planos de reeleição do presidente, que abriu o cofre e se aliou ao Centrão em busca de apoio, ficam ameaçados.
Ao fim do inquérito das fake news, uma denúncia poderá ser apresentada contra ele na esfera penal, mas, antes, precisa ser aprovada pelo Congresso. Como trataria de indiciamento por crime comum cometido pelo presidente, o Supremo é o responsável por julgar a ação.
Até agora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progresssistas-AL), tem dito que os parlamentares não estão dispostos a abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro. Além disso, há um obstáculo na Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras, homem de confiança de Bolsonaro e postulante à recondução ao cargo. Será Aras que terá o papel de apresentar a denúncia contra o presidente. Há dúvidas de que ele faça isso, pois quer ser indicado para uma vaga no Supremo, em 2023. Ao procurador-geral da República interessa a reeleição de Bolsonaro.
O Supremo decidiu, em novembro de 2016, que réus não podem fazer parte da linha sucessória da Presidência. Para Rubens Beçak, professor-associado de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP), o eventual indiciamento de Bolsonaro confirmaria esse entendimento. “O presidente fica impedido de disputar as eleições por não reunir sequer as condições morais para tal. Essa é uma possibilidade clara tendo em vista o que se passou desde ontem”, afirmou Beçak. “Se o inquérito das fake news se tornar uma ação penal, o presidente se torna um dos réus. Nesse caso, seria o caso de chancelar a inelegibilidade em 2022. Há também o rito padrão em que ele é condenado e fica impedido de concorrer”.
Entenda as ações do TSE
Inquérito administrativo:
Passo 1: O pedido de inquérito é apresentado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral e aprovado em sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Passo 2: Investigação vai apurar se o presidente da República cometeu abuso de poder político econômico, propaganda eleitoral extemporânea, uso indevido dos meios de comunicação social, fraude e corrupção O processo correrá em caráter sigiloso. Serão deferidas medidas cautelares para colheita de provas, com oitivas de pessoas e autoridades, inclusão de documentos e realização de perícia. O presidente pode eventualmente ser convocado para depor em respeito ao direito de defesa (tempo indeterminado).
Passo 3: Em caso de reunião provas que constatem crime do presidente da República contra o sistema eleitoral, por conseguinte à Justiça Eleitoral, um julgamento será realizado para definir a pena. O TSE poderá tornar o presidente inelegível por 8 anos, como manda a Lei Complementar n°64 de 1990, além de serem passíveis a aplicação de multas ou outras medidas mais brandas. Caso os elementos necessários para provar que Bolsonaro cometeu crime não sejam coletados, o inquérito é arquivado (tempo indeterminado).
Passo 4: Ao tornar o presidente inelegível, o TSE pode optar por encaminhar os autos do processo ao Ministério Público Federal (MPF) para que Bolsonaro seja investigado também na esfera criminal (tempo indeterminado).
Notícia-crime/Inquérito das Fake News
Passo 1: A notícia-crime é atendida pelo relator do inquérito das fake news, ministro Alexandre de Moraes, e o presidente Jair Bolsonaro passa a ser investigado por disseminação de notícias falsas (previsão para esta terça-feira, 03/08).
Passo 2: Tem início a coleta de provas para apurar se o presidente cometeu crime ao realizar a transmissão ao vivo na quinta-feira, 30, em que prometia apresentar provas de fraude nas eleições de 2014 e 2018 (tempo indeterminado).
Passo 3: Em caso de constatação de crime do presidente da República, o relatório é encaminhado ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que terá o papel de apresentar uma denúncia formal contra Bolsonaro a ser aprovada pela Câmara dos Deputados (tempo indeterminado).
Passo 4: Em caso de aprovação da denúncia pela Câmara, o presidente passará a responder na esfera criminal e será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Audiências serão realizadas até que os ministros tomem uma decisão (tempo indeterminado).
Passo 5: Caso os ministros julguem Bolsonaro culpado, o presidente será destituído de suas funções na Presidência da República e ficará inelegível por 8 anos, além da possibilidade de poder ter outras penas aprovadas após a condenação penal (tempo indeterminado).
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